Bia
Bia
Odeio cada vez que sou obrigada a falar para Joseph, que perdi Laura de vista. Eu não teria como acompanhá-la a partir do momento que entrou na garagem particular do aeroporto. Ele finge não entender isso e, cada vez, aumenta minha dívida. Isso me irrita profundamente, a ponto de querer acabar com minha vida, afinal, a vida que um dia tive, já acabou faz tempo, desde o momento em que decidi ser modelo e, acreditei ter recebido a chance da vida, para sair da cidade do interior.
Tinha apenas 16 anos. Cursava o 2º ano do Ensino Médio e, um belo dia, surgiu na escola, um casal de modelos que, foram fazer uma palestra sobre o mercado de moda, com a promessa de estarem realizando uma seleta busca, de jovens talentos. Imediatamente me interessei e peguei o folder de propaganda. Ao chegar em casa, briguei com meus pais, que não queriam me deixar participar. Minha irmãzinha, Mirela, também se interessou e armou um berreiro que queria de qualquer forma ser menina de revista. Muito a contragosto, meus pais nos permitiram ir até o local anunciado no folder, participar da sessão de fotos e possibilidade de escolha.
Eu e minha irmã, na época, com 8 anos, fomos as primeiras a tirar fotos, de todos os jeitos. Com roupas, sem roupas, de lingerie, em cenas sensuais e aleatórias. Em seguida, foi a vez de algumas colegas da escola e demais garotas da cidade, todas ansiosas pela escolha que seria anunciada, assim que a sessão das fotos se acabasse. Para nossa surpresa, eu e Mirela fomos escolhidas. Nascidas e criadas em uma pequena cidade, com pouco mais de 7 mil habitantes, conhecíamos o mundo apenas pelas revistas e, sonhávamos ser chiques e lindas, como as modelos que apareciam nas folhas das revistas, roubadas da biblioteca escolar. O pessoal da agência, foi até a casa dos meus pais, e prometeram o mundo. Pagariam nossas passagens até Milão, na Itália e arcariam com todos os custos. Disseram que éramos talento nato, e não poderiam perder essa oportunidade. Meus pais, matutos e sem instrução, acreditaram. Nos levaram até um cartório, pagaram minha emancipação e com isso, passei a ser a responsável pela minha irmã. Uma semana depois, estávamos com os passaportes em mãos, malas prontas e indo em direção à capital do estado, conhecer pela primeira vez, uma cidade grande e a tal máquina que voava. Meus pais, choravam copiosamente, no entanto, os agentes, os acalmaram dizendo que logo estaríamos de volta, com os bolsos cheios de dinheiro e mudaríamos a vida da família toda.
Assim, partimos em direção à Itália, com conexão em Paris. Estávamos tão felizes que mal podíamos esperar para chegar na tal cidade da moda. Assim que desembarcamos em Paris, a moça da agência, pediu nossos passaportes e documentos, alegando ser por segurança de que, caso alguém pedisse, ela teria como apresentar e conversar na língua deles. Eu, novinha e sem experiência alguma, mal sabia falar o português corretamente e completamente deslumbrada com aquele aeroporto gigante, com tantas pessoas diferentes, falando em línguas diversas, não me ative aos conselhos de que, documentos e, principalmente o passaporte, não se entrega a ninguém. Nos falaram que o vôo demoraria, e por isso, iríamos sair conhecer a cidade, a tal cidade luz, onde ficava a torre mais famosa do mundo e o túnel onde a princesa Diana morreu. Saímos do aeroporto, e entramos em uma van, que nos esperava, com vidros insulfilmados, sem possibilidade de ver para onde estávamos indo. Após um tempo de viagem, paramos e pediram para que minha irmã descesse e fosse no outro carro, pois a levariam para o carrossel e eu iria conhecer os pontos turísticos. Estranhei, mas não contendi. Minha irmã, sem hesitar, saltou da van e correu para o outro carro, com a mulher que nos acompanhava. Alguns minutos depois, cheguei em um lugar muito feio. Uma boate abandonada, no final de um beco, com casarões antigos. O motorista pediu para o acompanhar, e eu, sei entender nada, assim fiz. Nos fundos, na cozinha do local, ele puxou um tablado do chão e me fez descer em um cômodo sem janelas. Acendeu uma luz fraca e pude ver muitas beliches, todas ocupadas com moças, lindas moças, algumas aparentemente da minha idade, outras um pouco mais velhas, porém, todas com olhos assustados.
- Divirtam-se! Carne nova. Sabem o que fazer – falou e fechou a portinhola, no teto do cômodo.
Um tempo depois de conversar com minhas atuais companheiras, soube que tinha caído no golpe da promessa de ser modelo na Europa, e me tornei a mais nova estatística do tráfico humano. Deste então, já se passaram 7 anos e, aquele dia, foi o último que vi, presencialmente, minha irmã. Fui extraditada para o Brasil, aproximadamente 1 anos depois, quando, em um dos encontros para ser escrava sexual, consegui fugir e fui encontrada pela polícia, que, sem entender o que eu falava, me mandou para o consulado brasileiro. Lá contei tudo o que tinha se passado, e acreditei estar em boas mãos. Respirei aliviada por algumas horas, certa de que resolveriam meu problema, e encontrariam minha pequena Mirela, no entanto, quando cheguei de volta ao Brasil, fui diretamente levada para uma salinha da Polícia Federal e, de lá para outro cativeiro, onde conheci Joseph Gordon, o grande chefe de todo o horror.
Ele residia na França, onde conseguia tomar conta do seu esquema e mantinha uma vida cheia de aparência: faculdade, noiva, emprego. Diretamente vinha para o Brasil, com a desculpa de visitar a família. Aqui, fazia aliança com políticos, empresários e pessoas da Polícia Federal. Todos, muito ricos e de altíssima classe social, com fachada de pessoas do bem. Para me manter calada, fez chamada de vídeo para onde minha irmã estava, em um castelo na Turquia, com um velho rico, com mais de dez meninas, na idade da minha irmã, sendo suas escravas sexuais, e, em troca de manter minha irmã viva, me contratou para ser sua garota no Brasil. Apresentou-me um valor exorbitante que deveria pagar, caso optasse em sair do esquema, e mostrou fotos dos meus pais, sendo perseguidos o tempo todo por um pessoal dele.
Sem opções, tive que me tornar o que ele quisesse que eu fosse. Instalou-me em uma mansão, num bairro de alta classe de São Paulo, com motorista, governanta e cartão de créditos sem limite. Eu, moça nova, tinha perdido a virgindade na França e iniciado a vida sexual, sem conhecer o que era carinho e amor. Aprendi a safadeza e, a arte de fingir goz*r. À medida que fui mostrando ser boa de cama com os homens que ele mandava para a casa, todos seus comparsas de crime, fui conquistando sua confiança. Sempre me ligava, e elogiava. A cada trans*, ele abatia um pouco o valor que eu devia e, semanalmente, me enviava fotos da minha irmã, feliz, estudando, crescendo em meio às outras garotas. Algumas vezes, me deixou falar com ela, que me garantia que estava bem, e só sentia saudades de casa, mas estava bem.
Um dia, cansada, menstruada e com muita cólica, neguei fazer o programa que me mandara e, acreditei que ficaria impune, afinal, todos os dias servia todos os homens que ele me enviava, no entanto, no outro dia pela manhã, me ligou e informou que a dívida, que já estava na metade, tinha sido multiplicada e voltei ao valor inicial, acrescida de juros de 150% e me mostrou uma foto da minha irmã, presa em um quartinho, sem água e sem comida.
Aquilo me machucou mais do que se ele tivesse me dado um tiro à queima roupas. Pelos próximos quatro anos, não neguei nenhum dos programas e reconquistei sua confiança, a ponto, de conseguir ir visitar meus pais, logicamente, montada na mentira. Cheguei na pequena cidade em carro importado, com motorista e segurança, exibindo roupas caras, e ainda, deixei uma bolada de dinheiro a eles. Sobre minha irmã, disse que estava em uma nova campanha e não tinha sido possível vir para o Brasil, mas que logo viria. Há 2 anos atrás, Joseph voltou para o Brasil, depois que seu padrasto faleceu e assumiu a liderança da empresa da família. Com isso, seu esquema criou ainda mais força. Sendo diretor de uma renomada potência do ramo de negócios, foi possível estreitar relações e aumentar a carteira de clientes: poderosos, milionários, políticos. Pessoas influentes da alta classe.
Sem me explicar os motivos, um dia que chamou e, explicou que estava pronto e empenhado, em iniciar um esquema doentio de tirar tudo o que a renomada e admirável Ceo Laura Veigas, tinha. Como me tornei sua garota de confiança, me promoveu, colocando-me como chefe da operação. Não precisei mais fazer programas, me deu um apartamento (em frente a casa dela), carro, conta bancária gorda e possibilidade de levar uma vida, aparentemente normal, desde que, apresentasse resultados. Assumi uma personalidade de estudante de comissária de bordo, que mora na capital, mantida pelos pais e, dessa forma, comecei a viver, ou, quer dizer, trabalhar.
Cada vez que falho em minha missão, o castigo é sempre o mesmo: aumenta a dívida e me mostra minha irmã, também sendo castigada.
Para esse esquema, que ainda não entendi qual o sentido, tive que estudar cada passo da Laura. Suas relações, amigos, família. Tudo sendo reportado a ele, com riqueza de detalhes. Contratei o Gil como meu personal, o mesmo que o dela, e com ele, de forma discreta, conseguia todas as informações que precisava. Me tornei amiga do Gil e saímos algumas vezes, até o dia, que me chamou para ir num bar a noite, e, por estar com pontos positivos com Joseph, e ele não se opôs. Foi quando conheci Alice. Uma mulher doce, graciosa. Pessoa do bem. Se vivesse uma vida comum, seria o tipo de mulher que iria querer me casar e construir família. Um dia depois, ficamos e, foi a primeira vez que beijei na boca e transei, por prazer, sem obrigação. No outro dia, Joseph quis saber os detalhes de com quem fiquei e, ao falar o nome de Alice, ele se enfureceu. Me ordenou que deveria parar de me encontrar com ela, e que, caso persistisse, Mirela que sofreria as consequências. Na noite anterior de irmos saltar de paraquedas, me ligou e, me obrigou a clonar o celular da Alice. Disse ainda, que eu poderia me encontrar com ela, desde que fosse para incluí-la no esquema da destruição de Laura, pois ele sabia, que Alice tinha uma queda pela empresária e usaria disso, como isca.
Todas as minhas esperanças, se acabaram. Além de não poder ter única pessoa que nesses 24 anos miseráveis, me fizera feliz, ainda teria que prejudicá-la. Desmarquei o passeio com o Gil e então, fomos sozinhas. Menti que não gostava de saltar para poder ficar sozinha com suas coisas e, enquanto ela praticava seu salto, peguei seu celular e o clonei. Fui descoberta pelos mecânicos que viram o que fiz e, prometeram contá-la, já que ela, era conhecida no centro de paraquedismo, praticamente amiga de todos. Não me restou outra alternativa para calar suas bocas a não ser, fazer o que de melhor aprendi a fazer para sobreviver: trans*r e fazer com que Alice me visse, trans*ndo. Só assim, eu teria forças de ficar longe dela, pois, ela se magoaria comigo.
Tarefa concluída com sucesso! Celular clonado, minha irmã livre de sofrimento e de bônus, consegui magoar e ganhar o desprezo da pessoa mais doce que conheci na vida.
Joseph então, usou do rastreamento do celular para a atacar brutalmente. Depois da perda da minha irmã, foi o segundo pior momento da minha vida. Ouvi-lo contar, com alegria, que se não acabou com a vida dela, pelo menos deixou lesada, me enfureceu de tal forma, que também o ataquei. Óbvio que em vão. Só consegui acertar-lhe um chute nas partes baixas e ele, pediu para o segurança me conter. Certamente isso não ficou impune. Por não conseguir que o turco o atendesse no telefone, mandou então, seus comparsas do interior, darem um susto no meu pai, simulando um assalto, com alguns chutes no estômago.
Joseph é a pessoa mais podre, doente e perigosa que já conheci. Até a própria mãe, ele internou numa clínica de recuperação, quando ela soube do seu envolvimento no mundo do crime. Inúmeras vezes, fui visita-la para lhe garantir que estava sendo tratada como ele paga para ser: dopada com doses cavalares de medicações.
Com tudo isso, ainda sigo, obrigatoriamente no esquema. Odeio tudo o que faço. Odeio tudo o que tenho e o que sou. Tenho que estar na cola da Laura o tempo todo. Sou obrigada a saber onde, com quem e o que está fazendo.
Domingo, quase tive um treco, quando a fotografei trans*ndo com Alice no sofá da sua casa. Mesmo tendo ciência que não sou o tipo de pessoa ideal para ficar com ela, é muito, muito , muito ruim ver alguém que você gosta, ficar com outra. Enquanto procurava o melhor ângulo, sentia o pouco que me resta de alma, despedaçar-se.
Não queria jamais estar envolvida nisso. A Laura parece ser uma pessoa do bem e a Alice, demonstra gostar muito dela. Então, qualquer coisa que aconteça com ela, atinge diretamente Alice, e isso, me machuca. Afinal, ela foi a única pessoa até agora, a me tratar com carinho e respeito e pode até parecer infantil, mas é muito fácil se apaixonar por alguém que te vê como pessoa, e não como um pedaço de carne.
Joseph me garantiu, se é que é possível acreditar na palavra daquele doente, que não tocará na Laura, e sim, nas coisas que ela tem. Além de que, não quer que Alice fique com ela. Isso, eu também não quero, então, ficou um pouco menos difícil, conseguir fazer com que essa parte do plano funcione.
Hoje, não consegui seguir Laura. Não faço ideia pra onde ela foi com o avião. Igual no final de semana, que pegou um helicóptero com a Alice e sumiram até domingo à tarde. Quem paga por esses sumiços? Eu!
Todos os dias, quando acordo, desejo que seja o tão abençoado momento em que esse esquema corrupto e criminoso de Joseph seja descoberto e eu, consiga minha liberdade. Meu desejo ainda, não se realizou. Joseph se acha intocável, no entanto, o que ele não sabe, é que tenho tudo arquivado. Desde que comecei a ganhar pelos programas, uma pequena quantia, eu guardava e consegui comprar uma escuta. Desde então, gravo tudo, cada conversa que tivemos, cada foto, mensagem. Tenho fé, se é que Deus ainda me considera filha dele, que um dia, esse novelo de lã irá se desenrolar.
Fim do capítulo
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Rafaela L
Em: 30/03/2022
A Bia é vítima! E vítima de um crime absurdo!
Eu tinha entendido,que a foto tirada das meninas,havia sido na praia.
Então,o Tom n está envolvido.Tá bugando meu cérebro essas paranóias de perseguição do Joseph.
Resposta do autor:
A foto foi na casa da Laura, quando estavam namorando no sofá!! e Sim, a Bia não é de todo a vilã rsrsrs se ficou com raiva antes, foi raiva à toa rs
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