Capítulo 11

Lianna não havia exagerado. Sua casa era mesmo muito longe. Onde Judas perdeu as meias, segundo Nicole. A loira olhava várias vezes para todos os lados e a morena que a observava há alguns minutos perguntou:

-Está com medo de ser assaltada?

-Não, claro que não! - a loira respondeu virando-se para olhar em seus olhos -É que não tenho migalhas!

-Como é?

-Se eu tivesse migalhas eu jogaria pelo caminho até sua casa, como João e Maria, pra marcar o caminho. Mas como eu não tenho, estou tentando decorar!

Lianna gargalhou.

-Sua chata! Eu disse que era longe, mas não se preocupe, eu lhe ensino como voltar.

-Ah, então eu acabei de roubar a professorinha da Manoela!- riu, contente. - Da próxima vez eu lhe trago uma maçã!

Lianna observou o perfil da motorista. Se sentia muito bem na companhia de Nicole, mas ainda havia uma questão que não lhe saía da cabeça.

-Nicole, posso lhe perguntar uma coisa?

-Acabou de perguntar! Mas lhe concedo mais uma de brinde!

A administradora revirou os olhos, mas havia um pequeno sorriso desenhado em seus lábios.

-Não leve a mal, mas você é amiga de Manoela... e ela não gosta muito de mim... então eu fiquei pensando... - a garota não sabia como fazer a pergunta que desejava sem ofender a outra.

-Você quer saber se eu me aproximei de você por alguma razão escusa ligada a Manoela, não é?! - perguntou séria, dividindo a atenção entre a garota que a acompanhava e o trânsito.

Lianna olhou-a agradecida por ela ter compreendido o que tencionava dizer. Nicole suspirou.

-Não, Manoela não tem nada a ver com isso. Na verdade ela nem gostou muito da ideia de eu me aproximar de você... - observou-a pelo canto dos olhos. A garota havia baixado os olhos e parecia analisar atentamente os próprios joelhos.

-Eu sei que nós recém nos conhecemos e que eu não deveria falar de uma amiga sua, mas...-suspirou - eu não consigo entender Manoela.

-Ninguém consegue, minha querida! - respondeu Nicole, apertando a mão da outra garota em um gesto reconfortante. - Não se preocupe com o que ela acha de você, ela é muito complexa e, muitas vezes, eu que a conheço desde adolescente tenho vontade de esganá-la.

-Eu tento compreender todas as pessoas, tento ver o lado delas. Fui ensinada assim, Nicole. Que todos somos iguais, que ninguém pode tratar o próximo como algo abaixo de si. Mas com Manoela eu não consigo lidar, me esforço a cada dia mais e sempre acabo saindo do controle.

-Você parece ser muito sensível, Lianna. - sorriu carinhosamente para ela. -Deixe Manoela para lá, simplesmente faça o que tem que fazer e não deixe que ela baixe o seu astral. Depois que a gente a conhece, ela é uma pessoa legal. Claro, com seus defeitos, mas todos os temos, não é?! O problema é que Manoela não é muito boa com primeiras impressões.

A loira lhe dera o mesmo conselho que sua tia. Talvez fosse melhor mesmo deixar Manoela de lado e não se preocupar em ter uma boa relação com ela. Isso ia contra todos os preceitos de Lianna, que achava que um ambiente de trabalho deveria ser um local amistoso, onde havia respeito entre todos os envolvidos. Em todos os seus estágios, sempre tivera, se não amigos, pelo menos ótimos relacionamentos com seus colegas. 

Podia sentir os olhos de Nicola sobre si.

Olhava pela janela, sempre cuidando o caminho que seguiam para poder indicar à Nicole.

-Agora estamos perto! É o próximo prédio de apartamentos na esquina.

-Aquele amarelo na outra quadra?

-Esse mesmo! -um leve sorriso brincou nos seus lábios pensando em Milena que deveria estar enchendo todos de pergunta acerca de seu paradeiro.

-Chegamos, madame! - disse Nicole enquanto parava o carro em frente ao prédio.

-Muito obrigada, Nicole! -disse sorrindo - Desculpe o incômodo!

-Incômodo nenhum! Já disse que eu estava vindo pra cá! - retrucou a outra.

-Ah, é?! Posso saber o que a senhorita veio fazer para estas bandas? - ergueu uma sobrancelha em sinal de descrença.

-Ah...eu...-olhou em volta do bairro pela janela do carro. Eu queria ir naquele bar lá naquela outra esquina!

Lianna olhou para onde a loira apontava.

-O Bar do Chicão?!

-Sim, adoro conhecer lugares novos e me indicaram muito bem aquele!

A morena riu mais uma vez da irreverência de Nicole.

-Nicole, você é uma péssima mentirosa, sabia?

-Mas consegui trazer você, não foi? Então meus objetivos foram alcançados! - deu de ombros, com uma expressão fofa no rosto.

-Muito obrigada pela noite, me diverti muito! - agradeceu, passando a mão de leve pelo ombro da loira.

Nicole sentiu um arrepio percorrer sua espinha e um frio subir pelo estômago. "Ô mulher, se controle!" - pensou.

-Que nada, eu também gostei muito! - respondeu Nicole, se sentindo um pouco nervosa, o que não era comum a sua personalidade. -Temos que repetir!

-Claro, combinamos, afinal eu estou lhe devendo! -piscou docemente. -Agora eu preciso ir. Boa noite Nicole.

-Boa noite, querida! Tenha bons sonhos.

Nicole observou enquanto a outra saía do carro e entrava rapidamente no prédio. Ligou o carro e saiu com um sorriso abobalhado no rosto.

Lianna entrou em casa e foi recebida por Milena que se jogou em seus braços.

-Li! Onde voshe tava? Maman dishe que cê já devia ter chegado!

-Hey, que educação é essa? Nem me deu boa noite! - fez um beicinho para a criança.

-Dicupa. Boa noite, Li. - respondeu a criança enlaçando o pescoço da morena com seus pequenos bracinhos e grudando a bochecha na da prima.

-Boa noite, minha princesinha. Eu demorei por que estava conversando com uma amiga, aí não percebi as horas passarem. Desculpa tá.

-Uma amica? Qual o nome dela? Ela vai entlar aqui? Ela vai blincar com  a gente?- disse a pequena olhando para a porta com os olhinhos brilhando de curiosidade.

-Não, meu amor. Ela já foi.

A criança fez um beicinho e recebeu um beijo estalado na bochecha.

-Um dia eu te levo pra conhecer ela, pode ser? - inquiriu Lianna, sentindo em seu âmago que Nicole e Milena se dariam muito bem. - Mas outro dia, se você se comportar!

-Tá! - falou jogando os bracinhos pra cima.

-Agora vamos jantar para ficarmos fortes, minha linda! - chamou, enquanto se dirigia para a cozinha de onde já podia sentir o cheiro do tempero da comida da tia.

Fim do capítulo