Fique por Leticia Petra
Capitulo 5 - Quem somos?
Acredito que já se passava das 22:00hrs, e eu continuava olhando para o teto em uma crise existencial. Por muitas vezes, essa era a pergunta que martela em minha cabeça: o que vou fazer da minha vida? Havia um desejo absurdo de sair de casa, criar asas, me distanciar do controle da minha família. Bem, agora eu tenho um emprego de meio período e logo estaria formada.
Droga, eu nem sei o quanto irei receber. Eu deveria ter perguntado a Zoe.
Eu consigo sobreviver sem eles, certo?
— Eu tenho pra onde ir, eu posso me virar. – Sentei no meio da cama. – Não deve ser tão difícil assim.
A verdade é que eu não sou feliz, me sinto presa em uma gaiola e por mais que tente me rebelar, nada muda. Todos me veem como uma perda total de tempo. Eu me acho uma perda de tempo. A quem eu quero enganar? Sou apenas uma garota de 22 anos, sem perspectivas, sem objetivos, cursando uma área que não ligo a mínima e para que? Quem serei daqui a uns anos? Vou me conformar em um emprego para agradar meus pais, me casar e ter uma “linda” família? Me anular e só seguir a correnteza.
Alguém bateu na porta, me tirando desse mar de divagações.
— Pode entrar. – A minha mãe estava com uma xicara nas mãos.
— Trouxe pra você. – Ela se aproximou. – Erva cidreira.
— Obrigada, mamãe. – Provei o liquido morno. – Mamãe, você já teve algum sonho?
Ela franziu o cenho.
— Assim, algo que não tenha a ver com os negócios da família. – Ela sentou na beirada da cama. — Algo realmente seu.
— Eu queria ser psicóloga. – Psicóloga? – Parece bobo, mas o seu avô, ele sempre forçou a barra e nunca deixou seu tio e eu sonhar nada além do que você vê agora. Os negócios da família sempre foram a prioridade.
— Vovô parece que foi uma pessoa horrível. – Que agonia no peito.
— Infelizmente, eu não posso discordar de você, filha. – Deixei a xicara de lado e fiz o que a muito tempo não fazia, procurei abrigo nos braços da minha mãe. - Você continua sendo a minha menina...
14 de março.
Caio e eu saímos juntos da faculdade para a Cavalcante. Ele foi direto ao RH e depois iria para a sala de João. Quando cheguei a sala da Zoe, ela estava imersa em documentos e não me dirigiu a palavra. Mulher bipolar, uma hora me faz um convite indecente e no outro decide fingir que não existo. Decidi somente não ligar e fazer meu trabalho. Eu deixaria de dificultar as coisas e faria de tudo para ser uma boa funcionaria.
Minha fuga de casa dependia disso. Precisaria de algum suporte financeiro.
— A sala de reuniões está pronta. O presidente e o vice já confirmaram, assim como a vice diretora de finanças. – Zoe me encarou, de sobrancelhas erguidas, me analisou.
— Providencie chás e alguns biscoitos. Não esqueça das águas. – Ela retirou os óculos de leitura.
“Ela fica bonita com essa pose de mulher de negócios.”
“Espera aí... o que?”
— Já-já providenciei, a moça da copa irá servir. – Desviei meus olhos. – Todas as marcas que você pediu.
Gaguejei? Alguém me mate, please!
— Muito bem...
“Caio idiota, aquele tanto de conversa que você enfiou na minha cabeça tá atrapalhando tudo.”
— Olivia, você está me ouvindo? – A olhei, sem entender nada.
— O que... – Limpei a garganta. – O que você disse?
— Que se prepare, você vai me acompanhar à reunião. Vou precisar de você pra anotar algumas coisas. – Sorri sem graça.
— Claro, eu irei me preparar. – Fiquei de pé e sem querer, derrubei algumas páginas.
Me agachei para pegar e para a minha surpresa, Zoe também se agachou para me ajudar. Sem que eu pudesse prever, os meus olhos foram em direção ao seu decote. Quando olhei para sua face, um sorriso idiota enfeitava seus lábios volumosos.
“Eu acabei de olhar pra um decote? E eu olhei para... a boca da Zoe?”
Me levantei com rapidez e bati a cabeça na quina da mesa.
— Inferno!
Gemi em dor.
— Calma aí... – Ela tirou a minha mão. – Não feriu, espere que eu vou pedir a Valentina que pegue gelo.
— Não precisa. – Me afastei, aquela proximidade toda não me deixava pensar com clareza. – Vou na copa e coloco.
— Olivia...
— É sério... eu volto em alguns minutos.
Igual a uma idiota, deixei a sala de Zoe.
Fui o caminho todo praguejando tudo o que me veio em mente. Quando cheguei a copa, Caio estava tomando café. Me aproximei e lhe dei um tapa na nuca, o assustando.
— Que porr*... – Ele me olhou. – Caramba, eu pensei que fosse outra pessoa. Por que me bateu?
— Porque você colocou um monte de besteira na minha cabeça. – Fui até a geladeira e encontrei um sorvete congelado.
— Do que tá falando? Você tá bem? – Me sentei no sofá.
— Bati a minha cabeça. Aaaai... – O contato do sorvete com a minha pele me causou arrepios. – Huuuum...
— Me deixe ver. – Ele olhou e passou a segurar, pressionando com leveza o sorvete. – O que aconteceu?
Minha face esquentou.
— Como tá sendo seu primeiro dia? – Caio olhou em minha cara.
— Mudando de assunto assim? Não tem problema, eu vou saber alguma hora mesmo. – Ele sorriu.
— Você vai pra reunião? – Senti a dor aliviar.
— Vou sim, o meu chefe é um cara muito legal. Ele é paciente e disse que vai me ensinar tudo o que puder. – Meu amigo estava muito empolgado. – Você vai?
— Sim, inclusive, vou até a sala de reuniões saber como tá tudo. – Fiquei de pé e deixei o sorvete no lugar. – Vai comigo?
— Claro... deixa só eu. – Ele tomou em um único gole o resto de café.
— Não sei como consegue tomar o café daqui... – Saímos da copa.
— Eu fiz o meu café. Não tem risco de ter uma infecção.
Vistoriei a sala e estava exatamente do jeito que a Zoe pediu. As horas passaram rápido e a reunião iniciou. Os empresários que estavam interessados em levar algumas filiais a Minas, apresentaram a sua proposta. Os membros do conselho e da minha família, pareciam realmente interessados.
— A parte burocrática será fácil, já temos as licenças. Os terrenos que mostramos já estão em nossas posses. – O cara que havia tentado flertar comigo, falou.
— Vocês querem o cargo mais alto dessas quatro filiais? – Os dois se entreolharam com a pergunta da Zoe.
— Séria o mínimo, mas não seremos nós a ocupa-los. Temos pessoas para isso e será uma grande oportunidade de emprego para inúmeras outras. – Discretamente, olhei para Caio.
Ele estava maravilhado.
— Por que nós? – Marina perguntou.
— Estudamos inúmeras franquias e a Cavalcante nos chamou a atenção por dois motivos: vocês oferecem um serviço quase que perfeito. Há pouquíssimas reclamações a respeito da franquia e segundo, o ambiente de trabalho que oferecem aos colaboradores. Cavalcante é uma das poucas empresas nacionais que disponibilizam atendimento psicológico. É um diferencial que chama muita atenção. – Toda a minha família e o conselho pareceu gostar da explicação.
— Aqui está o contrato... – O outro continuou.
A reunião terminou com uma resposta positiva, então em pouco tempo, iniciariam a construção dos supermercados em Minas. Minha irmã foi escolhida para vistoriar os terrenos e futuramente, as estruturas. O negócio milionário foi fechado.
Olhei as horas e se passavam das seis.
— Vamos pra casa... – Caio me abraçou pela cintura.
Estávamos no elevador.
— Você leva jeito, Olivia. – Franzi o cenho. – Sua pose de séria durante toda a reunião.
— Decidi levar a sério, apenas isso. – Sorri.
Quando chegamos ao estacionamento, vi a mesma garota que estava com a Zoe no shopping. Ela me parecia tão familiar para alguém que eu nem recordava o nome. Ao me ver, ela acenou e se aproximou.
Tudo tão estranho.
— Olá, boa noite... – Ela sorriu e isso me fez relaxar.
Super estranho.
— Boa noite... – Caio e eu respondemos.
— Você veio ver a Zoe? – Ela me encarava, parecendo me analisar.
— Sim, ela havia combinado de irmos à aula de boxe. – Novamente, ela sorriu.
— Vamos esperar com você. Não pode ficar aqui sozinha. – Desde quando sou tão gentil?
— Ah, eu agradeço, mas vocês não estão indo pra casa? Devem estar cansados.
— Tá tudo bem, a gente te faz companhia até a Zoe chegar. – Caio se colocou ao lado dela.
Passamos a conversar sobre bobagens e acabei por perguntar algumas coisas sobre a vida dela. Descobri que ela morava com o irmão e um sobrinho. Maria Eduarda é uma pessoa fácil de se relacionar. Ela tem um jeito leve, que cativa rapidamente.
— Olha, a sua prima tá vindo. – Caio falou.
Zoe estava ao telefone e quando se aproximou, sorriu para Maria como eu nunca havia visto ela sorrir para outra pessoa.
— Vamos? Quero te deixar na lona hoje. – Ela sendo brincalhona?
Bem, acho que esse é o efeito que a Maria causa.
— Vai sonhando...
— Caio, Olivia, vocês foram bem hoje. Até amanhã...
— Até amanhã.
— Tchau, Olivia, até logo. – Maria Eduarda me abraçou, me pegando de surpresa.
— Tchau, Maria... – Zoe ergueu a sobrancelha.
As duas se afastaram, entrando no carro da minha prima.
— Ela é fofa... acha que a sua prima e ela estão tendo algo? – Eu havia entendido exatamente o que ele estava tentando fazer.
— Não vai funcionar, amigo. – Dei dois tapinhas em seu ombro, o fazendo gargalhar.
— Incrível como a gente se conhece. Vamos pra casa... quero comer e dormir.
Quando cheguei em casa, só tive energia para tomar banho e comer algo rápido. Ouvi batidas na porta e logo minha mãe e minha irmã entraram. Elas pareciam felizes e eu apenas estava sem entender.
— Aconteceu alguma coisa? – Minha irmã me entregou uma caixinha com um laço.
— Esperamos que goste, pois a mamãe e eu escolhemos com muito carinho. – Marina sorriu.
Abri a pequena caixa e me surpreendi.
— Estão falando sério? – Por um momento, senti vontade de chorar.
— Muito sério... venha, está na garagem. – Desci da cama um pouco mais animada.
Meu pai estava na sala com o semblante sério. Fomos para a garagem e havia um Tiggo 2 branco. Havia um pequeno bilhete no para-brisas e quando o li, senti que pela primeira vez na vida, eles estavam me levando a sério.
— Eu nem sei o que dizer. – Marina colocou sua mão em meu ombro.
— Estamos orgulhosas de você, maninha. – De repente, pareceu errado aceitar.
— Você tá se esforçando e já fazia um tempo que queríamos te dar um carro, só esperamos o momento certo. – Minha mãe beijou a minha testa com delicadeza. – Te amo, filha.
As abracei, me sentindo ainda mais certa do que iria fazer, eu iria me esforçar para dar orgulho a elas. Estava mais do que na hora de encontrar um caminho para seguir. Faria o Fábio e todos que duvidaram de mim, engolir cada palavra.
17 de março.
Era aniversário do meu tio Bernardo e a mansão dele estava lotada. Convidei Caio para me acompanhar a festa. Ficamos em uma mesa isolada, bebendo apenas suco, pois teríamos faculdade e trabalho no dia seguinte.
— Vou no banheiro e já volto. – Meu amigo saiu rapidamente.
Pela quantidade de suco que ele tomou, não era de se estranhar que estivesse de bexiga cheia.
— Curtindo a festa? – Meu tio sentou ao meu lado.
— O senhor sempre dá ótimas festas. – Ele sorriu. – O senhor não me parece bem.
Tio Bernardo baixou a cabeça.
— Zoe me contou que... que vocês duas. – Jamais o vi daquela forma.
— Tio, sei que a nossa família é um poço de ignorância quando se trata de sexu*l*idade que divergem do que eles consideram “normal”. – Ele me encarou. – Não tem que me explicar nada. Você tem todo direito de trans*r com quem quiser. Prometo que ninguém lá de casa irá saber.
Ele sorriu.
— Fico mais aliviado em saber disso, Olivia. Eu agradeço muito.
— Bernardo, você pode vir aqui um instante? – Um dos acionistas o chamou.
— Obrigada... – Ele disse ao sair da minha mesa.
Peguei minha taça com suco e resolvi adentrar o jardim gigante que meu tio tinha em seu quintal. Sentei em um dos bancos e passei a observar o céu que estava incrível.
— Se escondendo do agito? – Uma mulher, que eu ainda não havia percebido até aquele momento, estava sentada no coreto.
— Algo assim... – Ela deveria ser uma das esposas dos acionistas.
Era bonita, elegante, mesmo estando um pouco escuro, eu podia vê-la.
— Nunca havia visto você por aqui. – Seus cabelos são curtos e negros.
— Meu pai fez questão que eu viesse. – Sorri. – Meu nome é Yuna...
Ela se aproximou.
— Yuna Kwon... – Ela parecia simpática.
— Kwon? Você é filha do senhor Kwon, acionista da Cavalcante? – Ele era o único asiático de toda empresa.
— Sim, ele é o meu pai. – Ela sentou ao meu lado.
— Me chamo Olivia...
Que energia boa ela emanava. Acabei por ficar por ali.
Meu pai estava há dias tentando se aproximar, mas eu ainda não estava preparada para seguir em frente. Era hipocrisia minha, eu sei, afinal o meu casamento também é de aparências, mas precisava do meu próprio tempo. João estava em uma rodada, conversava com os acionistas como se fossem velhos amigos. Ele sempre foi muito sociável.
Decidi ir até o jardim e quando me aproximava do coreto, pude ouvir risadas.
— Não acredito que o seu pai era de uma banda de rock. – Me aproximei um pouco mais e pude ver as duas pessoas. – Ele é tão sério.
— Ele tenta, mas na verdade não é tanto assim. – Era a Olivia e a outra garota, não fazia ideia de quem se tratava. – Meu pai é um cara bem diferente em casa.
Beberiquei o vinho e já sentia o álcool fazer efeito.
— Yuna? Nossa, até que enfim te encontrei... ah, oi. – Uma garota surgiu dentre as plantas. – Desculpa interromper, mas o papai tá te procurando. Ele quer que você conheça o senhor Bernardo.
— Pode ir, Yuna... não tem problema. – Tomei todo o liquido da taça.
— Podemos conversar depois, Olivia?
— Claro, eu estarei aqui o resto da noite...
A que se chama Yuna e a desconhecida sumiram entre as altas moitas do jardim. O meu pai havia mandado fazer um labirinto com moitas e um coreto bem no centro. Costumava brincar ali quando pequena.
— Por que tá se escondendo aqui? – Olivia levou a mão ao peito.
— Droga, Zoe. – Ela ficou de pé.
— Já vai? Não vai me fazer companhia? – Senti a cabeça girar.
— Ei... – Olivia me segurou pelos braços. – Caramba, você não acha que bebeu demais?
— Só estou um pouco tonta. – Sorri e ela quando percebeu o que estava fazendo, se afastou.
— Deveria pegar mais leve. Eu vou indo...
Olivia se virou para ir, mas segurei seu punho, descendo para a mão.
— Tá fugindo de mim? – Ela continuou sem se voltar.
— Por que estaria? – Toquei a sua costa nua, sobre a tatuagem.
— É o que desejo saber. Por quê? – Olivia finalmente me encarou.
— Para com esses joguinhos, Zoe. – A boca dela estava convidativa.
— Não é nenhum joguinho. – Coloquei minha mão sobre a nuca dela, traçando caminhos por sua pele quente. – Desejo ter mais uma noite com você.
Deslizei meus dedos no decote provocativo.
— Dessa vez, ambas saberemos muito bem o que estaremos fazendo. – Peguei sua outra mão e coloquei sobre meu busto. – Esse continua sendo meu ponto fraco.
— Zoe, me deixa em paz... – O tom de sua voz não me convenceu, só aumentou a minha libido. – Eu não quero nada disso com você.
— Ah, não? – Sorri, aproximei o meu rosto do dela, perto o suficiente para sentir a sua respiração acelerada. – Posso apostar que seu corpo tá reagindo a mim e que se eu te beijar agora, você me beijará de volta.
A minha boca salivou em desejo de ter aqueles lábios carnudos contra os meus e a suas mãos em todo o meu corpo.
— Zoe? – Olivia se afastou ao ouvir a voz de João. – Que porr* é essa?
— Eu já vou indo... – Ela saiu quase que correndo.
— Caralh*, Zoe, você pode ter a merd* da pessoa que quiser, então por que tá cercando a Olivia? – O encarei. – Você sabe que eu amo aquela mulher.
— Ela não tem interesse em você. – Sorri.
João me olhou com asco, raiva, magoa, eu sei lá.
— Você não tem coração, Zoe, é uma pessoa completamente oca por dentro. – Ele passou a mão sobre a cabeça. – Às vezes tenho pena de você.
— Não me faça rir, João, desde quando virou um santo? Nós somos exatamente iguais. – A minha cabeça pesava. — Guarde essa pena pra você.
— Não, não somos iguais. Você só se importa consigo mesma, nunca vai saber como é amar alguém. – Ele riu, fazendo meu sangue ferver. – É só uma mulher fútil e vazia.
João me deu as costas, saindo da minha presença.
— Que se foda, eu não preciso de você.
Voltei para a festa, porém todo meu animo havia se esvaído. Sem me despedir, subi para o meu quarto. As palavras de João martelavam em minha cabeça, em parte porque não eram nenhuma mentira. Tomei um banho rápido e quando deixava o cômodo para buscar algo na cozinha, escutei a voz de Fábio.
Decide esperar um pouco.
— Não me interessa, mantenha aquela garota longe da empresa. Se tiver de machuca-la, o faça, mas não a deixe chegar perto da Olivia. Me entendeu? – Em que esse inútil estava envolvido? — Você tem tudo o que precisa saber, use isso.
Escutei passos e me dei conta de que ele havia ido embora.
— Preciso ficar ainda mais de olho em você.
Fui até a cozinha e pela janela, vi que ainda havia algumas pessoas pelo jardim. Bebi um copo com água e quando me preparava para voltar ao meu quarto, Marina surgiu em meu campo de visão. Já fomos muito próximas, mas hoje, ela é uma completa desconhecida.
— Esse tratamento de gelo durará pra sempre? – Ela se escorou na porta.
— Não acho que tenhamos algo pra conversar. – Marina sorriu. — Temos?
— Você não muda, não é, Zoe? – Ergui a sobrancelha. – Sempre vivendo nesse personagem. Não cansa de ser esse ser de mentira? A rainha do gelo, inabalável Zoe.
Parece que hoje todo mundo decidiu encher a minha paciência.
— Mudar para que? Já me acho o suficiente como sou. E quem é você pra me falar de mentira? Sua irmãzinha tem vinte e dois anos e você ou seus pais, nunca tiveram a coragem de dizer que ela é...
— Não termina essa frase, Zoe. – Sua face demonstrava gentileza, mesmo em meio aquele assunto. – Não use esse assunto pra me machucar.
— Quem sabe assim, saiba como doeu o que fez e outra coisa, você nunca será a presidente da Cavalcante. – Parei ao seu lado. – Esse será o meu lugar.
— Tá me desafiando? – Marina ergueu as sobrancelhas.
— Tô decretando seu destino. – A deixei para trás. Passei pela sala e vi João conversando com Olivia.
Os dois me olharam.
Apenas os ignorei, seguindo meu trajeto até a escada. Entrei no meu quarto e me joguei na cama. O sono veio quase que instantaneamente, pois o álcool ainda fazia forte efeito em meu sangue.
18 de março.
— Já temos provas o suficiente? Não sei se ainda consigo manter a pose diante dele. – Meu pai empurrou os relatórios.
— Ainda não, mas em breve colocaremos ele pra fora da empresa. – Apoiei meu queixo em meu punho.
— Podemos contratar um detetive. – João que estava calado até aquele exato momento, me olhou. – Farei isso agora mesmo. Ele é prejudicial, perigoso demais, então temos que acelerar isso.
— Na verdade, eu fiz isso hoje de manhã. Em poucos dias, teremos um dossiê completo sobre ele. – Fui até a porta. – Enquanto isso, continuem atuando e não o deixe perceber.
— Alexandra? – Meu pai chamou. – Tome cuidado.
— Tomarei.
Deixei a sala do meu pai, indo para a minha, pois precisava de mais um analgésico, a minha cabeça sofria as consequências da noite passada. Eu jamais fui de perder o controle daquela maneira, mas foi a forma que encontrei de entorpecer todos os conflitos que andavam me assolando.
Alguns dias se passaram e com eles, algum progresso sobre as investigações. Naquela tarde, eu iria até o escritório do detetive. Algumas informações, que segundo ele, eram muito importantes e não podiam ser ditas por telefone
Cheguei a um prédio no centro. Era antigo e surrado pelo tempo.
— Entre, senhorita Cavalcante. Deseja beber algo? – Ele era um cara da idade do meu pai. Ex-policial federal.
— Não, muito obrigada. – Sentei no sofá que parecia ser novo, diferente das outras coisas naquele lugar.
— Irei direto ao ponto. Aqui está tudo o que consegui até o momento. – Peguei o envelope, abrindo e passei a ler e ver as imagens que continham nele.
— Então é isso. – Vi a foto de uma pessoa conhecida.
“Era sobre você que ele falava ao telefone.”
— Ainda mais canalha do que pensei. – Guardei os documentos. – Aqui está mais uma parte do seu pagamento. Tá fazendo um ótimo trabalho.
— Obrigado e eu entrarei em contato assim que obtiver mais informações. – Ele apertou a minha mão.
Sai do seu escritório com um único pensamento: ela vai me ouvir.
Fiz uma ligação, marcando com ela em um lugar mais reservado. Ao chegar ao local, a vi sentada a beira rio. Me aproximei com cautela, pois eu poderia estar sendo seguida e tudo o que estava fazendo seria em vão.
— Já sei quem você é. – Maria Eduarda arregalou os olhos.
— Como assim? – Me sentei ao seu lado.
— Não se faça de boba. – Sua expressão mudou. – Por isso se aproximou?
Maria demorou vários segundos para dizer algo, sua expressão demonstrava medo.
— Não, isso foi apenas uma coincidência. – Ela me olhava nos olhos. – No dia que você me ajudou, eu estava à procura da Olivia, mas encontrei aquele babaca no estacionamento. Ele era namorado de uma amiga e havia agredido ela.
Maria olhou para frente.
— Fui tirar satisfação e bem, você apareceu. Não foi planejado... há muito tempo eu procurava por ela. Foi muito difícil ter alguma informação. – Ela me parecia sincera.
Por isso a semelhança. Como fui burra.
— Ela sabe que é adotada? – Maria me encarou outra vez.
— Não faz ideia... se isso o que me disse é verdade, precisa tomar cuidado, o cara que adotou ela sabe que você está tentando contato e quer te afastar a qualquer custo. – Eu teria que guardar mais um segredo.
— Aquele desgraçado... ele não é o cara que adotou ela, Fábio é pai da Olivia. – Fiquei imensamente surpresa. – A história é longa e suja...
Maria Eduarda passou a contar tudo o que sabia e quanto mais eu ouvia, mais ficava enojada por aquele tipo estar no meio da minha família. Eu deveria contar a Olivia? Não, aquele não era o meu dever. Ela deveria saber por alguém que realmente se importa com ela.
— Você não pode dizer nada por enquanto, isso pode pôr a sua vida em risco. Espere por mais um tempo, logo ele estará atrás das grades e não poderá fazer nada. – Maria Eduarda tinha os olhos marejados.
— Eu só queria me aproximar, criar laços com ela. Tem mais algumas pessoas esperando por isso, por esse momento. Meu irmão procurou tanto por ela, nunca desistimos. – Olhei para o rio e novamente para ela.
— Vou te ajudar com isso... não se preocupe. – Maria Eduarda sorriu.
Precisava dos conselhos do meu pai.
Quando cheguei em casa, fui até o escritório procura-lo, mas apenas João estava. Ele não falava comigo há dias. Acho que o momento de nos divorciar chegou. Teríamos de ter aquela conversa em definitivo.
— Tenho algo pra você. – Ele me encarou.
João veio até a mim e me entregou alguns documentos.
— O que é isso? – Ele sorriu.
— Nossa liberdade... – Abri a boca de leve.
Li as primeiras linhas e se tratava do nosso divórcio.
— Vamos conversar com o seu pai e explicar a situação. Acredito que ele vá nos entender, depois da descoberta que você fez. – Senti um sabor agridoce.
Eu estava me sentindo mal por João?
— E como nós ficaremos? – Ele pareceu surpreso com a minha pergunta.
— Como assim? – Procurei um lugar para sentar. – Fala da nossa relação?
Acenei em positivo.
— Você tá tentando me dizer que se importa de como irá ficar o clima entre nós depois do divórcio? – Ele sorriu e eu apenas rolei os olhos.
— Eu deveria ter ficado calada. – João gargalhou e por esse gesto, soube que ele já havia voltado a si.
— Deus, eu vivi pra ver você se importar. – Peguei uma caneta. – Vou continuar ao seu lado e por mais que tenhamos interesse na mesma mulher, não vou te deixar sem a minha maravilhosa presença.
— Você é um idiota... – Assinei a papelada.
— E você deveria deixar essa Alexandra passear mais vezes, viu? – O encarei, entregando os documentos. – Podemos tentar ser civilizados?
Fiquei de pé.
— Não te prometo nada... – Dei dois tapinhas no ombro dele. – Amanhã falamos com o meu pai.
— Obrigada, Zoe...
Eu não sabia o que dizer, aquela coisa de ser sensível não era a minha especialidade, então apenas deixei o escritório. Aquele dia foi muito agitado e somente uma coisa me deixaria animada. Tomei banho, troquei de roupa e deixei a mansão rumo a Afrodite.
Precisava daquilo.
Fim do capítulo
Já me vi nesse dilema da Oli, acho que muitas também.
Quem queremos ser?
Bom dia, meninas.
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Lea
Em: 31/03/2022
Vivo sempre esse dilema da Olívia!
Maria Eduarda é irmã da Olívia, interessante! Está muito estranho como e pq a Olívia foi adotada,e pq o Fábio não quer que ela saiba que é adotada!!
Agora vai ser assim,a Zoe cercando a Olívia,e a "disputando" com o João e quem mais aparecer??
E ainda tem o Luciano,ele tem um quê de segredo!
O nome da estória tinha que ser "Segredos" hahaha
Esse "Fique " quem vai fazer esse pedido? Ansiosa por saber!!!
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