Fique por Leticia Petra
Capitulo 4 - Segredos.
— Deixa ver se eu entendi direito, você recebeu uma proposta de sex* sem compromisso da sua prima e ela te levou a um puteiro de luxo? Olivia, você não se sente nenhum pouco tentada em aceitar? – Caio riu.
— Você é mais louco que ela. – Bebi uma dose de tequila. – Nem vou responder a isso, Caio. Hoje tive um dia maravilhoso e não quero pensar na Zoe agora.
— Olha, se eu estivesse no seu lugar, já tinha dado outra vez pra ela. Por Afrodite, que mulher gostosa. – Apenas rolei os olhos. — Que boca, que olhos, que corpo. Sério, se na próxima vida eu nascer mulher, quero ser igual a Zoe.
Ergui a sobrancelha.
— Por que não monta logo um fã clube pra ela? — Caio gargalhou.
— E por que você não dá logo pra ela? Aquela deusa... gostosa.
— Vamos dançar, você tá ficando hetero demais pro meu gosto. – Ele continuou a rir da minha cara.
A boate estava lotada, dançamos horrores e as músicas de Anitta estavam em alta, fazendo todo mundo cantar. Fiquei muito cansada, suada. As bebidas já faziam efeito, me deixando com muita vontade de fazer xixi e quando eu estava indo para o banheiro, ao longe, jurava que havia visto o meu pai.
Parei no caminho, o bichinho da curiosidade me mordeu e eu fui ver se de fato era ele.
Afinal, esse tipo de lugar não é para os padrões do senhor da casa.
O homem a minha frente saiu por uma porta lateral e eu continuei o seguindo. Ele carregava uma mochila pequena, na cor vermelha, o que deixava tudo ainda mais estranho, então pude vê-lo de perfil e se tratava mesmo do meu pai. O vi entregar a mochila a um cara alto, barbudo, daquele tipo que parecia não sair da academia de tão parrudo.
O barbudo abriu a mochila e depois saiu. Mais que depressa, entrei na boate e procurei o banheiro.
— O que tá se passando? Então meu exemplo de pai tem um segredo? – Mordi minha unha. – Preciso saber o que foi aquilo.
— Ei, você sumiu. – Caio me assustou. – Tá tudo bem?
— Acabei de ver meu pai. – Ele ergueu as duas sobrancelhas. – Você não pode entrar no banheiro feminino.
— Em um lugar como esse? Você não bebeu demais? – Caio colocou as duas mãos sobre meu rosto.
— Eu o vi e o mais estranho de tudo isso, ele tava no beco aqui do lado entregando uma mochila pra um cara que eu nunca havia visto na vida. – Eu deveria começar a segui-lo?
— Que história estranha, Olivia... ei, podemos segui-lo. O que acha? – Sorri.
— Você leu meus pensamentos, mas pensei em algo ainda melhor. Luciano tem um amigo policial, que trabalha como detetive nas horas vagas. Eu vou conversar com ele...
— Vai me manter informado desse negócio, não é? – Saímos do banheiro.
— Claro que sim, vou te contar tudo o que descobrir. – Voltamos para o bar.
Por mais que tentasse, não conseguia parar de pensar no que vi e a minha mente já criava inúmeras situações. Assim que saísse da empresa amanhã, iria até a casa de Luciano. Se o todo certinho senhor Fábio tinha um segredo, eu iria descobrir e usar contra ele.
11 de março.
Depois da faculdade, fui para a empresa e terminava algumas tarefas, quando a Zoe entrou na sala. Discretamente a olhei e percebi que ela estava um tanto inquieta. A minha curiosidade foi as alturas.
Alguém bateu na porta.
— Pode entrar... – Ela autorizou e o meu tio entrou. – Papai.
— Filha, boa tarde... Olivia, como tá indo por aqui? – Ele veio até e para a minha surpresa, me abraçou rapidamente.
— Tá indo tudo muito bem, tio. – Sorri, tão forçada que ele deve ter notado que o “tudo bem” não era tão bem assim.
Então ele sorriu, confirmando o que pensei. Até ele sabia que não era da minha vontade estar ali.
— Fico feliz, querida. Bem, Alexandra, irei me ausentar por algumas horas. Qualquer coisa que precisar, João está na sala dele. – Detestava ser observadora, porque com isso notei que a Zoe ergueu a sobrancelha e isso significava que ela estava analisando.
Desde quando eu era ligada nas expressões daquela mulher?
— Tudo bem, papai, não se preocupe. – Apenas fiquei observando tudo.
Meu tio saiu da sala e em poucos segundos, Zoe ficou de pé e pegou sua bolsa.
— Espera, onde vai? – Me arrisquei a receber uma resposta atravessada.
— Vou resolver algumas coisas. – Surpreendida estou, pois não fui mandada para o inferno.
— Vai me deixar aqui sozinha de novo? – Por que eu não me calava?
— Não tenho tempo pra jogar conversa fora, Olivia. – Ela foi até a porta.
— Então vou com você. – É o que?
— O que? – Porque eu só não ficava quieta?
— É isso...
Cruzei os braços, enquanto a Zoe rolava os olhos e passava o dorso de sua mão sobre a testa.
— Vamos? — Me atrevi a dizer.
Cerca de meia hora depois, estávamos diante daquele lugar outra vez. Não havia reparado no outro dia, mas o nome Afrodite estava escrito acima da porta de madeira, assim como uma estátua da deusa grega.
Fazia todo sentindo.
— É sério que veio aqui no meio da... – Não terminei o que iria dizer, pois vi um carro entrar na garagem. – É o carro do teu pai?
Eu estava bestificada.
— É sim.
Zoe esperou coisa de 3 minutos e entrou na garagem, estacionou um pouco longe do carro de tio Bernardo. Saímos do carro e a única coisa que eu pensava era: esses dois realmente são pai e filha. Até os gostos pervertidos eram iguais.
— Espera um pouco. — Ela foi até um painel digital, o mesmo do outro dia, digitou algumas coisas e passou um cartão. Ele era preto, com letras douradas. — Vamos, Olivia.
Pegamos o elevador e o destino foi o último andar.
E dessa vez, as coisas estavam um pouco diferentes, as luzes estavam vermelhas e havia apenas casais compostos por homem com homem e mulher com mulher. Se possível, a minha bochecha esquentou em demasiado.
— O que tá fazendo parada aí? Vem... – Zoe me puxou pela mão.
A senti formigar.
— Deus, isso é demais pra minha cabeça. – Aquele povo totalmente desinibido, sem a menor vergonha. Se agarrando, se tocando sem ligar a mínima para os que olhavam.
Olhei para frente e de relance, vi tio Bernardo vindo e pasmem, ele estava rindo de mãos dadas com um... CARA?
— Ele vai nos ver... – Zoe falou. – Vem cá.
E antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, antes que a minha mente processasse as informações recém recebidas, fui colocada contra a parede de uma forma nada gentil e o pior estava por vir, Zoe chocou sua boca contra a minha, me beijando e colando completamente o seu corpo no meu. Arregalei meus olhos e minha bunda recebeu uma bela apalpada. Não sei quanto tempo aquilo durou, eu não fazia ideia do estrago que iria causar. Por uma fração de segundos, fechei os meus olhos e correspondi ao beijo.
E de uma hora para a outra, ela me largou.
— Ele entrou no quarto... – Ela disse, nenhum pouco afetada pelo que acabou de acontecer.
Eu nem conseguia falar, parecia uma débil mental.
— Temos que sair daqui. – Zoe saiu me puxando.
Entramos em seu carro e deixamos o local em um silencio mortal. Eu não pude formular um único pensamento. Não sei o que era pior naquela história toda: meu tio estar em um puteiro de luxo com um HOMEM ou acabar de ser beijada por minha PRIMA.
— Você não vai contar nada disso pra absolutamente ninguém, ouviu? – Passei a mão no rosto, dei dois tapas de leve em minhas bochechas. – Tá me ouvindo?
— Não vou contar nada a ninguém. O que o tio faz da vida pessoal dele não é da minha conta. – Olhei para ela. – Mas Zoe, o que foi aquilo? Como você sabia que ele estaria lá?
Ela demorou vários segundos até dizer algo.
— Ontem, quando estive lá, eu o vi... notei que ele estava estranho para quem apenas estava naquele lugar por sex* com uma mulher qualquer. Eu estava certa... – Passei a morder a minha unha.
— Então o tio Bernardo é gay? Isso é tão... estranho. – Deus, eu precisava ver o Luciano.
— Não ligo para a sexualidade dele, eu só... – Ela não terminou a frase.
— Ontem eu vi o meu pai na boate em que eu estava com o Caio. – Zoe me olhou.
Paramos no sinal.
— Ele não frequenta esse tipo de lugar, então eu estranhei muito e o segui, vi ele entregando uma mochila pra um cara alto, barbudo. – Ela parecia interessada na minha conversa.
— O que mais você viu? – Passei a mão no rosto.
— Só aquilo, pois entrei na boate pra não ser vista. – Droga, eu podia confiar na Zoe?
— Tenho muita coisa pra absorver hoje, mas iremos falar sobre isso, então qualquer coisa fora do normal que você ver que envolva seu pai, me informe. Me ouviu? – Apenas balancei a cabeça em positivo.
Então realmente havia algo de errado.
Fechei os meus olhos, até chegarmos à empresa. Trabalhei no automático o resto da tarde e quando meu horário chegou ao fim, não esperei a Zoe me dispensar e sai, meu destino era a casa de Luciano.
Fizemos sex* até a exaustão, depois contei a ele sobre meu pai e deixei a história com a Zoe de fora. Ele me prometeu que iria ajudar e no mesmo momento, ligou para o amigo e o mesmo disse que iria iniciar as investigações.
Eu não fazia ideia de onde estava me metendo.
— É um pouco tarde, Olivia. – Marina estava na sala.
Ela me olhou com repreensão.
— Quando não é o Fábio de plantão, você que assume? – Eu estava tão esgotada. – Marina, você me ama?
— Que pergunta é essa? É claro que te amo, Olivia. – Ela veio até a mim e me abraçou.
E eu a abracei de volta.
Marina me levou até meu quarto, preparou a banheira e me pediu para ficar ali. Como nunca havia feito na vida, eu chorei. Sentia o meu coração acelerado, o meu corpo tremia e até mesmo uma leve vertigem. Parecia que iria desmaiar a qualquer momento. Minha irmã pareceu ficar assustada, então entrou na banheira com roupa e tudo e me abraçou outra vez, ficando comigo depois do banho até eu adormecer.
— Filha, você não vai almoçar na casa do seu tio? – Minha mãe chamou a minha atenção.
Estava lendo no jardim, na verdade, minha cabeça nem estava na leitura.
— Não, mamãe... eu prefiro ficar em casa. Tenho alguns trabalhos da faculdade. – Ela sorriu e beijou a minha testa.
— Tudo bem então, filha... Olivia? – Franzi o cenho. – Estou muito orgulhosa de você.
A minha expressão mudou imediatamente.
Era a primeira vez que ouvia algo do tipo e a minha vontade foi de chorar, mas me segurei o quanto pude. Minha mãe entrou em casa e me deixou ali, com mais uma coisa para pensar. Quando notei que estava mesmo sozinha, deixei as lagrimas correrem livres.
Estava muito sensível.
Peguei meus fones e procurei por uma música e dei play. Fechei meus olhos, e no meio daquela viagem musical, a voz de Justin Bieber invadiu minha audição, Lonely. A primeira estrofe me paralisou e eu só pude chorar outra vez. Alguma similaridade com o meu estado atual? Todo.
— Isso de ficar depressiva não é a minha. – Me levantei, enxugando o rosto.
Liguei para o Caio e o chamei para irmos até o cinema, pedi que convidasse o Rodrigo também. Assistimos um filme, fomos para a praça de alimentação e a pessoa que eu menos esperava ver, estava a uns metros de distância. Zoe estava acompanhada por uma garota. A menina usava calças largas, blusa de algum anime.
Era bonita e parecia ser muito jovem.
— Oli, você não parece muito bem. – Caio segurou a minha mão.
Tirei a minha atenção de Zoe e a desconhecida.
— Conta pra gente, gatinha... – Rodrigo me incentivou.
— Ontem aconteceu uma coisa que eu não consegui processar. – Olhei novamente para onde Zoe estava e ela já havia sumido.
— Foi algo ruim? – Foi? Eu não fazia ideia.
— A Zoe e eu seguimos o pai dela, ela estava um pouco desconfiada dele e bem, encontramos ele naquele lugar que te falei, Caio. – Rodrigo pareceu ficar boiando.
Expliquei rapidamente a eles, que ficaram muito surpresos.
— Uau! – Eles disseram.
— Sim, uau... – Mordi minha unha.
— Seu tio é... gay? – Rodrigo perguntou baixinho.
— É o que parece. – Isso seria um baita escândalo.
— E assim, sobre a Zoe, você se sentiu usada por ela não ter dado a mínima pro amasso ou puta por ter sido beijada? – Escondi a minha face.
— Não faço ideia, gente... Eu odeio a Zoe. Ela não tinha o direito de ter feito aquilo. – Aspirei o ar com força.
— Amiga, dá pra essa mulher e pronto. – Aquilo só poderia sair da boca do Caio.
— Amor, olha o conselho que você tá dando. – Rodrigo o repreendeu.
— Faz o teste, amiga... olha como tá confusa, Olivia. Resolve isso de uma vez e faz sex* com ela. Olha o Luciano, vocês trans*m quase que diariamente há tantos meses e nada mudou. – Mordi a minha unha outra vez.
Meu ego foi ferido porque a Zoe não pediu desculpas e nem ao menos falou nada sobre ter me atacado? Seria uma ótima forma de dar o troco, não seria? Droga, eu tinha muito o que pensar.
“Que inferno!”
— Olivia? — Olhei para cima e era o Luciano.
Sorri em imediato.
Eu não estava com cabeça para o almoço que estava acontecendo em casa, então decidi ir até ao shopping e me matricular nas aulas de boxe, e acabei por encontrar a menina do estacionamento. Ela também me reconheceu e acabamos treinando juntas e depois decidimos comer algo leve na praça de alimentação. Havia um restaurante que servia comida fitness.
Incrivelmente, eu fui com a cara dela.
— Me desculpe a indiscrição, mas por que tá sempre de roupas tão grandes? Não que fique feio ou assim. Só é engraçado, você tem um corpo incrível e vive escondendo ele.
Maria Eduarda sorriu.
— Não digo isso de uma forma pervertida ou algo do tipo, mas realmente fiquei curiosa. – Ela me despertava um lado que eu até então desconhecia.
— Justamente por ter um corpo considerado bonito, que o escondo. - Ela encarou o prato. - Vou te contar algo, mas não quero que fique com pena ou algo assim.
— Pena é um sentimento bem desprezível. Então, não se preocupe. – Fui sincera.
Ela me olhou por alguns segundos e depois sorriu. Eduarda me lembrava alguém.
— Quando eu tinha quinze anos, fui pra uma festa com um amigo. Uma garota que eu gostava muito estaria lá. A gente bebeu um pouco, dançou e eu senti vontade de fazer xixi, deixei o pessoal e fui até um dos banheiros. Naquela noite eu quase fui abusada sexualmente e quando estava prestando o boletim de ocorrência, o delegado me sugeriu não usar roupas tão curtas, pois parecia mesmo que eu queria chamar a atenção.
— Que filho da puta. – O pior é que inúmeras mulheres passavam por isso diariamente e nada dava indícios de que mudaria.
Nossa lei era uma piada, ainda mais se as vítimas fossem mulheres.
— Ele me disse que eu não deveria estar naquele lugar, naquela hora. Que uma mulher de bem deveria estar em casa, dormindo. No fim, não resultou em nada. – Ela sorriu, mas era um sorriso triste.
— Quem é esse idiota? Você deve se recordar dele. Se quiser, posso mover um...
Ela passou a rir.
— Do que tá rindo? – Ergui as sobrancelhas.
— Você é incrivelmente séria e foi muito difícil me aproximar no boxe e agora tá conversando comigo como se me conhecesse há tempos. – No geral, eu a ignoraria e seguiria meu treino, mas fui totalmente contra os meus hábitos. – Parece uma irmã mais velha.
Parei para pensar por um momento.
— Acho que nunca saiu tantas palavras da minha boca. – Maria Eduarda riu.
— Fico convencida em saber que consegui tal feito. – Algo no olhar daquela garota me causava um instinto de proteção.
Ou era apenas pura bobagem? Talvez os acontecimentos das ultimas hora houvessem bagunçado tudo.
O meu telefone tocou e o nome de João apareceu na tela.
— Quer que eu te leve até sua casa? – Ignorei a chamada.
— Bem, seria ótimo... eu realmente não queria entrar em um ônibus hoje. – Ficamos de pé.
— Então vamos, você me diz o endereço.
Quando olhei para o outro lado da praça, vi Olivia, que estava acompanhada de Caio e mais dois caras. Forcei a vista e reconheci o mais velho. Qual era mesmo o nome dele?
Depois do acontecido, ainda não havia tido tempo para pensar direito no que aconteceu na Afrodite, a raiva queimava tanto em meu peito, que nem ao menos aproveitei como deveria a boca de Olivia. Pensar no beijo e na forma como ela correspondeu no fim, me fez ter uma resposta da minha intimidade.
Tensionei o maxilar.
— Vamos dar um oi a minha prima, tudo bem? – Maria apenas acenou em concordância.
Fomos até a mesa onde Olivia estava e ao me ver, sua expressão mudou. Senti a Maria ficar inquieta, enfiando as mãos na calça e eu podia jurar que vi elas tremerem.
“O que foi isso?”
— Olá, boa tarde. – Dei meu melhor sorriso, espantando as minhas observações.
— Zoe, que prazer ve-la. – Caio pareceu ficar animado.
Ele ficou de pé e me abraçou, me pegando desprevenida. Não gostava muito daquelas manifestações de carinho, mas dessa vez, pareceu comum. Fui apresentada ao namorado de Caio e ao carinha que estava com o braço sobre o ombro de Olivia.
Era o Luciano, um carinha que também já me envolvi.
Apresentei Maria Eduarda e rapidamente, Caio e o namorado trataram de deixa-la a vontade.
— Bem, precisamos ir. Olivia, você irá essa noite? – Não perderia a oportunidade de cutuca-la. – Espero uma mensagem sua. Tchau, rapazes...
Não a deixei responder, mas só pelo olhar que recebi, imaginei o que se passava naquela cabeça.
O bairro em que Maria Eduarda mora era de classe baixa, as ruas em decadência, falta de interesse da prefeitura. Paramos diante de uma casa de pintura azul e com grades. Jamais havia ido até aquele bairro, pois era totalmente fora da minha realidade.
As vezes esquecemos que há um mundo inteiro fora da nossa bolha.
— Obrigada por me trazer. Posso pegar seu número? Podemos combinar o próximo treino. – Ela sorriu.
Digitei meu número em seu celular e ela deixou o meu carro, acenando até entrar em sua casa. Era bizarro chegar a conclusão que passei um tempo considerável com uma completa desconhecida e que não achei entediante. No geral, nunca fiz questão de estar rodeada de amigos. Desde muito cedo compreendi que o ser humano não valia a pena.
Não era nada sexual ou algo do gênero, mas Maria Eduarda havia sido uma ótima companhia.
“Bons atores...”
As palavras do meu pai ecoaram.
— Você tá certo.
Dei partida e deixei o bairro.
Quando cheguei em casa, a família ainda estava ali. Fui direto para o quarto, tomei um banho rápido e decidi trabalhar um pouco. Quando a noite chegou, me arrumei e o meu destino era a Afrodite.
Iria tentar descobrir a quanto tempo o meu pai frequentava o lugar. Não seria nada fácil, pois a dona presava muito pela discrição, mas não custava tentar. O que mais ele escondia? Desde ontem, eu tentei evitar pensar sobre a sexualidade dele. Não era esse o ponto que me incomodava.
— Minha mãe sabia disso? Merda, pai...
— Vai sair? – João entrou no carro. – Voltou a frequentar a Afrodite?
— Parece que você gosta mesmo de receber respostas atravessadas. – Peguei minha bolsa.
— Só queria me distrair... – O encarei.
João parecia muito diferente do normal.
— Aconteceu alguma coisa? – Ele deu de ombros. – Ok, João... você pode ir.
Era estranho dizer que confiava nele? Desde que tivemos a conversa expondo o que de fato pensávamos do nosso casamento, ficou uma sensação de que não escondíamos mais nada um do outro.
— Você anda mais séria que o normal, quer me contar o que tá acontecendo? Talvez eu possa te ajudar. – Mordi minha boca por dentro e pensei se realmente deveria contar. – Por favor, Zoe.
Ele não estava em um dia bom.
— Descobri que o meu pai anda frequentando a Afrodite e que... – Quando isso viesse à tona, toda a hipocrisia da família cairia sobre ele. – O meu pai curte homens.
— Como você descobriu isso? – Chegamos.
Pagaria uma taxa extra pelo João e ele teria que assinar um documento de confidencialidade.
— Eu o vi...
Afrodite tinha um passe caro, mas que te dava acesso a todo o prédio. Como eu disse, era o ponto de encontro de toda a alta sociedade que adorava esconder seus podres. Obviamente, eu não era muito diferente deles.
— Vou tentar descobrir desde quando ele frequenta. A minha mãe morreu há sete anos e esse lugar existe há dez. – Estacionei. – Minha mãe era uma mulher incrível e se o meu pai a traiu, eu não...
Aspirei o ar com força.
— Vamos tentar descobrir, mas esses lugares não são totalmente discretos? – Saímos do carro e entramos no elevador. – Por que não pergunta diretamente a ele?
— Algo me diz que ele não seria totalmente sincero. – O tanto que isso estava me afetando não era normal, mas se tratava dos meus pais.
Eu não me importava com a sexualidade do meu pai, mas imaginar que tudo o que eu via entre ele e a minha mãe era uma grande mentira, puro fingimento, me fazia sentir como se houvesse um buraco no peito. Estava tentando pensar com clareza, mas a raiva não me deixava.
— Olá, boa noite... eu queria saber onde posso encontrar a senhorita Cassandra. Preciso falar com urgência com ela. – O recepcionista sorriu.
— Boa noite, senhorita... ela está em sua sala, irei perguntar se ela pode lhe receber. E aqui está o documento de confidencialidade, pode assinar senhor. Só um instante, volto logo. – O rapaz entrou em uma porta logo atrás da recepção.
Alguns segundos depois, ele retornou.
— A senhorita pode entrar, mas o cavalheiro terá de esperar aqui fora. – Olhei para João e ele apenas deu de ombros.
— Muito obrigada...
Fui conduzida até a sala e diferente do que esperava, o cômodo parecia somente um escritório comum. Algumas obras de artes na parede, uma janela com cortinas brancas, carpete da mesma cor e moveis simples.
— Senhorita Cavalcante, soube que havia retornado. Como está? – Cassandra veio até a mim, estendendo a mão e eu a apertei.
— Estou ótima, muito obrigada. – Ela é uma mulher na casa dos cinquenta anos, pele morena, cabelos cacheados e um pouco mais alta que eu. – Bem, irei direto ao ponto, sei que vocês têm uma política de privacidade dos frequentadores, mas eu preciso que me mostre o registro de apenas um.
Ela ergueu as sobrancelhas e depois sorriu.
— Sabes que não posso fazer isso, senhorita... – Eu teria que usar a minha primeira opção.
— Eu posso pagar, prometo que essa informação não sairá daqui. É algo familiar... – Ela pareceu ficar interessada.
— Três mil pela informação e confidencia. – Peguei o meu celular.
— Ótimo, eu posso transferir agora mesmo. – Cassandra sorriu outra vez, anotou algo em um papel.
— Passe pra essa conta... – Era um número de celular. Uma chave pix.
— Antes da transferência, quero a minha informação. – Cheguei mais perto. – Há quanto tempo Bernardo Gentil Cavalcante é cliente da Afrodite?
Ela digitou algo em seu notebook.
— Seu pai é nosso freguês há oito anos e cinco meses. – Apertei meu punho com força.
— Obrigada... – Terminei a trans*ção. – Seu dinheiro já está em sua conta.
Sem esperar nenhum segundo, sai de sua sala e passei direto para o elevador. João veio logo atrás e como me conhecia perfeitamente bem, decidiu ficar calado. Quando chegamos em casa, eu não pude me conter. Perguntei por meu pai e fui informada que ele estava no escritório.
— Só vai com calma, Zoe. – João me pediu.
Bati na porta e depois entrei.
— Filha, achei que não estava em casa. – Ele estava na poltrona com um copo de whisky. – Aconteceu algo?
— Pai, nós precisamos ter uma conversa muito séria. – Ele franziu o cenho.
Tranquei a porta.
— Parece mesmo ser algo sério. – Peguei o copo de whisky e tomei o resto do liquido do copo dele. – Vai com calma.
— Eu quero que me conte como foi parar na Afrodite e se estava traindo a minha mãe com outros homens. – A face de meu pai perdeu a cor. Era nítido o quanto ele havia ficado em choque.
Eu nunca havia perdido o controle na minha vida, mas estava à beira disso.
— Como você...
— Responde o que te perguntei, pai, e por favor, não minta. – Enchi o copo de whisky.
Eu odiava, mas queria acalmar os meus nervos.
— Eu vou te contar tudo... – Ele passava a mão sobre a cabeça e depois de vários segundos, voltou a falar. – Eu sinto atração por homens desde sempre. Quando conheci a sua mãe, ela havia notado logo de primeira. Ela sempre foi muito perspicaz, sabe, e tão maravilhosa que prometeu guardar o meu segredo.
Ele estava nervoso, as mãos tremiam.
— Nos tornamos grandes amigos e por consequência, seus avôs passaram a fazer questão que a gente namorasse. Seu avô sempre foi um homem muito tradicional e nunca aceitaria ter um filho gay. – Meu pai baixou a cabeça, parecendo envergonhado. – Quando completei vinte anos, sua mãe e eu fizemos um acordo. Ela queria ser livre dos pais, seu avô era um cara muito difícil... então decidimos nos casar.
Fechei meus punhos outra vez, tentando aliviar a pressão sobre meu peito.
— Sou o resultado de um acordo? – Controlei meu tom.
— Filha, não... não. Eu sempre quis ser pai e a sua mãe também queria ser mãe. Você é sim fruto de um amor genuíno. Sua mãe e eu nos amávamos muito, éramos grandes amigos. O que ela fez por mim... – Era muita coisa para processar.
Tomei outro gole do whisky.
— Ela era apaixonada por um cara e abriu mão desse amor, pra poder me ajudar. Nós éramos muito covardes, na verdade, eu ainda sou... o homem que ela era apaixonada se tratava de um simples ajudante de jardineiro. Seu avô Leandro jamais permitiria, naquela época... tudo era muito difícil.
— Então você não a traiu? – Ele tentou se aproximar, porém não permiti.
— Não, ela sabia de tudo na minha vida... infelizmente, ela não pode viver o amor com aquele rapaz, pois ele faleceu pouco depois que nos casamos. – A minha cabeça pesou.
— Preciso de um tempo para absorver tudo isso...
— Filha... mais alguém sabe? — Respirei fundo.
— João e a Olivia. — Ele passou as mãos sobre a cabeça.
— Filha, me perd...
— Agora não, pai... obrigada por me contar.
Sai de seu escritório, subindo para o meu quarto. Toda aquela informação deixou a minha cabeça um caos. Precisava refletir sobre tudo aquilo, para poder seguir em frente sem que isso afetasse a nossa convivência.
— Merda...
Fim do capítulo
Resolvi adiantar esses caps, mas quinta postarei os outros dois como combinado. Não pude respoder a voces, minhas lindas, porque não tive tempo por causa do trabalho. A partir de agora, responderei a todas. Obrigada pela interatividade.
Beijos e até os comentarios.
:)
Comentar este capítulo:
Lea
Em: 26/03/2022
Essa família é toda confusa e cheia de segredos! Ah muitas coisas embaixo desse "tapete"
Será que vai chegar uma hora em que a Olívia e a Zoe vão acabar se ajudando??
Resposta do autor:
Parece a minha família hahaha complicada e cheia de segredos.
Olha, será que a Zoe vai baixar a guarda para Oli, e Oli para ela?
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Marta Andrade dos Santos
Em: 26/03/2022
Família complica delas.
Resposta do autor:
Compete de igual para igual com a minha.
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