Relatório
Laura
Acionar o acelerador e seguir caminhos opostos ao que se deseja, parece fácil, mas não é. Após uma deliciosa e intensa manhã na companhia da Alice, meu desejo para esse dia de folga, era continuar ao seu lado, conversando e sorrindo, como há tempos não faço, mas, o inspetor Carlos me espera para expor as novidades sobre o caso Gordon.
Enquanto dirijo, me lembro do quão feliz, a linda mulher de olhos verdes ficou, ao receber uma bexiga. Mal sabe ela, que foi algo "furtado" de uma decoração de aniversário que estava sendo montada no buffet infantil próximo de casa – sorrio singelamente por isso - Uma simples bexiga, personalizada à mão com um bom dia. Essa Alice, é mesmo diferente. Ainda não consigo especificar o que a faz ser quem é. Sua espontaneidade a torna rara. A facilidade que tem em me fazer sorrir, ao mesmo tempo que desenvolve um diálogo despretensioso, me intriga.
Estar perto dela, está começando a exigir de mim, muito controle emocional e racional. Agora pouco ao nos despedirmos, meu desejo era beijar sua boca e acariciar seus cabelos dourados. Não posso me permitir a isso!! Não posso!!! Preciso me concentrar e direcionar adequadamente minhas ações.
Ela é linda? É! É legal? Muito! Inteligente, sagaz, esperta? Até demais! Mas, é uma nova amiga e eu não posso pôr tudo a perder. Imagine, ainda mais agora, que descobri que é filha da dona Fátima. Tenho um carinho gigante por ela, e seria muito ruim, manchar minha vida toda, só por um desejo repentino que, vai passar! Precisa passar.
O fato dela ter alta do hospital é maravilhoso, porém, sinto um aperto no peito por, agora, ela estar fora das minhas mãos. É estranho pensar isso, mas é o que sinto! Tenho cuidado por Joseph estar à solta por aí e não conseguir mensurar o que ele ainda é capaz de fazer. Quero tê-la por perto, sob a minha vista e cuidados. E vou encontrar um jeito para isso.
Chegando em minha casa, o inspetor me aguardava na portaria. Convidei-o a entrar e nos sentamos à mesa, à beira da piscina.
- Senhorita Laura, por enquanto é o que conseguimos encontrar sobre Joseph – e me entregou um envelope com duas cópias de inteiro teor
- Pode ler, por favor? – solicitei.
- Joseph Petter Arantes, nascido em São Paulo em 04/02/95. Filho de Neusa Arantes e pai não declarado. Teve seu nome alterado para o sobrenome Gordon, pós adoção realizada por seu padrasto e então, esposo de sua mãe, Giusep Gordon – ele continuou a leitura enquanto o ouvia atentamente - Foi enviado à Paris/França ainda criança para estudar, onde lá, concluiu o curso de Administração Empresarial. Com o falecimento de seu pai (adotivo) em dezembro de 2019, retornou ao Brasil, assumindo a diretoria das empresas Gordon Cia. Foi noivo de uma estudante brasileira de medicina que morou na França com ele, por nome de Tatiane Rebouças. O relacionamento acabou, pois ela o deixou e retornou ao Brasil, repentinamente.
- Espera! Qual nome disse? – perguntei-lhe surpresa.
- Tatiane Rebouças, senhorita – repetiu, olhando-me de cenho franzido.
Senti um nó na garganta e a boca seca. Meu coração disparou e me levantei. Servi-me de uma dose de vinho branco gelado e virei a taça só em uma vez. O inspetor Carlos me olhava assustado. Não posso acreditar que essa mulher, está voltando do passado, para destruir o pouco que me sobrou. Uma onde de calor me tomou, fazendo-me balançar a roupa para me refrescar. Tomei outra taça de vinho e enchi mais uma, voltando ao encontro do inspetor. Minha mente girava feito um brinquedo de peão. As lembranças da vergonha que senti ao encontrar Tati trans*ndo em minha sala de reuniões, agora invade minha mente. Os transtornos causados com isso, a briga, o escândalo na empresa. Não posso permitir outro escândalo. Joseph é o noivo abandonado e agora fará de tudo para me expor. Refleti em frações de segundos e voltei a atenção novamente ao inspetor.
- Pode continuar, por favor – o pedi com a voz embargada.
Ele voltou os olhos ao documento e continuou:
- Único herdeiro da fortuna do Sr Gordon, Joseph hoje é o principal acionista de sua empresa. Frequentemente é visto em jogos de azar ilegais e viagens internacionais para cassinos, onde gosta de apostar altos valores. Está sempre acompanhado de mulheres de fino trato, a maioria delas modelos de renome internacional. Atualmente está sendo investigado por corrupção ativa de processos de licitação superfaturados e falsidade ideológica na tentativa de homicídio contra a senhorita Alice Stromps, sua atual consultora financeira. Ambas investigações, correm em segredo de justiça. Isso é tudo, senhorita.
Levantei novamente e andava de um lado para outro, tentando encontrar um modo de conversar com o inspetor, não tão direto como terei que ser. Sentia meus olhos arderem de furor e minha face queimar de raiva. Terminei a outra taça de vinho e respirei fundo, tentando encontrar forças no interior do meu ser. Direcionei o olhar ao inspetor que me olhava atentamente, aguardando algum parecer.
- Obrigada pelo pronto serviço, inspetor Carlos – o agradeci formalmente, porém, com a voz embargada – Estou começando a entender a mente insana do Joseph.
- Por que, senhorita? – perguntou-me surpreso.
Suspirei profundo, pelo que estaria prestes a contar-lhe. Minha vida pessoal sempre foi reservada. Até mesmo esse escândalo com a Tati, consegui controlar e, a partir desse momento, terei que pensar em cada passo e criar estratégias para essa bomba recaiu sobre mim. Sentia meu corpo tremer, de forma incrontrolável.
- O que vou te contar, senhor Carlos – o olhei fixamente – Não pode e não irá, sair daqui, me fiz ser entendida? – perguntei-lhe com expressão indomável.
- Sim, senhorita! – garantiu-me com voz firme.
- Isso, custaria a minha carreira, e eu, definitivamente, não estou disposta a perder todo o meu esforço – fui incisiva ao dizer – Não autorizo a veiculação dessa informação.
- Sim, senhorita Veigas – tranquilizou-me mais uma vez – Estamos trabalhando em segredo de justiça.
Sentia meu coração bater na garganta e a respiração curta. Um amargor toma conta da minha boca e a cabeça dói.
- Tatiane Rebouças, ex noiva do Joseph – o olhei fixamente nos olhos – O abandonou em Paris para vir embora comigo.
Ele franziu o cenho, não compreendendo o que eu lhe contei.
- A senhorita, conhece essa estudante mencionada no relatório?
- Muito mais do que gostaria – respirei incomodada com o assunto – No verão europeu de 2017, eu estava desfrutando das férias por lá e, na minha estadia por Paris, conheci a Tati. Foi paixão à primeira vista, daquelas arrebatadoras que nos cegam. Uma semana depois, quando estava de volta ao Brasil, ela veio junto. Eu sabia que ela era noiva, mas não quis saber do seu, então, noivo. Ela foi minha namorada até 2019, e, o relacionamento acabou, após uma traição.
- E a senhorita, nunca soube quem era o noivo?
- Não! Ela não gostava de falar dele. Quando eu insistia, dizia que era passado e que não queria tocar no assunto. Pelo pouco que expôs, viveram um relacionamento abusivo, extremamente reclusos. Nem a família dela o conheceu.
Levantei novamente. Estou muito agitada para conseguir ficar parada, e andava de um lado para outro.
- Entendo – ele balançava a cabeça refletindo – Então, faz sentido ele agora, estar vindo atrás da senhorita. É um homem com ego ferido.
- Sim! Mas não entendo o por que de atingir à Alice – meneei a cabeça – Se é a mim que quer, por que a atacar?
- Desculpa a intromissão, mas preciso saber – ele me olhou timidamente – Você e a senhorita Alice, têem algum envolvimento?
- Nããão! - o olhei surpresa com a pergunta e fiz uma careta – Mas é claro que não!! – dei de ombros, e tomei outra taça de vinho.
- Ok! Desculpa perguntar! É que, seria o que faria mais sentido – ele deu de ombros – Se conhecem a muito tempo?
- Não! Eu ouço falar de Alice devido os negócios. Ela é uma consultora muito requisitada devido as altas apostas no mercado financeiro, mas não sabia quem era, até terça-feira passada quando ela foi representar o Gordon em um leilão, e eu arrematei a empresa que ele tinha interesse.
- A senhorita sabia que ele queria?
- Sim. A secretária dele, informou meu assessor que o interesse dele, era para chamar a minha atenção – sorri me lembrando – Então, fui lá e arrematei a empresa com alto valor, muito além do que valia.
- E foi aí que conheceu a senhorita Alice?
- Sim e, não. Foi nesse dia que soube quem era ela. Na quinta-feira, da mesma semana, fui ao shopping e sofri um episódio de racismo, e a pessoa que me defendeu, inesperadamente foi a Alice.
- Não entendi – me falou franzindo o cenho – Você, foi vítima de racismo?
- Sim, senhor! – o olhei fixamente e furiosa – Uma senhora furtou uma peça de roupa em uma loja, e me culpou, apenas por eu ser negra – sorri ironicamente – Mas o que não sabiam, que no mesmo lugar, estava a Alice que, viu tudo e enfrentou a todos para me inocentar.
- Poxa! – ele estava visivelmente incomodado e levantou-se também – Isso é muito constrangedor.
- Infelizmente é mesmo, senhor Carlos – concordei com a cabeça – Mas a situação já está na esfera criminal e os responsáveis pagarão por isso.
- Se eu puder ajudar, conte comigo! – cruzou os braços a frente do corpo e apoiou o queixo sobre a própria mão.
- Obrigada – sorri gentilmente – Mas então, foi aí que conheci a Alice e, na sexta-feira, em outro leilão, Joseph estava lá, me enviando flores e dando show. Fez um discurso, me acusando de ter sido flagrada roubando no shopping e estava lá para prestar solidariedade.
- Nãããoo!! – ele me olhou espantado – Ele fez isso?
- E para piorar, mandou entregar um caminhão de flores em minha empresa. Rosas vermelhas e brancas, que foram usadas no ornamento dos féteros de meus pais.
- Espera! – fez sinal com a mão, me olhando refletindo - A senhorita disse que as flores que ele te mandou, foram das mesmas usadas no velório dos seus pais? – franzia o cenho ao perguntar.
- Exatamente!! Um show de horrores! – sentia minha respiração aumentar de velocidade.
Ele balançava a cabeça e mordia os lábios, refletindo sobre o que lhe contara.
- Pedirei uma investigação ainda mais a fundo sobre Joseph! Tem alguma informação faltando! – ele me falou, olhando para o nada – E quando foi que aconteceu o dia da foto?
- Foi no domingo! – falei me lembrando do episódio – Fui para o hotel Fazenda que tenho no interior, e na volta, deixei a Didi e o tio Jorge em casa, e passei na farmácia.
- E encontrou a Alice?
- Sim. Eu estava entrando, e ela saindo e nos trombamos, fazendo com que ela derrubasse o troco que tinha recebido e eu, a ajudei pegar as moedas. Apenas isso! Não durou nem dez minutos o encontro.
- E as fotos foram tiradas nesse momento?
- Sim. Na madrugada a foto chegou aqui e daí o senhor já sabe de toda a continuação – balancei as mãos fazendo alusão a continuação.
- A senhorita Alice foi perseguida e atacada – ele continuava a falar sem olhar para mim, como se estivesse tentando montar um quebra-cabeças - O Joseph, falou que vem te seguindo?
- Sim. Observando, como ele mesmo disse!
- A senhorita costuma ficar com outras pessoas, em público? – perguntou timidamente.
-Se eu fico com mulheres em público? – perguntei estranhando a pergunta.
- Sim! Tem a possibilidade de ele ter te visto com outras mulheres?
- Não, senhor. Desde que terminei com a Tati, não fiquei com nenhuma outra mulher – dei de ombros – Ela conseguiu me deixar em frangalhos e então, me fechei para a vida social. Só trabalho e viajo.
- E a senhorita Alice? – dirigiu o olhar a mim – Também é homossexual?
- Não sei – balancei a cabeça, franzindo o cenho e andando de um lado para outro – Acho que não! Por que a pergunta?
Ele balançava a cabeça e refletia, mordendo os lábios, também andando de um lado para outro.
- Veja, senhorita Laura – começou a me explicar – Se ele "perdeu" – fez sinal de aspas com os dedos – A noiva para você, e está de ego ferido por isso, qualquer outra mulher que cruzar o seu caminho, ele tentará impedir.
- Isso não é só ego ferido! Ele quer me expor! E isso eu não vou permitir! – falei incisivamente.
- Certo – ele continuou - Ao ganhar dele no leilão, pode ter despertado a busca por vingança, e a Alice, de forma inesperada, começou a surgir na sua frente. Ele, associou as coisas e a puniu, como uma forma de te fisgar. E conseguiu.
- Sim, me propondo um almoço ridículo, em um lugar ridículo, com ele, um ridículo – falei furiosa – Com a ameaça de que eu não mais veria Alice.
- Exatamente! Para ele, está claro que vocês duas...
- Estamos juntas! Por eu ter ido ao almoço e o enfrentado – conclui a fala do inspetor.
- E por qual motivo, a senhorita, solidarizou-se tanto com a Alice?
- Por gratidão pelo que ela fez no shopping. Eu poderia hoje estar com minha carreira arruinada com uma notícia de que eu furtei algo no shopping – dei de ombros.
- Sim. Tem razão! Seria desastroso – consentiu balançando a cabeça - E como é a relação da Alice com Joseph?
- Não faço ideia, senhor! Hoje ela teve alta e a levei para casa – dei de ombros - Conversamos um pouco, mas nada sobre Joseph.
- Precisamos conversar com ela!
- Não agora! – falei rápida e incisivamente - Está em recuperação e não deve se esforçar mentalmente.
- Assim que for possível, então! – ele também foi incisivo – Ela é peça fundamental. E se ainda está viva, Joseph saberá, e voltará atrás dela.
- Ele que ouse encostar nela novamente – falei furiosa entre os dentes – Dessa vez, a conversa será comigo!
O inspetor estranhou a minha fala, me olhado surpreso e com um leve sorriso nos lábios. Só de imaginar Joseph tentando chegar perto de Alice mais uma vez, me arrepiou os cabelos da nuca. Preciso e vou protegê-la. O inspetor me olhava examinando-me.
- Senhorita Laura – franziu o cenho e me olhou gentilmente – Existe algo a mais a me contar?
- Não, senhor Carlos – arqueei a sobrancelha ao lhe responder – Não tenho mais nada para lhe contar – e sorri ironicamente.
- Entendi! – ele sorriu também balançando a cabeça – Sei como são as coisas, senhorita Laura – continuou sorrindo – Os mais belos encontros, são realizados pelo acaso! – ele arqueou a sobrancelha e suspirou – Eu e meu marido que o diga!
Ele começou a andar sentido a saída, antes mesmo de eu entender o que ele quis dizer.
- A gente se fala, senhorita Laura – falou acenando e andando – Tenha cuidado.
- Inspetor! – o chamei e ele virou-se – Isso que te contei, deve permanecer em segredo!
- Sim, senhorita! Fica tranquila! Irei em busca de respostas – acenou levemente com a cabeça e foi embora.
Sentei-me à mesa e terminei a garrafa do vinho. A fala do inspetor ecoava em meus ouvidos.."Eu e meu marido que o diga" ..Eu jamais imaginei que o inspetor Carlos, fosse, gay! E ainda me disse entrelinhas que estou tendo alguma coisa com a Alice - sorri com a possibilidade – Apesar da ideia ser tentadora, não acredito ser possível. A Alice é um espírito livre, gosta de coisas opostas às que eu. Independente disso, preciso dela por perto para poder mantê-la longe de Joseph, e, começarei, a trazendo para minha empresa. Dessa forma, estará longe daquele doente, e perto de mim. Quanto mais longe dele, melhor. Trabalhará unicamente para mim. Estou disposta a cobrir todas as ofertas. E isso, não pode passar de amanhã. Quanto ao passado, ficará onde deve e irei me proteger da possibilidade de meu império ruir. Se Joseph acha que vai conseguir me expor, está muito enganado.
Imediatamente liguei para o Tom, e solicitei que deixe o contrato de prestação de serviços da Alice, pronto, para logo cedo. Amanhã será um dia interessante.
Fim do capítulo
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