Sonhando Acordada
Alice
Acordei com duas enfermeiras me chamando e abrindo as cortinas do quarto. Elas são tão gentis. Me ajudaram a levantar, deram banho e me trocaram. Apesar de não estar nada sexy nessa roupa de hospital, me sinto mais animada do que ontem. A sonda na uretra incomoda, mas nem se compara à confusão mental e a dor constante na cabeça.
Enquanto tomo o café da manhã, muito bem servido por sinal – hospital de rico é outro nível - tenho a impressão que sonhei com a Laura. Um sonho tão intenso que até parecia real, pois estou com a sensação da sua presença e do seu cheiro no ambiente.
No meu sonho, ela veio me visitar e dormiu aqui. Estava tão linda, em um conjunto esportivo de calça e agasalho verde com listras brancas. É incrível como ela consegue ficar linda e chique em qualquer roupa que vista, mas no meu sonho, ela estava demais. Meus pensamentos e lembranças estampam em meu rosto, um sorriso meio bobo.
A admiração e a paixão platônica que tenho por essa mulher, quase não é mais segredo pras pessoas do meu convívio. Onde quer que ela apareça, seja em revista, jornal, tv ou mídias sociais, é onde estará meu foco. E de repente, ter meus caminhos entrelaçados aos dela, é algo que nem nos meus maiores e insanos sonhos, cogitei acontecer.
Acho que foi ontem, não sei ao certo devido a confusão que está minha mente, que ela foi na Santa Casa me visitar. Se eu morresse naquele instante, iria para o outro plano muito feliz – meneeio a cabeça sorrindo de mim mesma – Espero não ter demonstrando tanto entusiasmo! Seria muita vergonha para uma pessoa passar.
As enfermeiras colocaram outro medicamento no soro. Explicaram que é para diminuir o edema cerebral e que logo sentirei sono – revirei os olhos – Estou no melhor hospital da capital e nem posso aproveitar a estadia? - elas riram com o que falei e se ausentaram levando a bandeja do café. Pelo visto, meu quadro clínico requer que eu fique em repouso e tenha o mínimo possível de esforço, mas só de deixarem a cabeceira levemente elevada, já transforma o ânimo.
Fecho os olhos e elevo minha mente em gratidão à Deus por ter me ajudado até aqui e por ter me presenteado com essa oportunidade de estar sendo tão bem tratada. Seja lá o que for que está reservado para minha história, estou feliz com o que já vem acontecendo. Eu poderia não ter sido socorrida a tempo, ou até mesmo ter continuado no outro hospital sem as condições necessárias para meu caso, mas estou aqui, realmente no melhor lugar que poderia estar e com mais uma chance de vida. Sinto a gratidão tomar conta do meu ser.
Quando menos espero, uma linda surpresa!! Laura abre a porta do quarto e entra. Para meu espanto, está com a roupa do meu sonho, aliás, agora começo a duvidar que foi sonho. Realmente não sei. A emoção que sinto ao vê-la, deve transparecer em meus olhos. Sinto meu coração disparar e por sorte, estou deitada, pois as pernas amolecem.
- Bom dia, bela adormecida! – ouço sua voz que penetra em minhas entranhas como uma melodia angelical. É apenas um bom dia, mas é carregado de tanto carinho que me faz sorrir antes mesmo de pensar em fazê-lo.
Minha voz ainda está meio rouca pelo sono e muito tempo sem falar. Sinto vergonha por isso. Mas nada se compara à emoção de vê-la, assim, tão de pertinho. Sinto meu rosto ruborizar e um calor se estende por todo meu corpo, ao sentir ela tocar minhas mãos.
Perdi o rumo da conversa quando, ela com um sorriso largo e encantador, fez uma brincadeira me falando que ronquei a noite e que ela dormiu aqui. Ou seja, eu não sonhei com a Laura. Minha mente que está esquisita o suficiente para não saber diferenciar sonho de realidade. Também, pudera!! Meu maior desejo sempre foi estar perto o bastante dela, e agora que estou, acredito que são desvaneios.
Externei a ela minha gratidão pelo que está se propondo a me ofertar. Não tenho condições de retribuir a tudo isso. Ela em contrapartida, me disse que também está fazendo por gratidão pelo que aconteceu no shopping. Ah! Se ela soubesse como eu amei aquele momento tenso – sorrio em pensamento – Foi um prazer defendê-la daquele brucutu do segurança do shopping. Talvez, tenha sido a única oportunidade que tive na vida, de sentir o corpo dela tão colado ao meu e sua respiração no meu pescoço. Me arrepio com a lembrança que isso me causa e a olho nos olhos. Quero conseguir transparecer isso que estou sentindo, através do meu olhar.
Não sei se é reação do remédio, mas me parece que o seu olhar, também está querendo me dizer algo. Está carregado de um mistério que me intriga. Meu coração bate ainda mais descompassado e sinto minha respiração ficar curta. Se alguém nos ver, certamente dirá que são duas mulheres se desejando. Mas isso, sem dúvida, é algo da minha cabeça levemente danificada.
Esse momento foi atrapalhado por batidas na porta. Laura, em um susto, soltou minhas mãos e sorriu timidamente. Ah! Esse sorriso me disse muitas coisas! São apenas meus pais que chegaram. Espero de coração que a tratem como ela merece e torço para que meu pai não fale nenhuma besteira.
- Laura, esses são meus pais. Fátima e João – Apresentei-os, na tentativa de tranquilizá-la pois aparenta estar muito tímida, devido segundos antes trocarmos olhares e toque nas mãos.
Ela, como sempre, sabe ser muito cordial e chique. De pronto já se apresentou, estendendo as mãos em cumprimento. Minha mãe, correu o olho pra mim e voltou para Laura. Pronto! Ela já sacou tudo! Tenho certeza!! Ela sabe do jeito que eu falo da Laura e só pelo sorriso que ela esboçou, já entendi que ela não descansará enquanto não tirar de minha pessoa, quais são minhas intenções com essa linda e poderosa mulher. Meu pai.. ah! Meu pai! – suspiro encontrando forças para não deixar transparecer meu sentimento de impotência – Mas ele já chegou sendo inconveniente, perguntando se ela é a patroa. Conheço muito bem esse tom que ele usou. Deve estar acreditando que a Laura é alguma mulher que estou tendo algum caso e que está querendo me comprar, proporcionando luxo e regalias. Preciso avisar a Laura, para não se importar com ele. Infelizmente, meu pai ainda tem muito a evoluir quando o assunto é a homofobia que ele carrega em relação à mim.
- Laura – a chamei em sussurro – Não dê bola para meu pai, por favor. Ele é um homem difícil – tentei disfarçar meu desconforto fazendo uma careta.
- Fica tranquila, Alice. Sei lidar com homens assim – me respondeu também em sussurro e nesse momento, percebi que a Laura que eu imagino, não tem nada a ver com a Laura da vida real.
Ela consegue sim, ser a mulher forte e imponente que sempre imaginei que fosse. Mas ela tem uma doçura em meio a essa força que ainda não conhecia. Seu olhar, carrega maturidade e leveza. Não posso imaginar as coisas que já vivenciou para fazer dela essa mulher admirável. Mas, agora que estou tendo a chance de estar por perto, quero e vou descobrir. Observo-a sendo tão gentil com minha mãe. Uma mulher da estirpe de Laura, tratando minha mãezinha, tão simples e com pouco vocabulário, com tanto afeto, desperta em mim, emoções que não sei descrever.
Essa mulher, é muito mais do que pensei. Minha admiração por ela, só aumenta e sinto-me transbordar de afeição e gratidão.
- Vocês duas querem parar com isso? – chamei a atenção sem querer estragar o momento – Não estou podendo com fortes emoções – e olhei para Laura, na tentativa de fazê-la entender que ela é muito, mas muito especial.
Minha mãe veio me dar um beijo e não pude deixar de perceber, que já está examinando a senhorita Veigas. Essa mulher é terrível!! Mal posso entender o que está passando em sua cabeça, a respeito de Laura. Só pelo olhar que a lançou, da cabeça aos pés, enquanto me beija sutilmente à testa, já posso imaginar. Eu que lute, depois que estivermos a sós! – sorrio internamente.
Meus pensamentos sobre o que minha mãe está pensando da Laura, foram interrompidos com a chegada da médica. Doutora Vitória Vasconcelos. Aparenta ser uma dessas médicas famosas e bem requisitadas. Com certeza, é mais um dos cuidados de Laura, já que ela entrou e foi diretamente cumprimentá-la e ainda disse que é um prazer atendê-la. Ela deve ter pedido para o Léo encontrar a melhor médica. E aqui está!
Ela me examinou nos mínimos detalhes. Cabeça, tronco e membros. Nem sabia que neurologista se preocupa com tudo isso. Vivendo e aprendendo. Estou de fato, impactada com todo o cuidado e atenção. Após me examinar, passou todo o prognóstico da minha situação.
As dores que estou sentindo é devido meu cérebro estar inchado e com a batida, que só Deus sabe onde foi, desenvolveu um coágulo. Não é fácil ouvir isso a seu respeito. No entanto, não posso deixar me abalar. Estou no melhor hospital, com uma equipe me assistindo de perto e com certeza, tudo ficará bem. Só me preocupa o tanto de dias que terei que ficar aqui em observação. Uma semana é muito tempo! Quanto a Laura gastará com tudo isso? Não posso permitir. Jamais! Que vergonha federal, dar esse trabalhão todo pra ela.
Aguardo ansiosa ela retornar ao quarto, pois foram conversar sozinhas, e preciso negociar com ela. Nem que seja para eu ir embora e voltar fazer os exames. Isso já diminuirá os custos. Estou bem, só preciso descansar. Meus pais se mostraram bastante surpresos com tudo o que a médica disse. Foram conversar baixinho na saleta e por mais que eu tente, não consigo ouvir o que falam.
Vejo a Laura retornar e vir em minha direção. Ela é mulher pra mais de metro, diria a dona Chica. Sua altura elevada deve ser pra comportar esse mulherão todo que nela habita. Sorrio ao pensar nisso, enquanto a admirando chegar até mim. Eu poderia passar o resto da minha vida, apenas a contemplando, mas, como querer não é poder, ouço sua voz suave me dizer:
- Alice, preciso ir para meu escritório... - minha vontade é segurar em suas mãos e implorar que não saia de perto. Sua presença preenche meu espírito. Tenho a impressão de que todos os lugares e situações que já presenciei, foram em busca de estar perto dela, e agora, com ela aqui, tudo se aquieta. A tranquilidade que sinto, se contradiz com o turbilhão de sentimentos e sensações que meu corpo vive. Seu olhar profundo, penetra meu corpo e percorre desde minha nuca até o cóccix, me fazendo sentir um gelo gostoso, que me arrepia inteira. Aproveito a sensação que essa troca de olhares proporciona para negociar com a super Laura, minha alta antecipada.
- Laura, você ouviu o que a médica falou. Não posso aceitar ficar aqui, por uma semana – preciso convencê-la.
- Alicee – me respondeu arqueando a sobrancelha e sua expressão ficou séria, o que a deixa ainda mais linda – Já conversamos sobre isso.
Entendi que será difícil convencer essa mulher, que está decidida a gastar sua fortuna com minha situação.
- Esse lugar é caríssimo, Laura. Eu tenho umas reservas, mas não é suficiente para todos esses dias. Não posso aceitar.
A expressão dela, fechou-se ainda mais e suspeito que a deixei brava.
- Repito, já conversamos sobre isso e não tem nada que você possa fazer.
Posso estar sendo inconveniente e até ingrata por tudo que está fazendo, mas vê-la assim, tão pertinho e toda mandona, desperta em mim, os instintos mais libidinosos. Essa mulher me desnorteia. A quanto tempo busco ser sua consultora e negociar com ela? Será que uma negociação em seu escritório, se dá dessa forma?
- Então, é assim que é negociar com Laura Veigas? – perguntei sorrindo, tentando não demonstrar meus pensamentos aquecidos por sua sagacidade – Uma via de mão única?!
Pude ver seu olhar cerrar-se e por um momento, achei que iria sorrir, mas ela não perde a pose, nunca! Levantou o queixo e me respondeu com imponência.
- Saberá como é negociar comigo, muito em breve. Eu espero! No momento, sua vida e bem estar não estão em negociação – e sorriu ao terminar a fala incisiva.
Ah se ela soubesse como mexe comigo.. Não iria propor uma negociação! Na verdade, ela já me ganhou a tempos! Mas está gostoso esse joguinho de poder.
- Agora posso conhecer de onde vem essa sua fama. Man-do-na!
Não a nada que eu possa fazer! Já entendi! Estou totalmente em suas mãos. Quisera estar, literalmente, mas nem tudo é possível.
- Não queira conhecer essa fama ainda mais de perto – me falou abaixando-se para mais perto de mim e com a voz rouca e baixa que me fez sentir o maior calafrio que já foi possível meu corpo produzir - Se tem algo que amo, é mandar e controlar, em absolutamente tu-do.
Fechei os olhos para me conter na vontade de agarrar essa mulher e lhe beijar os lábios de uma forma que ela jamais iria desejar ter o controle das situações. Respirei fundo para me concentrar em minha real situação.
- Então está bem, senhorita Veigas – mentalizei para que me colocar em meu lugar de enferma e amiga de Laura Veigas – Estarei bem aqui! Sabe onde me encontrar.
E torci com todos as minhas forças e desejos para que ela me encontre, de fato! Como mulher e sedenta de desejos por ela.
- Boa menina! Bem melhor assim.
Mas que insolente. Sorri em pensamento. Ela me causa as sensações mais descabidas a alguém em convalescença e ainda, desdenha da minha posição impotente, deixando-me ainda mais encantada por todo esse poder que ela exerce sobre mim.
- Aqui está meu cartão! Me chame para o que precisar – isso não é coisa a se dizer para mim, nesse momento.
Meus pensamentos já foram novamente para as mais improváveis necessidades a serem supridas por essa mulher. Não resisti o joguinho.
- Sim, senhorita – queria dizer mandona, mas me contive ao senhorita – Para qualquer necessidade?
Tenho ciência de que estou indo longe demais, mas ela está correspondendo a essa brincadeira de olhares e falas ambíguas. Não sei o porque, mas está.
- Sim! Qualquer necessidade! A qualquer momento!
Para que drogas e remédios, se é possível flutuar apenas com as palavras e sensações que ela causa em mim?! Mas o que não se encaixa, é o motivo de toda essa atenção a mim? Ela, controladora que está se mostrando ser, já deve saber que sou toda besta por ela e está a fim de brincar com isso.
Me estendeu seu cartão de visitas e não consegui evitar. Perguntei o por que está fazendo isso? – quero saber de verdade! Se tem alguma brincadeirinha por trás disso, saberei agora. Porém, para meu desgosto e tentativa de pés no chão, ela disse que é por gratidão pelo ocorrido no shopping. Então tá! Melhor guardar meus sentimentos e sensações para quem compartilha do mesmo que eu. E ser amiga dela, é algo difícil pra mim. Infelizmente. Eu viveria numa eterna montanha russa, com gelos no estômago e calafrios pelo corpo a todo instante. A cada olhar, cada toque nas mãos, cada passada ao meu lado que fosse possível sentir seu perfume.
Em meio a isso, ela se despediu de meus pais e dirigiu-se à porta.
Enquanto estou aqui, sob seus poderes controladores, vou aproveitar para contemplá-la em todas as suas formas. Não sei quando isso será possível novamente. E seu olhar, mais uma vez me visitou, combinando perfeitamente com seu sorriso arrebatador que me faz viajar para um mundo onde só existe eu ela. Pelo menos, os meus pensamentos, ela não tem o poder de controlar.
- Aliceeeeeeee – ouço minha mãe estalar os dedos e me chamar com expressão brava – Ow!! Alice!
Saí do transe psíquico que a Laura me faz estar, e contemplei dona Fátima, senhora minha mãe, com o cenho franzido e a mão na cintura.
- Que foi, mãe?
- Que foi, é?! Hunf! – continuava a me olhar séria – Pensa que eu não vi?
- Meu Deus, mãe! Viu o quê? – perguntei-lhe espantada.
- Não se faça de sonsa, Alice! – revirou os olhos – Você toda arrastando asa pra patroa.
Gargalhei com o que me falou.
- E eu lá sou pavão para arrastar asa, mãe? – pisquei pra ela – Só estava contemplando uma das maravilhas que Deus fez. No caso, uma maravilha que tem nome e sobrenome e, por sorte do destino, apareceu na minha vida.
Minha mãe soltou um sorriso maroto e me bateu no braço.
- Você crie juízo aí – e apontou minha cabeça – Nessa sua cachola danificada. Não se cobiça patrão, nem mulher dos outros.
- Pois então, estou liberada do castigo – sorri sapeca – Laura Veigas é solteira, e não é minha patroa.
- Como é que é?! – ela franziu a testa – Como uma mulher dessas, ainda é solteira? E se não é sua patroa, por que está fazendo tudo isso?
A expliquei sobre o ocorrido do shopping e que, segundo Veigas, está fazendo por gratidão. Estranhamos juntas, de Laura, linda e poderosa, estar solteira. Certamente, o sortudo que a terá, ainda não a encontrou.
Fim do capítulo
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