Amiga Problemática
Alice
Dona Chica, nem de longe parece ter a idade que tem. No alto dos seus sessenta e três anos, possui uma energia de mulher de vinte. É elétrica, falante, desbocada. As marcas da vida sofrida, só se mostram nas rugas, no entanto, essa recente viravolta que teve, ao ser promovida para secretária da maior CEO da capital, elevou sua autoestima. Quem a vê, não faz ideia da sua história de perdas e sofrimentos. No nosso passeio, me fez comprar sapatos, perfume, maquiagem, roupas. Digo que me fez, não por ter sido forçada, e sim, influenciada por sua energia e alegria. E lógico, a cada peça de roupa, sapato, perfume e maquiagem que comprei para mim, comprei a ela também. Quando decidiu escolher com qual roupa irei ao concerto, me fez visitar mais de quatro lojas, até que encontrou o que procurava e que, caiu como uma luva em meu corpo. Passeávamos pelos corredores, como duas amigas passeiam no intervalo da escola. Ela, com os braços envoltos no meu, e dividíamos as muitas sacolas. Entramos em mais uma loja de roupas, e nos dividimos em olhar as prateleiras. Estava distraída escolhendo entre cores de uma sequência idêntica de modelos quando ouço a risada da dona Chica sobressair o som ambiente. Sorri com o som da sua risada e me apressei em ver o que estava acontecendo. Ela encontrou alguma conhecida, e estavam abraçadas, rindo. Um abraço forte e saudoso. Ambas riam com os olhos fechados enquanto se abraçavam. Se afastavam, se olhavam, e voltavam a se abraçar. Eu as observava um pouco afastada, vislumbrada com esse encontro que parecia muito importante para minha querida Chica. Ela se afastou e olhou para trás me procurando. Me chamou, limpando os olhos de emoção.
- Licinha!! - fez sinal com as mãos me chamando – Venha conhecer minha amiga Didi.
Me aproximei e cumprimentei aquela senhora negra, olhos amendoados, estatura média e corpo cheio. Olhos vibrantes e emocionados.
- Tudo bem, querida? - me falou a gentil senhora, puxando-me para um caloroso abraço que prontamente, retribuí.
- Didi, essa aqui é a Alice que eu cuidava quando era novinha, lembra? - falou animada dona Chica.
- Mas é claro que lembro, Chica! - sorriram – Ela sempre foi linda né?! - Didi apertou minhas bochechas – Olha esses olhos!!
- Ah! Didi, ela é linda mesmo! É o amor da minha vida!! - falou dona Chica me fazendo corar de vergonha.
- Obrigada! – sorri e dei de ombros – Sou tímida!
- Tímida nada! - me bateu no ombro dona Chica - Não está acostumada com elogio – revirou os olhos.
Didi olhava para nós, com um lindo sorriso nos lábios.
- Chica! Que surpresa te encontrar aqui! – disse Didi com as mãos no peito – Vamos tomar alguma coisa pra botar o papo em dia?
- Mas é lógico! - respondeu Didi, dirigindo o olhar pra mim – Vamos né, Lice?
Dei de ombros e sorri.
- Com toda essa alegria que demonstraram por esse encontro, quem sou eu pra negar? - respondi abraçando dona Chica – Quero mais é saber de onde se conhecem e participar desse momento.
- Não falei que ela é meu amor, Didi?! - falou dona Chica, direcionando o olhar à Didi.
- Só preciso encontrar a minha menina – falou Didi, olhando em volta – Ela foi ver um vestido numa loja ali da esquina, e acabei me perdendo dela – sorriu com as mãos na boca – Eu sempre me perco nesse shopping.
- Vamos andando – sugeri – Quem sabe a encontramos.
Saímos da loja, as três juntas. Eu permaneci no canto, olhando as vitrines, enquanto dona Chica, logo ao meu lado, tagarelava sem parar com sua amiga. Riam e se abraçavam. Olhando-as, pude constatar que foram muito amigas, a algum tempo atrás, e a alegria que estampavam por esse reencontro, me emocionou.
- Ali!! - falou Didi espalhafatosa – Achei minha menina! - e apontou para dentro de uma loja muito chique – Venham! Vamos tirá-la da compra – sorriu escandalosamente.
Elas foram à minha frente, apressadas, e eu as acompanhei, sorrindo por contemplar a euforia de duas senhoras, parecendo duas moças saltitantes. Adentramos o ambiente da requintada loja e quando olhei a minha frente, as pernas bambearam. Meu coração quase explodiu dentro do peito e as mãos começaram a tremer, carregando muitas sacolas. Pisquei vagarosamente, enquanto tentava engolir a saliva que passou rasgando pela garganta. Meus olhares cruzaram com os dela e o sorriso que nasceu eu seu rosto, contagiou o que nasceu no meu.
- Dona Chica? - falou Laura, franzindo o cenho – Didi? - ela olhava para ambas, com dúvida - Alice? - e sorria.
- Dona Laura? - falou dona Chica, a olhando surpresa.
- Vocês se conhecem? - falou Didi olhando para as duas.
Eu permaneci travada. Completamente imóvel pela cena que contemplava. A menina da Didi, amiga da dona Chica, é a Laura. Minha mente girava e eu só conseguia sentir meu coração bater na garganta. Dona Chica abraçou Laura e me puxou, falando animada:
- Alice!! Veja quem encontramos aqui.
A olhei com sorriso nos olhos e lábios. Acenei com a cabeça em cumprimento. Ela gentilmente veio em minha direção e me beijou o rosto, cumprimentando-me:
- Tudo bem, Alice?! - e sorriu - Não imaginava que vocês já se conheciam – e apontou a mim e dona Chica.
O frio na espinha que esse toque da sua pele na minha face me causou, certamente me deixou com aquela expressão de boba, que só ela consegue proporcionar. Didi olhava a todas, com um lindo sorriso.
- Laurinha – disse Didi – Essa aqui é a Chica! – e abraçou-a na cintura - Nós fomos vizinhas quando éramos mocinhas, minha doce amiga, Chica.
- Não acredito! - falou Laura sorrindo – Ela é minha secretária, Didi – e sorria muito.
- Ah, quem não acredita sou eu! - sorria copiosamente Didi – Que mundo pequeno. E essa aqui – apontou para mim - É sua filha do coração!
- Alice – disse Laura – A moça do hospital, Didi! - olhou para Didi e sorriu.
Didi ficou me olhando boquiaberta, com as mãos no peito.
- Você? - apontou para mim - É a amiga, do hospital?
- Sim! - dei de ombros sorrindo e mexi no cabelo, mostrando os pontos – Sou eu!
- Olha só! - falava Didi espantada – Quantas coincidências! - sorriu olhando para Laura – Viemos te encontrar pra ir comer alguma coisa e papear. Eu e a Chica temos muito a conversar.
Laura se mostrou tão surpresa quanto eu. Pediu só um minuto para poder pagar a compra que estava fazendo e dirigiu-se ao caixa. A acompanhei com o olhar, contemplando a beleza dessa mulher lindíssima. Estava com uma calça jens cintura alta, pantalona, com uma blusa de alcinha em cetim, branca, cinto arrojado e sandália plataforma vermelha, combinando com a bolsa de mão, também na mesma cor. Cabelos presos em um coque alto e uma gargantilha de cristal Swarosky, discreta, porém, luxuosa. Senti meu rosto ruborizar, ao perceber que ela sentiu meu olhar passear pelo seu corpo, pois o retribuiu, antes de entregar o cartão para a atendente passar na maquininha, direcionando-me um singelo sorriso.
Dona Chica e Didi, conversavam tudo o que passaram anos sem conversarem. Falavam incontrolavelmente, animadas, emocionadas. Eu as observava, e o coração palpitava de emoção. Laura veio ao nosso encontro, olhou as muitas sacolas em minhas mãos e sorriu. Dei de ombros e retribuí o sorriso.
Saímos da loja, em direção a algum lugar para sentar e conversar. Dona Chica e Didi foram à frente, tagarelando, deixando-me com Laura, para trás. Meu coração estava a ponto de desenvolver pernas e sair correndo a minha frente.
- Bom te ver! - falou Laura me olhando nos olhos – Isso que eu chamo de descoberta mútua!
- Nem me fale! - arregalei os olhos e sorri – Acho que isso vale como altas emoções.
Ela sorriu e respirou fundo. Tão fundo que foi possível ver a blusa se mexer, e o decote avantajado se sobressair, me fazendo engolir em seco e piscar lentamente, na tentativa de fazer a cena passar também em câmera lenta.
- Jamais imaginei você ser amiga da dona Chica – falava enquanto andávamos - Ela é uma querida!
- Não sou amiga dela – respondi sorrindo – Ela é minha segunda mãe! Praticamente quem me criou.
- Que linda! - falou gentilmente – E a minha segunda mãe é a Didi – sorriu olhando-as logo à frente.
- Quando ela falou que iria procurar a menina dela, imaginei uma garotinha – sorri ao falar - Não essa garotona!
Ela sorriu alto, dando de ombros.
- Menina, de um metro e setenta e quatro centímetros - balançava a cabeça sorrindo – Ela insiste em me chamar de Laurinha, menina, pequena – revirou os olhos.
Sorri, a olhando encantada. Ela é tão linda e poderosa, mas ao mesmo tempo, parece sim uma menina, com olhos arteiros. Chegamos na praça de alimentação e nos sentamos em uma mesa retangular, com quatro cadeiras. Fiquei à frente da Laura e ao lado da Dona Chica, que ficou de frente com a Didi. Fizemos os pedidos do que iriamos consumir. Eu tentava disfarçar minha vontade de olhar somente para Laura, mas o tempo todo, percebia o olhar dela direcionado a mim. Como um tique nervoso, minhas pernas balançavam involuntariamente enquanto tentava me concentrar no assunto que falavam, mas minha respiração ofegante, atrapalhava meu desempenho na conversa.
- E você, Alice? - me perguntou Didi – O que faz?
Fui pega de surpresa com a pergunta, enquanto estava atenta no olhar penetrante da Laura.
- Eu? - falei assustada e sorrindo em seguida – Eu sou consultora financeira.
- Nossa!! Tudo a ver com a Laura! - falou Didi animada - Não é Laura?
- Sim, Didi – falou Laura – Inclusive, ela começou ontem a trabalhar na Veigas – e me dirigiu um olhar faceiro.
- E você nem me conta? - retrucou Didi fazendo Laura sorrir.
- Sim! Estou em um período de teste - respondi com um amigável sorriso – Primeiro vou mostrar meu talento, e, se conseguir, daí serei funcionária da senhorita Laura Veigas – falei olhando-a nos olhos.
Ela cerrou os olhos e me olhou com ironia, encostando-se na cadeira e cruzando os braços sobre si.
- Que interessante – falou Didi – Laurinha adora um desafio. Estou na torcida por você, Alice.
- Obrigada – respondi sorrindo gentilmente – Irei precisar de muita sorte! - Laura se mantinha me olhando ironicamente.
- Axé! - falou Didi estendendo as mãos para pegar nas minhas.
Estendi as mãos para ela, que as apertou e olhou fundo em meus olhos.
- Que sejam abençoadas as suas mãos e o seu caminho, menina do destino! - falou Didi, me olhando fixamente e eu, senti um arrepio percorrer minha espinha.
- Amém! - respondi junto com dona Chica.
Laura só observava e sorria de canto de boca.
- Lembra de quando ela era tiquinha, Didi? - falou dona Chica, despertando os olhares para minha pessoa, me fazendo corar de vergonha.
- Lembro, Chica! – falava Didi me olhando e sorrindo – Parecia uma boneca de porcelana.
Ambas sorriram.
- Agora está aqui – me empurrou os ombros, dona Chica – Com encontro marcado pra amanhã – e levantou as sobrancelhas. A cutuquei embaixo da mesa e dirigi o olhar bravo a ela.
- Dona Chica – franzi o cenho e congelei com o que falara. Ela sorriu.
- Encontro, é? – falou Laura sorrindo – Já sarou, para poder sair assim, Alice?
A olhei revirando os olhos a ela, que estava com as sobrancelhas arqueadas, com expressão imponente e um leve sorriso nos lábios.
- Não tem encontro nenhum! – dei de ombros – A dona Chica é exagerada!!
- Não sou não! – falou sorrindo – Veio aqui hoje comprar roupa, perfume, sapato..
- Chicaaaa!! – arregalei os olhos para ela – Por favor!!
Laura se divertia com o que ouvia e eu, estava mais vermelha do que um pimentão. Queria me esconder embaixo da mesa, de tanta vergonha.
- Tem que fazer repouso, Alice – falou Laura com expressão imponente – Saiu ontem do hospital e já quer passear..
Direcionei o olhar a ela, arqueando a sobrancelha, segurando o riso.
- Já falei que não é nada demais – balancei a cabeça e baixei os olhos. Laura sorria e me olhava fixamente, mordendo os lábios inferiores.
- E vocês se conhecem desde muito tempo? – perguntei para Didi e Chica, tentando mudar o foco da conversa, apoiando o cotovelo na mesa, tentando me concentrar apenas nelas. Laura se mantinha de braços cruzados, sorrindo e observando a todas.
Didi começou a falar:
- A gente se conhece, desde que era mocinha, na verdade! Chica morava ao lado da minha casa, quando meu irmão, pai da Laura, ainda era jovem também. Éramos todos amigos. Com o tempo, fomos nos afastando, devido os trabalhos e os enroscos ..
- Haja enrosco – interrompeu dona Chica, revirando os olhos e rindo.
Didi continuou:
- Mas sempre nos víamos. Quando ela foi morar perto da sua casa, eu ia direto lá! Você era muito pequena, não se lembra, mas eu me lembro de você.
- Nossa! – sorri com o que ouvira – Que coisa né?! E só agora que se reencontraram?
Didi continuou:
- Então, daí, quando teve o acidente com os pais da Laura, eu e o Jorge tivemos que mudar de bairro, e foram tantas coisas que aconteceram, acabamos não nos vendo mais.
- Sim, eu também tive que me mudar depois – falou dona Chica – E não existia esse negócio de celular que tem hoje. Eu nem sabia pra onde a Didi tinha ido.
- Exatamente! Sempre tive muita saudade da Chica - Didi estendeu as mãos para dona Chica – Ela sempre foi uma querida pra mim. Mas nem nos meus melhores sonhos, imaginei encontrá-la aqui.
Eu ouvia atentamente as duas conversarem.
- E eu nem imaginava, que a dona Laura, era sua afiliada, Didi – disse Chica, dirigindo-se à Laura.
Laura esboçou um singelo sorriso.
- Dona Chica, a senhora é uma grata surpresa na minha vida! – falou amigavelmente – Agora que sei que é amiga da minha Didi, terá tratamento vip – sorriu e deu uma piscada pra ela.
- Ah! Que isso – falou dona Chica timidamente.
Os garçons chegaram com o pedido que fizemos e nos serviram. Enquanto entregavam os copos e distribuíam as porções pela mesa, um homem vestido de preto, e fone no ouvido, chegou por trás da Laura e falou alguma coisa em seu ouvido. Estranhei e me mantive atenta. Percebi que sua expressão se fechou ao ouvir o que ele cochichava. Ele se afastou, e Laura se mostrou bastante incomodada.
- Tudo bem, Laura? – a perguntei assim que ele saiu. Didi e Chica também se preocuparam.
- Não é nada demais – disse Laura com um sorriso tranquilo – Apenas o segurança me colocando a par de uma situação – deu de ombros e levantou o copo – Brindemos a esse encontro maravilhoso!
Brindamos, entre sorrisos e olhares, mas os olhos de Laura estavam diferentes. Eu ainda me peguei surpresa, por ela ter segurança andando com ela, até no shopping, em um sábado a tarde. Discretamente, ela olhava em volta, tentando não demonstrar que algo a incomodava, mas percebi diferença desde que o segurança a abordou.
O encontro continuou regado a muita conversa, risadas, olhares e sensações. Estava tomando um gole do meu suco, quando sinto uma mão tocar meu ombro, de imediato olhei e senti vontade de desaparecer, ao ver Bia, em pé do meu lado, sorrindo com seu lindo e falso sorriso. Meu coração disparou e minhas mãos gelaram. Não tive tempo de olhar para Laura. Minha mente só focou em colocar a Bia para fora do ambiente, imediatamente.
- B-Bia? O que faz aqui? – perguntei sem nenhuma cordialidade.
- Oi, moça bonita! – me falou sorrindo e apertando meu ombro – Até que enfim consegui te encontrar.
Percebi os seis olhos da mesa, diretamente voltados a mim. Meu coração descompassado, batia num ritmo frenético.
- O que você quer? - perguntei rispidamente.
- Não vai me apresentar suas amigas? – perguntou-me com um sorriso irônico.
- Bia – engoli em seco, com a respiração ofegante. Meneei a cabeça em negação, buscando ar em uma respiração profunda. A olhei irritadiça e senti meu rosto de queimar de fúria. Me virei à mesa e encontrei os olhos de Laura, que me fulminavam, enquanto segurava o copo de suco com uma das mãos, e na outro o canudo. Didi estava com o cenho franzido em uma expressão nada amigável e dona Chica, com os olhos arregalados, pálida – Pessoal, essa aqui é a Bia, uma amiga que está de passagem e veio dar oi – voltei os olhos à ela, furiosa.
- Oi pessoal – falou Bia, simpaticamente – Sou a Bia! – acenou com um sorriso irônico estampado na linda face.
Todas responderam um seco: Oi.
Pedi licença e me ausentei da mesa, a puxando para um lado afastado. Sentia o coração muito acelerado e a respiração ofegante, por fúria.
- Serei breve! – falei, segurando em seus ombros – Esquece que eu existo! – soltei os ombros e me virei para sair.
- Nossa, que grossa – falou rindo ironicamente – Só quero conversar!
Respirei fundo, tentando me concentrar para não a agredir.
- Eu não tenho o que falar com você! – falei entre os dentes
- Só porque agora está com amizadezinha com a Laura Veigas? – falou revirando os olhos, o que me fez perder a cabeça e a segurar seus braços com força.
- Sua boca, não é digna de mencionar o nome dela! – disse furiosa, sentindo meu coração bater nos ouvidos – Some daqui!
Ela sorria com desdém e falava baixinho:
- Laura Veigas, Laura Veigas – e revirava os olhos, fazendo careta.
A soltei, passando as mãos em meus cabelos, com os olhos fechados. Minha respiração estava tão curta, que me faltava ar. Rapidamente olhei à mesa, e Didi e Chica conversavam, enquanto Laura nos observava com olhos de águia.
- Bia – fui incisiva – Por favor, vai embora! Eu estou com duas senhoras idosas que não podem sofrer stress, por fav...
- Para de drama, Alice! – me interrompeu – Eu não vou fazer nada! Só quero conversar, saber como você está?
- Eu não quero e não vou conversar com você – respondi secamente – Não tenho o que conversar com você. Me dê licença.
- Eu te encontrei aqui, e te encontrarei em outros lugares, moça bonita – me olhou com malícia, mordendo os lábios inferiores e esboçou um sorriso maroto – Só vou te deixar quietinha hoje, pelas duas coroas ali – apontou para a mesa – Mas vou te achar! – me deu um beijo no rosto e saiu, sentido oposto ao que estava, sem olhar para trás.
Minhas pernas tremiam e meu sangue fervia. Sentia os pontos na minha têmpora latejarem, com a fúria que me tomava. Baixei a cabeça e respirei fundo antes de voltar à mesa. Levantei os olhos e meu olhar se cruzou ao de Laura, que me encarava com expressão antipática e mordia o canto da boca.
Voltei à mesa, corada de vergonha, sentindo a cabeça doer e o ar faltar.
- Desculpem o mal entendido – falei seriamente, olhando nos olhos de todas – A Bia é uma amiga problemática – revirei os olhos.
- Quer ir embora, Alice? – perguntou dona Chica, percebendo meu desconforto.
- Sim, dona Chica – consenti – Por favor! Minha cabeça está a ponto de explodir.
- Eu levo vocês! – ofereceu Laura, rapidamente.
A encarei e ela desviou o olhar, baixando os olhos.
- Me perdoem, por favor – pedi mais uma vez, muito desconfortável com o ocorrido – Nem sei como, mas me perdoem.
- Fica tranquila, Alice – falou Didi segurando minhas mãos – A áurea daquela moça, está carregada. Não se culpe por algo que não lhe diz respeito.
- Obrigada, Didi – senti meus olhos marejarem – É que..
- É que nada! – me interrompeu – Nossa vida é assim! Tem momentos, que nossas vibrações atraem pessoas que veem para nos atrapalhar – ela falava amigavelmente – Mas já foi! Ela não virá mais. Olhe ao redor – apontou para as demais da mesa – Está entre áureas leves e que vibram por sua evolução. Esqueça isso que aconteceu.
Senti um nó na garganta e não pude segurar uma lágrima que insistiu em cair.
- Ah! Deixe disso – falou Didi se levantando – Venha aqui! – se dirigiu até meu lugar e me pegou pelas mãos – Dê um abraço aqui! – e me envolveu em seu peito, abraçando-me forte, enquanto acariciava meus cabelos – Fica tranquila!!! Aquieta esse coração. Vai ficar tudo bem! – falava baixinho.
- Obrigada, Didi – a agradeci, limpando a lágrima – Você é mesmo uma querida! – me afastei do abraço sorrindo gentilmente.
- Então vamos? – falou Laura, sem muita paciência, levanto e pegando a bolsa.
- Só vou ali pagar e já volto – respondi, também pegando a bolsa.
- Eu pago! – falou secamente me olhando nos olhos.
- De forma alguma! – a olhei fixamente – Hoje eu faço questão! – arqueei a sobrancelha e falei firme.
- Como quiser, senhorita Stromps! – me respondeu pouco cordial, dando de ombros.
Me dirigi até ao local de pagamento, sentindo ainda um nó na garganta. O jeito que a Laura estava me olhando, não se parecia em nada, com a Laura de todos esses dias e momentos. Sua expressão estava fechada, demonstrando braveza e pouca amabilidade. Evitara de me olhar profundo, como das outras vezes. Seu olhar estava curto, seco, sem brilho. Minha mente estava confusa e minha cabeça doía. Fiz o pagamento integral dos consumos e retornei à mesa. Olhei para Laura, que fingia perceber minha presença, mantendo-se focada na conversa com dona Chica e Didi. Pegamos nossas compras e nos dirigimos ao estacionamento. Laura, se manteve monossilábica nas respostas e participação nas conversas das duas amigas. Não dirigiu o olhar a mim, em nenhum momento do trajeto até o carro. Chegamos no estacionamento, onde o mesmo carro que vi no dia farmácia, nos aguardava. Laura pediu o endereço da dona Chica e colocou no gps, limitando-se a dizer:
- Vou deixar a senhora primeiro, tudo bem?
Dona Chica concordou e manteve a conversa com a Didi.
Eu sentia-me invisível. Mesmo estando sentada no banco atrás da motorista, Laura, ela se limitava a olhar no retrovisor e não dirigir o olhar a mim.
Um sentimento de impotência e falta de sorte foi me tomando, à medida que o caminho se formava. Entre carros em alta velocidade, que transitavam pela grande São Paulo, meu coração se acelerava igualmente, desejando que tudo o que aconteceu, não tivesse aniquilado as possibilidades de estar novamente ao lado dela. No meu silêncio, sentia meu âmago, amargar-se. Olhei para o céu, e a lua já se mostrava brilhante. Lembrei do quanto desejei na noite anterior, levar Laura passear para ver o luar e que de uma forma toda especial, nos encontramos hoje, porém, a Bia também apareceu. E num passe de mágica, fez toda aquela magia que estávamos sentindo, desaparecer. O sentimento de raiva aumentava em meu ser. Dona Chica e Didi, continuavam a falar e falar, e o que outrora me emocionou, agora me irritava. Após longos minutos, chegamos à casa da dona Chica, em um bairro simples, em frente a um conjunto habitacional, Laura estacionou. Dona Chica segurou minhas mãos e agradeceu por tudo. Me deu um beijo e cochichou:
- Relaxa! Vai dar tudo certo! – sorri sem vontade e dei de ombros.
Eu não estava no clima de acreditar em frases de auto ajuda.
Seguimos o caminho, deixando dona Chica acenando da calçada. Didi tentou puxar assunto comigo, que fiz o que pude para ser simpática. Laura, quieta, apenas dirigia. Tão logo chegamos em frente a um prédio altíssimo, imponente, com garagem no subsolo. Laura estacionou e Didi despediu-se de nós. Falou que tinha sido um prazer me reencontrar e que eu seria bem vinda à sua casa, sempre que quisesse. Deu um beijo em Laura e me chamou para ir de companhia da motorista. Dei um abraço forte, antes de voltar ao carro e me sentar no banco da frente.
Laura arrancou com o luxuoso carro, sem olhar dos lados. Sua expressão era hostil. Concentrada no trânsito e completamente calada. O único som que se ouvia dentro do veículo, era do atrito do pneu com o asfalto. Estacionou em frente ao meu apartamento e manteve-se com os braços rígidos ao volante, sem olhar para o lado. Apenas esperando que eu saísse. Dirigi o olhar a ela e me atrevi a lhe agradecer:
- Obrigada! Mais uma vez! – falei gentilmente
- Por nada! – respondeu secamente, sem me olhar nos olhos.
Coloquei as mãos na porta para abri-la e sentia meu coração palpitar. A respiração voltou a ficar ofegante e dessa vez, os sentimentos não eram gostosos de sentir. Meu estômago sentia uma sensação gélida e amarga. Virei-me novamente a ela e com a voz firme, perguntei:
- Pode ao menos me falar o que foi que eu fiz para você?
- Nada! – falou revirando os olhos.
- Ótimo – respondi com expressão de surpresa – Então, por que está me tratando assim?
- Estou normal, Alice – e me olhou com expressão fria – Amanhã te pego aqui, às dezoito horas.
- Tem certeza? – perguntei, insistindo no olhar.
- Sim! Não sou volátil. Se tenho um trato com você, eu cumpro.
Consenti e baixei os olhos.
- Ok! Laura! – respondi também com expressão fria - Estarei pronta – virei-me para a porta e a abri.
- Se possível, esteja sozinha! – falou secamente.
Não pude evitar o sorriso que de repente brotou em meus lábios, mas o contive e não lhe mostrei. Abri a porta traseira e peguei minhas sacolas de compras. Acenei da calçada e a vi sair, perdendo-se no horizonte, sem pestanejar.
-- x –
Laura
Didi tem quatro filhos, sendo duas mulheres e dois homens, no entanto, se é para sair, é comigo que ela conta. Me fala que os filhos não tem paciência, e o tio Jorge, não pode ver uma mulher que já fica todo faceiro. Ciumenta que até dói. Eu nem retruco, pois sei que ela é assim. Seu negão é só dela, e se possível, o colocaria numa bolha, para que ninguém chegasse perto. Eu amo passear com ela. Nos damos super bem, e se não estamos a fim de acompanhar as compras da outra, nos dividimos e curtimos o passeio a sós. Expliquei a ela que estamos com seguranças nos acompanhando, devido as perseguições de Joseph e ela disse não se importar, já que os policiais são discretos e bonitões. Não contei que vou sair amanhã a noite com a Alice. Didi é toda cheia de ver coisas onde não tem, então, me limitei a falar que iria comprar uma roupa que estava querendo, sem expor o motivo. Ela foi de um lado, e eu de outro e os seguranças se dividiram. Encontrei o que desejava. Um conjunto de calça e blusa, discreto, porém sofisticado. Ideal para um concerto numa noite de domingo. Experimentei e tive a impressão de ter sido feito, sob medida. Estava prestes a pagar, quando me surpreendi com a chegada da Didi, em companhia de dona Chica e Alice.
Minha cabeça girou em completa dissociação. Didi abraçada com dona Chica? Perdi alguma parte do capítulo da história e não me encontrava no enredo. Alice, pra variar, roubou meus olhares. Em uma calça jeans justa, com a barra dobrada e sandália de salto, com um chamisé verde, que realçaram ainda mais seus lindos olhos. Cheia de sacolas nas mãos. Nossos olhos se encontraram e sorrimos, com a ocasião inesperada. Mais uma! Após constatar que de uma forma muito diferente, minha Didi é amiga da dona Chica, e que Alice é a afiliada, e ser chamada para um papo, fui pagar a roupa que escolhi para o encontro de amanhã, na presença, da própria pessoa do encontro. Enquanto caminhava em direção ao caixa, senti olhares sendo direcionados a mim. Foi tão intenso, que me arrepiou a espinha e senti meu coração palpitar. Rapidamente olhei para trás e o que senti era real. Alice me olhava, com olhos de quem deseja. Sorri com a sensação que isso me causou. É gostoso se sentir desejada, mesmo que seja por sua...amiga – dei de ombros com esses pensamentos.
Didi e dona Chica, nos deixaram um pouco atrás de seus passos, e estar na companhia da Alice, me fez esquecer até que estou com seguranças na cola, por cuidado comigo e principalmente, com ela. Sua leveza me encanta. A fluidez da conversa, acontece de forma natural, genuína.
Nos sentamos de frente uma para outra. Mais uma vez, me pego encantada com sua beleza. Parece pintada à mão, minuciosamente cada detalhe a completa numa obra prima. Entre conversas descontraídas e muitos olhares trocados, ouvi que ela tem um encontro.
Meu coração disparou e não pude evitar brincar com a ocasião. Ela tímida, é ainda mais bela. Demonstrou vergonha por dona Chica, estar a entregando de bandeja para mim, contando até que foi às compras para o encontro de amanhã, e eu me diverti com isso. A diversão só ficou sem graça, quando um dos seguranças, de repente me alertou, que viram um pessoal de Joseph andando pelo local, e me avisou que não estávamos sozinhos. Senti raiva por isso. Joseph está mesmo disposto a me infernizar. Agora, nem um passeio entre amigas posso fazer? Mas isso não vai me impedir. Brindei ao nosso encontro e me mantive alerta, porém, sem contar com a opção de ir embora. Se ele quiser, que venha me enfrentar. Me concentrei em aproveitar a presença da linda mulher de olhos verdes à minha frente, porém, pelo visto, não sou a única disposta a aproveitar seus encantos.
Uma moça muito bonita, muito bonita mesmo, branca, cabelos pretos, batom vermelho, delineador preto, roupa provocante, simplesmente, encostou nos ombros da Alice, com bastante intimidade e a cumprimentou. O jeito que ela tocou nos ombros da Alice não foram como qualquer pessoa toca os ombros de alguém. Ela pegou com as pontas dos dedos e acariciou. O nervosismo que isso despertou em Stromps, também não foi comum. Ela ficou pálida e de boca seca. Até gaguejou para falar seu nome. Bia! Bom saber o nome dessa...garota. De repente, me vi sendo tomada por um asco dessa garota, que com um sorriso ridículo nos lábios, pediu para Alice nos apresentar a ela. Tive que me segurar para não jogar o suco que estava nas mãos, em sua cara. Insolente. E não bastasse isso, Alice ainda deixou a mesa e foi conversar com ela longe de nós. Isso foi o fim da picada. Me mantive apenas olhando, de longe. Alice tocar em seus ombros, falar pertinho. Segurar novamente pelos braços, passar as mãos pelos cabelos. Apesar de parecer muito brava com a Bia – asco dessa Bia – ainda está se dando o trabalho de conversar, ou seja, significa alguma coisa. Eu particularmente, não gosto de nenhuma Bia. A amiga do Gil, que vive querendo me apresentar, também se chama Bia, e eu fujo dela igual o coiso foge da cruz. Meus santos não batem. Depois de uma conversa rápida, Alice voltou para mesa, toda desenxabida. Olhou para mim, e eu não quis olhar para ela. Na verdade, não queria mais estar ali. A conversa de Didi com dona Chica, já me incomodara, e estar na presença da Alice, após essa garotinha aparecer, também me irritara. Dona Chica propôs de irem embora e imediatamente me candidatei à vaga de ser motorista. Quero sumir dali e quero que seja logo. Alice insistiu em querer pagar a conta, e não retruquei. O quanto menos falar com ela, melhor.
No caminho, me contive a apenas dirigir. Tenho raiva de saber o quanto fui idiota em ficar imaginando coisas com Alice. Fui infantil. Sim, proporcionei o melhor que pude a ela por gratidão, mas poxa! Poderia ter me contado que existe uma garota no meio do caminho. Ela tem retribuídos olhares e mensagens. Ontem, eu quase a beijei no meu escritório! E antes de ontem no meu carro! Isso é um disparate contra minha pessoa. Ela não é boba, sabe que alguma coisa está acontecendo, e por que não impediu? E o pior, ainda vou ter que sair com ela amanhã, pois eu, Laura Veigas, jamais vou voltar atrás de um combinado. Nem que seja pra ser o pior concerto que já fui em toda minha vida, irei. Se Alice acha que está com o controle da situação, está muito enganada. Ela que vá fazer chacota com outra mulher. E se prepare, que essa semana o novo trabalhinho dela, não será tão legal quanto foi ontem. Mexeu com a mulher errada, Alice Stromps. Deixei dona Chica e Didi em suas casas e Alice, veio para o banco ao meu lado. O cheiro dela me deixa zonza. Estou muito brava com ela, mas a vontade em conversar e ouvir música junto, rir das coisas que fala, me dominam. Por um segundo a olho, e ela não vê. Está séria, o que a deixa ainda mais linda. A lua está igualmente linda e, já quase esqueci de tudo e a levei para casa, para tomar um vinho à beira da piscina e contemplar o luar. Ou, melhor ainda, partir rumo ao interior, lá pra fazenda, ver o luar no meio do nada. Meu coração se dispara e a mão sua na direção do meu carro. Me lembro de gostar de ter o controle da situação. Se fizer isso, Alice ganha o controle, então, é melhor manter a braveza. Cheguei em frente sua casa, e o coração estava apertado de vontade conversar e deixar pra trás todo esse papo. O dia foi surpreendente. Pessoas que amamos, são extremamente ligadas e nossa vida, de certa forma, está se ligando também na mesma intensidade, mas ela tem que perguntar o que foi que me fez? Poxa! Se não sabe o que me fez, é melhor ficar sem saber mesmo. Vou embora para não falar mais do que devo e depois me arrepender. Só não posso deixar de pedir, que esteja sozinha. Apenas, sozinha.
Antes de chegar em casa o celular vibrou, com notificação de mensagem. Visualizei pelo sistema do carro e não pude evitar o sorriso que brotou em meu rosto. Agora estou sozinha, posso me permitir.
Alice: Você brava é irresistível...
Fim do capítulo
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Rafaela L
Em: 27/03/2022
Ahhhh o ciúmes.O que seria do mundo lésbico sem ele hahaha.
A Didi e a D.Chica, não sacaram que elas brincavam? Então,vai ser a mãe da Alice,quem vai lembrar.!?? Tô ansiosa pra que descubram.
Tenho a impressão de que a Bia é da turma do Joseph.
E vamos ao encontro!!!
Amandooo.
Fico feliz de ter encontrado essa história.Tô viciada! Capítulos grandes e completos.Como não amar um conto desses!!!????
paulaOliveira
Em: 27/03/2022
É luta por cima de batalha viu, mas a glória virá.
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