Correndo pela liberdade
A semana passou e sexta chegou, o calor estava queimando as pedras frias de São Paulo e meus amigos já estavam chegando de cavalo pra me buscar, chega a ser bizarro pensar que isso realmente acontecia, mas como uma boa turma de medicina veterinária costumávamos andar de cavalo e beber toda sexta feira perto de uma prainha que tinha atrás da minha faculdade, deu 20:00 peguei minha mochila e sai da aula, o Thiago já estava me esperando com meu cavalo ao lado do seu, o Pegasus era meu cavalo preferido, acho que eu gostava dele por me identificar com aquela personalidade forte que ele possuía. Um cavalo Baio enorme, bravo que não deixava ninguém montar (exceto eu) para o choque de todo mundo inclusive do dono.
Prendi a mochila nas minhas costas e coloquei meu maço de cigarro preso na cintura, comprimentei os meninos e dei um beijo na bochecha do Pegasus pra em seguida montar. Decidimos dar uma volta pra acalmar os cavalos já que estava tendo trote universitário na rua da faculdade deixando os animais bem estressados com toda a movimentação, talvez naquele dia eu tinha entendido porquê as pessoas me olhavam tão torto, afinal não é nada comum ver uma menina com maquiagem carregada, toda largada saindo da faculdade direto pra andar de cavalo, apesar de ter mais de 6 cavalos ali, talvez por ser a única garota montando eu sentia o peso de todos os olhares bebados e sóbrios me encarando... Era agoniante, tentei ignorar e falei pros meninos começarem a puxar o caminho, coloquei um cigarro de palha no canto da boca e prendi minhas pernas no Pegasus. Apesar de ele ser um cavalo bravo, eu não montava com cela, era apenas a minha pele em contato com a pele do cavalo, pra sentir sua respiração, seu coração e ambos nos sentirmos livres, naquele dia talvez não tenha sido uma boa ideia, na hora de começarmos a andar o Pegasus se assustou com o barulho do som e empinou pra minha surpresa e pra surpresa de todo mundo, eu não cai graças ao pensamento rápido de ter segurado no cabresto e abraça-lo com as pernas mais forte mas os olhares focaram mais ainda, olhei ao redor e vi alguns apontando pra mim e outros apostando que eu tomaria um tombo épico, mas o Pegasus não iria me machucar, soltei uma das mãos do cabresto e coloquei com calma em seu rosto, ele entendeu que eu não iria deixar nada acontecer e se acalmou.
Depois do "show" que ele deu, começamos a galopar no sentido da represa, um cavalo atrás do outro, correndo, com os jovens loucos aproveitando o vento no rosto e a sensação de pertencer unicamente a aquele momento.
Sei que era perigoso mas naquela época não me importava de ficar na represa tão tarde, apesar de ser frio o álcool esquentava bastante e por mais que tudo isso pareça uma loucura de filme adolescente quando chegamos na represa deixamos os cavalos pastarem e ficamos apenas deitados na grama olhando a imensidão do céu, vez ou outra levantamos pra dar mais um gole na cachaça que levavamos no cantil, e faziamos alguma piada sobre a posição das estrelas ou quais peixes teriam naquela imensidão negra de água.
Os meninos apesar de serem homens nunca tentaram fazer nada comigo e isso me deixava em paz o suficiente pra confiar neles naqueles passeios a ponto de ficarmos os seis a sós e eu ser a única garota do grupo, mas ainda assim, sempre tinha um canivete escondido no peito...
Lembro de naquela noite, quando estava chamando o Pegasus pra voltar pra casa olhei pro céu novamente e vi uma estrela cadente, apesar de saber que era mito todo aquele lance do desejo, eu sempre fazia um quando esses fenômenos passavam pelo meu campo de visão, era um costume muito antigo que meu vô ensinou. Naquela noite desejei que de alguma forma, eu preenchesse esse vazio que tinha dentro de mim com algo bom e que me trouxessse esperança.
Subi no Pegasus e com dois tapinhas em seu pescoço ele entendeu o que eu queria, saiu na frente dos cavalos e corremos, como dois selvagens. Naquele momento eu esqueci dos meus amigos e senti que era apenas eu e o cavalo naquela imensidão verde da represa, fechei meus olhos e sentia cada parte do meu corpo sendo tomada pelo vento gelado e meus cabelos voando, eu me senti viva, me senti parte daquele cavalo e quando abri os braços, foi como abrir as asas pra levantar voo.
Como tudo na vida do pobre é temporário, chegou o meu momento de me despedir daquele momento e deixar o Pegasus na sua baia, me despedi dos meninos com um brinde de conhaque e segui meu rumo até meu inferno pessoal (casa) de ônibus.
Nunca tive uma relação familiar bacana, apenas com minha mãe então ficar em casa era meu maior tormento, a rotina era resumida a brigas com minha vó e dias sem comer absolutamente nada por que ela não me deixava cozinhar. Quando faltava 20 minutos pra chegar em casa toda a minha alegria e brilho começava a apagar, meu semblante mudava completamente.
Por sorte naquela noite minha vó estava no quintal quando cheguei, aproveitei pra tomar banho sem ela ver. enxuguei o banheiro em seguida e me tranquei no quarto já que minha mãe estava no namorado.
A partir disso uma longa madrugada se inicia,a insônia sempre me assombrou junto com a ansiedade, mesmo de estômago vazio puxei do baú da cama um vinho que estava escondido, abri, e comecei assistir os filmes clichês que assistia todas as noites. Eu estava no ponto que o álcool não me deixava embrigada mais, apenas me esquentava do frio. Estava dando 3 horas da manhã e abri a porta do quarto devagar pra ver se minha vó estava acordada, quando constatei que ela estava dormindo subi na laje pra não deixar cheiro de cigarro em lugar nenhum e acendi meu cigarro, quando inclinei a cabeça pra soltar a fumaça me deparei com ela, com a lua. Dei um sorriso torto, era automática essa reação, a lua cuidava de mim mais do que muitos cuidavam, ela me acompanhava todas as noites nos caminhos perigosos e tortos que eu me metia, iluminava minhas noites e madrugadas e me reabastecia de energia quando necessário.
No dia seguinte eu não iria sair, estava fadada a minha rotina de rapunzel então fiquei acordada até amanhecer jogando com alguns amigos virtuais até que não aguentasse mais pra poder dormir o dia inteiro e não sentir o peso daquele sábado.
Fim do capítulo
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