Visita Inesperada
Alice
A noite passou arrastada e recheada de insônia, apesar de todo conforto proporcionado pela hospedagem. Pela janela do quarto, vejo o sol apontar timidamente no horizonte. O telefone toca e a recepcionista me avisa que a senhorita Carol me espera no bar do hotel. Estranhei. Combinamos que ela viria, mas não tão cedo.
Apressei-me em colocar a roupa que estava na noite anterior e desci para vê-la. Reconheci minha amiga pelas costas. Estava sentada no bar, balançando a perna, inquieta.
- Oi Carol – falei tocando em seu ombro.
Sentei-me ao seu lado e levei um susto quando olhei para seu rosto e estava machucado. Ela não respondeu meu cumprimento. Apenas uma lágrima rolou do canto dos seus olhos.
- Carol, o que é isso? – a perguntei assustada, tocando em sua face.
Antes que ela pudesse me responder, surgiu atrás dela um homem branco, alto e forte. Cabeça raspada. Roupa social. Apontou com o dedo indicador para os lábios, me pedindo silêncio.
- Prontinho, docinho – falou para Carol – Já guardei o carro. Agora podemos conversar com sua amiga – e dirigiu o olhar para mim.
- Quem é você? – perguntei para ele com expressão séria – O que faz e o que fez com minha amiga?
- Shiiu!! Podemos subir para seu quarto? – arqueou a sobrancelha e dirigiu o olhar para baixo, me fazendo olhar para suas mãos que seguravam uma pistola 9mm com silenciador apontada para os rins da Carol.
Me assustei muito com o que vi. Senti minhas pernas tremerem e as mãos gelarem. Olhei para a Carol que consentia com a cabeça, quase que implorando para que subíssemos. Estava com os olhos arregalados e chorando discretamente. Prontamente me pus a andar em direção ao quarto.
Ao chegarmos onde tinha passado a noite, abri a porta e fui a primeira a entrar. Eles o habitaram logo em seguida, fechando a porta sobre si.
Quando olho para o centro do cômodo, não pude acreditar no que meus olhos contemplaram.
Sentado na poltrona ao lado da cama, ruivo como uma fogueira, olhos com olheiras roxas e nariz inchado, vestido com um terno azul marinho, camisa branca com o colarinho aberto, abotoaduras douradas nos punhos, pernas cruzadas e nas mãos uma pistola também com silenciador, estava Joseph Gordon.
Me olhava com olhar sombrio e esboçava um sorriso sarcástico. Arrepiei-me inteira ao ver aquele jovem com uma expressão nunca vista antes.
- Olá, querida! – falou-me ironicamente – Bom dia!
- O que faz aqui? – perguntei-lhe assustada – Como entrou? – olhei para os lados e cruzei o olhar com o de Carol, que chorava copiosamente.
- Essa é a sua preocupação? – sorriu debochado – Como entrei aqui? – ele falava debochando – Está vendo, Carol? Essa é a pessoa que você chama de "miga" – revirou os olhos e fez sinal de aspas, mostrando a arma em suas mãos – Sempre te achei muito mais inteligente do que isso, Alice.
Eu estava imóvel. Só conseguia sentir meu coração bater descompassadamente e minhas mãos suarem. As pernas tremiam e eu estava sem saber o que pensar, vendo Joseph à minha frente de um jeito que jamais imaginei ser possível, vê-lo.
- Não vai falar nada? Gato comeu sua língua? Ou melhor, alguma gata comeu sua língua, Alice Stromps? – perguntou-me sarcasticamente - Está difícil entender as coisas? – sorria ironicamente - Vou facilitar então, pois não tenho muito tempo. Estou com compromisso ao meio dia e terei que ser breve.
- O que você quer, Joseph? – o perguntei com a voz embargada.
Ele se levantou da poltrona e caminhou em minha direção. Sentir seu cheiro de charuto logo pela manhã, me enojou. Colocou as mãos na orelha como que ouvindo algum som e sorriu sarcasticamente.
- Isso soa como música aos meus ouvidos! Diga de novo? – pediu sorrindo.
Eu estava diante de um psicopata! Aquele não era o Joseph Gordon que eu prestara serviços de consultoria por pelo menos um ano. Ele sempre me pareceu esquisito e temperamental, mas vê-lo daquela forma, realmente me assustava. Olhei rapidamente para o lado, e Carol chorava em silêncio. Me sentia culpada pelo seu sofrimento. O capanga de Gordon, continuava em pé, atrás dela, ainda apontando a arma para suas costas. Joseph aguardava pela pergunta que queria novamente ouvir e me olhava de cima para baixo, empunhando a arma na mão direita.
- DIGA – gritou pedindo e em seguida sorrindo ironicamente.
- O que você quer, Joseph? – respondi, ainda com a voz embargada.
Ele sorriu e começou a andar calmamente pelo quarto.
- Sabe, Alice – começou a falar tranquilamente – Você é uma mulher muito inteligente e que, inclusive, ama se gabar desse adjetivo. De fato, você é. Foi por isso que te contratei como minha principal consultora – falava olhando para baixo – Mas tem horas, que parece se fazer de desentendida – me olhou nos olhos – E isso, me irrita.
Com os olhos voltados para o chão e andando calmamente, falava, como se precisasse se ouvir:
- Essa semana você falhou em sua função, de um jeito quase que imperdoável. Deixei passar. Te dei uma outra chance – voltou os olhos novamente para mim – E você, falhou mais uma vez. Só que dessa vez, Alice, você se achou superior a mim – chegou bem perto de mim – E ninguém, Alice, ouça bem – chegou mais perto – NINGUÉM – gritou a ponto se sentir sua saliva respingar em meu rosto – É superior a mim.
Andou até a Carol, e limpou suas lágrimas. Segurou seu queixo e apontou para o machucado em sua bochecha.
- Veja, Alice. Isso, foi você quem fez! – sorriu ironicamente – Isso é o que você faz, quando se acha superior a mim. Machuca as pessoas.
- Tire seus dedos imundos dela – vociferei entre os dentes
Ele sorriu sarcasticamente e a soltou. Andou até a poltrona, pegou uma mochila e tirou um envelope pardo. Abriu o pacote, tirou uma fotografia, andou até a mim e mostrou-me.
Minha mente girava e sentia a garganta seca. Reconheci o momento da foto ao ver a figura da Laura abaixada na farmácia, me ajudando a pegar as moedas do chão. Meu coração parecia que batia na cabeça. Ouvia o choro da Carol ao meu lado, que se misturava com minha respiração ofegante e o barulho dos meus dentes, que se batiam com o tremor da minha mandíbula. Olhei para os olhos de Joseph e senti nojo daquele homem. Ele me olhava com desdém e repulsa.
- Preciso ainda te lembrar do que eu quero, Alice? – me falou entre os dentes.
Uma fúria me tomou e não contive meu impulso. Atirei-me em seu corpo e o acertei no queixo. Ele revidou me esbofeteando o rosto, fazendo-me bater a cabeça na beirada da cama e cair no chão. Minha têmpora sangrava devido o corte que se fizera na batida. Tentei me levantar sozinha, e senti meus cabelos sendo puxados por suas mãos. Levantou-me a cabeça, deixando meus olhos em direção dos dele.
- Achou mesmo que dessa vez iria me vencer novamente? – sorria com sarcasmo – Eu ainda não me vinguei de sexta – e esbofeteou-me novamente o rosto. Fui ao chão mais uma vez. Senti gosto de sangue na boca e minha língua latej*v*.
A Carol me chamava e pedia para que eu parasse. Olhei em volta procurando algo que pudesse acertá-lo. Ele mais uma vez me levantou, puxando os cabelos da nuca e me jogou na cama.
- Joseph! – o chamei com sangue escorrendo da minha boca – Por que está fazendo isso? – olhei em seus olhos
- Para que você saia do meu caminho – respondeu-me pegando a arma e apontando para minha cabeça.
Levantei as mãos em sinal de rendimento.
- Pode ficar tranquilo, Joseph – falei limpando o sangue da boca e da cabeça – Não tem necessidade de tudo isso.
Ele me olhava dentro dos olhos. Sua mão estava firme e a arma estabilizada. Tive a impressão de estar olhando para uma pessoa vazia de sentimentos.
- Eu te falei que ela será minha, Alice. Custe o que custar! – falou-me entre os dentes e naquele momento, vi um sentimento de obsessão em seu olhar.
- Eu já entendi – permanecia com as mãos para cima – Agora, será que podemos conversar? – falei isso tentando limpar o sangue que escorria da minha cabeça.
Eu queria saber o que ele tinha feito com a Laura. Já estava me sentindo muito mal por estar vivenciando aquele horror junto com a Carol. Jamais me perdoaria por esse momento. Mas precisava de alguma forma garantir que terminaríamos o dia, com vida.
Ele baixou a arma e colocou nas costas. Ofereceu-me a mão para eu me levantar. Colocou a mão no bolso e tirou um lenço. Me estendeu. Eu aceitei.
Olhou para seu capanga e meneou a cabeça. No mesmo instante, este também baixou a arma e soltou a Carol que correu até mim. A abracei enquanto tentava estancar o sangue que escorria de minha têmpora.
- O que você quer conversar, Alice? – me falou calmamente olhando ao redor – Estou com o tempo apertado.
Respirei fundo e limpei o sangue da boca com a costa da mão. Apertei um pouco mais minha têmpora com o lenço que ele me oferecera, pois sangrava muito.
- Posso te propor uma trégua? – o perguntei olhando-o fixamente
- Trégua? – arqueou a sobrancelha esperando que eu continuasse
- Sim. Eu só quero e preciso continuar meu trabalho. Mas não vou duelar com você, como disse sexta-feira – propus torcendo para que ele não ficasse novamente violento.
- Desde que você não tente conquistar a Laura, faça o que quiser.
- Joseph, eu não quero conquistá-la. Você está fora de si – ri ironicamente ao falar - Acha que todas as mulheres são lésbicas?
- Seria castigo demais para mim se todas fossem – me respondeu com nojo – Mas você e a Laura eu sei que são.
Eu fiquei tão surpresa com o que acabara de ouvir que perdi totalmente o foco do que estava tentando conversar. Não fazia ideia do quanto o que ele falara era real, mas ouvir essa frase foi como fazer todas as peças de um quebra-cabeça se encaixarem. De repente, tudo fazia sentido. A fúria desse homem, a perseguição, a tentativa de me afastar. Laura.. tão linda Laura. Sempre solteira. Sozinha. Mas é lógico! Ela é toda reservada. Não dá abertura para mostrar seu lado pessoal. É isso! O jeito que me olha. Seu sorriso. Meu Deus! Mas como Joseph sabe disso? – sentia minha cabeça doer demais, mas meus pensamentos estavam a uma velocidade um tanto quanto exacerbada.
- Como diz isso com tanta propriedade, Joseph? – o perguntei abaixando a cabeça e fechando os olhos pela dor que aquele corte me fazia sentir
- Eu a observo a muito tempo, Alice – respondeu-me puxando a cadeira para sentar-se – Há muito tempo! – repetiu – Eu decidi que ela será minha e desde então, meus dias são voltados para saber tudo da sua vida..
vvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvSinto minha cabeça doer demais. Estou perdendo muito sangue. O lenço que Joseph me ofereceu já está todo enxarcado. Meus pés formigam. Ouço Joseph falar como se estivesse no corredor. Um gelo percorre meu âmago. Minhas mãos perdem a força. Meu corpo está pesado. Tento chamar por alguém. Preciso de socorro. Meus olhos se fecham.
Fim do capítulo
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