Capítulo 17

A tensão estalava, pesada, no ar entre as duas. Lianna vagarosamente se aproximou e juntou seus lábios aos de Nicole. O toque era tão leve, que a loira , de olhos fechados, só conseguia comparar a carícia tímida com o bater de asas de uma borboleta. O cheiro de Lianna, a maciez de seus lábios e a delicadeza envolvida, era quase mais do que Nicole podia suportar. Seu coração batia tão rápido que ela teve certeza que seu sangue devia ter batido algum recorde de velocidade enquanto corria por seu corpo. Pensou como podia algo tão simples ser tão poderoso, tão diferente de tudo que experimentara até aquele momento. Os sons altos da festa pareciam ter desaparecido, o chão se desvanecera, o universo havia encolhido e agora era do tamanho das duas.

Quando Lianna passou os braços por seu pescoço, imprimindo um pouco mais de pressão na boca contra a sua, foi o ponto de rompimento. Nicole pousou as mãos dos dois lados da cintura da morena, puxando-a contra si. O calor, bem vindo, aquecendo muito mais que apenas sua pele. Quando ouviu o suspiro pesado que a outra deixou escapar, não conseguiu mais se conter. Entreabrindo a boca, pediu passagem para que pudesse aprofundar o contato. No momento em que as línguas finalmente se encontraram, Nicole ouviu fogos de artifício estourarem na sua cabeça. Elas provaram-se, explorando, sentindo, o desejo assumindo, tomando total controle.

Após um tempo que não eram capazes de mensurar, lentamente foram diminuindo o ritmo.

Lianna, após um último encostar de lábios, abraçou Nicole com força, enterrando seu rosto em seu pescoço. A loira sentiu que ela sorria contra sua pele. Apertou-a o mais forte que foi possível, sentindo o coração da outra mulher bater agitado no mesmo compasso que o seu. Quando a morena finalmente se afastou para olhá-la, o mundo de Nicole parou outra vez. Os olhos cor de mel, límpidos mas ao mesmo tempo calorosos lhe encarando pareciam oferecer tantas coisas que ela não soube o que dizer. Lianna estava, se possível, ainda mais linda. O rosto afogueado, o sorriso imenso. 

A loira encostou sua testa na da outra mulher e as duas disseram ao mesmo tempo:

-"Meu Deus, o que foi isso?"

Gargalharam juntas e Nicole levantou Lianna em seus braços sentindo que poderia explodir de felicidade a qualquer momento.

*******

Manoela assistiu a toda a cena de um ponto um pouco afastado. Na mão tinha um copo de uísque. Não fazia ideia de quantos já havia tomado. Às suas costas, esfregando-se contra si, no ritmo da música, estava Bruno.

Ele dançava e beijava-lhe o pescoço. Algo que ela imaginou que lhe traria muito mais prazer do que o que estava sentindo. Por algum motivo que não entendia não conseguia desviar o olhar das duas mulheres que riam, beijavam-se e pareciam apartadas do mundo, como se somente elas existissem.

O rapaz fez a volta e se postou a sua frente. Sorriu. Tirando os longos cabelos loiros dos olhos, se inclinou e a beijou. Manoela devolveu o beijo sem pensar muito no que fazia. Colou o corpo no dele, sentindo-o forte contra si. Quando ele sussurrou em seu ouvido que queria ficar a sós com ela, prometendo prazeres indescritíveis, sua mente enevoada pelo álcool não conseguiu exprimir outra resposta que não fosse uma aceitação débil. Sorrindo aceitou a mão que ele lhe oferecia e se dirigiu à saída. No fundo da sua mente, em uma parte pouco consciente, ela se perguntava porque ainda se sentia incompleta.

Passando ao lado de Lianna e Nicole, que se encontravam próximas à porta, fez questão de colidir o ombro contra a administradora. Quando esta voltou-se para ela, a atenção da morena foi desviada para os lábios vermelhos e levemente inchados da mulher mais nova. Havia um sorriso em seu rosto. O mesmo sorriso que ela deveria ostentar agora que tinha Bruno. Mas por algum estranho motivo isso não acontecia.

-Hey, Manu! Não vai começar uma cena, vai? - Nicole segurou seu pulso, chamando sua atenção.

A voz da amiga a fez se recompor. Quadrou os ombros e deixou que a ironia enchesse sua voz.

-Foi mal, Nick! Não queria atrapalhar... - e com uma falsa nota de arrependimento, acrescentou. -Não interrompi o primeiro beijo, não é?

Nicole a encarou com olhos frios e voltando-se para Bruno, pediu.

-Cara, acho que Manoela bebeu demais, tire-a daqui antes que ela perca minha amizade além da dignidade.

O rapaz sorriu, claramente embriagado. Pegou e beijou o dorso da mão de Manoela.

-Vamos, Manu. Deixe-as em paz, vamos terminar nossa noite em um lugar mais interessante, bebê!

Antes de sair, ela ainda pode perceber o olhar cor de mel sobre si, sem, no entanto entender o que ele expressava.

*******

Lianna e Nicole ainda dançaram por mais algum tempo antes que a morena pedisse para ser levada para casa.

-Nick, você se importa se eu for embora agora? Amanhã, aliás daqui algumas horas Milena vai acordar com a corda toda! - riu. -E eu preciso dormir pelo menos um par de horas para aguentar aquela pequena força da natureza.

Nicole ia reclamar, alegando que ainda era cedo, mas lembrou que a outra morava longe e que ela falara que a tia chegaria apenas no início da tarde. Decidiu que não lhe cabia insistir que ficasse.

-Só um segundo, minha linda. Vou pegar minha jaqueta e já vamos!

-Não precisa, eu chamo um carro pelo aplicativo. A festa é sua, não pode deixar todos aqui sem sua presença...

-Pois eles que aguentem! A única presença que me importa é a sua, e se você vai embora... -encolheu os ombros. - então a festa perdeu a graça para mim.

Pegando sua mão, levou-a em direção à saída.

Faltava pouco para amanhecer quando a loira estacionou em frente ao prédio em que a outra morava. 

Com as mãos na direção, Nicole não sabia o que fazer. Várias questões duelavam dentro de si. Devia beijá-la? Convidá-la para sair domingo também? Ela a acharia muito apressada? Ficaria assustada?

Para a loira, os relacionamentos, se é que poderiam ser chamados assim, sempre foram sinônimo de encontros casuais, onde o que imperava era apenas o desejo desenfreado, não havia a menor preocupação com o futuro. Com Lianna era diferente. Não que não a desejasse. A desejava tanto que chegava a se sentir surpresa com tamanha intensidade. Mas ao mesmo tempo, poderia ficar horas, dias, anos apenas a observando sorrir. Ou melhor ainda, tentando fazer com que sorrisse.

Sua mente estava em turbilhão.

Ignorando o que se passava nos pensamentos da outra, Lianna fez um carinho suave em seu rosto e quando ela se virou, encostou os lábios nos seus.

Afastando-se, conseguiu ler a confusão nos olhos azuis. Mas também havia uma sombra de um sentimento que fez seu coração palpitar.

-Lianna, eu...

-Nicole, calma. Sou quase capaz de escutar as engrenagens do seu cérebro trabalhando e quase fundindo. -riu enquanto cutucava com o indicador a testa da loira.

-Eu sei, é que... -respirou fundo. -Eu não sei... Eu... Não quero que você pense que...

-Shhhh! É tudo muito simples, Nick. A felicidade é simples... Deixa eu te mostrar...

Dizendo isso, voltou a pressionar a boca contra a de Nicole. Um carinho imenso impresso no gesto. A mão deslizou para a nuca loira, antes que ela aprofundasse o beijo.

*******

No outro lado da cidade, em um quarto de motel luxuoso, Manoela estava deitada olhando para o teto. Ao seu lado, Bruno dormia profundamente, respirando pesado, o peito musculoso subindo e descendo de maneira cadenciada. A morena suspirou, crispando os lábios. Apoiou uma mão atrás da cabeça e com a outra puxou o lençol para cobrir o corpo ainda nu. 

O álcool no sangue não era capaz de impedir os pensamentos que insistiam em preencher sua cabeça. Passara tanto tempo desejando, cercando, buscando, quase implorando por Bruno. Mas agora que o tinha, parecia que faltava algo. Não que o sex* tenha sido ruim. Ele fora uma amante carinho e voraz na medida certa, parecera preocupado com seus desejos. Ela realmente gostara. Mas ainda assim, algo parecia errado, embora não conseguisse decidir o que era.

Fim do capítulo