Capítulo 7

Depois da visita ao hotel, quando finalmente voltaram ao escritório já estava no fim do expediente. Manoela pegou sua bolsa e saiu, sem ao menos se despedir das duas outras mulheres.

-Você já vai, Lianna? - perguntou-lhe Graça.

-Não, vou ficar mais um tempinho, minha tia me avisou que vai demorar um pouco ainda para sair de seu turno e eu vou esperar para ir com ela. - sorriu

-Ah, está certo! Eu estou indo então. Boa noite e até amanhã. - retribuiu o sorriso, era impossível resistir a doçura que a outra exalava.

-Bom descanço!. Nos vemos pela manhã. - disse voltando a atenção aos apontamentos que fazia em seu laptop.

Algum tempo depois, Lianna ergueu a cabeça e passou a mão direita pelo pescoço, se espreguiçando levemente. Olhou no relógio e deduziu que sua tia já devia ter terminado seu turno. Desligou o notebook, colocou-o na pasta, saiu e fechou a porta.

Preferiu descer pela escada, não se sentia muito a vontade em elevadores e outros lugares fechados.

*******

Manoela entrou no carro de Nicole antes que ela tivesse a chance de descer do mesmo. A outra a olhou chateada.

-Que foi? -perguntou enquanto dava um beijo na bochecha da amiga.

-Eu ia lhe buscar lá dentro, Manoela.

-Por que? - Manoela olhou-a desconfiada.

Nicole revirou os olhos e respondeu:

-Por que eu queria ver a sua 'chefinha', gênio!

-Pois então vá, ela ficou lá enterrada em cálculos e não sei mais o quê, garanto que não faz nada na vida além de trabalhar...coisinha mais sem graça - disse contrariada.

-Vai se engasgar com tanto veneno, Manu! - riu-se - Acho que não vou atrapalhar minha doce trabalhadora! Você falou algo sobre mim a ela?

A filha da dona do hotel ficou espantada com o quão afoita sua amiga estava, fazia tempo que não a via tão motivada por alguém.

-Não. Já lhe disse que não fico de conversinhas com ela. Aliás, só de ouvir sua voz já lembro do suplício pelo qual passarei durante o ano...

Como resposta, recebeu apenas um bufar e um franzir de lábios da amiga.

-Vamos logo para aquela festa, antes que você acabe como meu bom humor Manoela Alcântara. - disse por fim, arrancando com o carro.

Manoela apenas sorriu em antecipação.

*******

Dona Suzane e Lianna chegaram em casa após 2h entre os vários transportes que tiveram que tomar. Assim que abriram a porta, Lianna foi surpreendida pela pequena menina de cabelos negros que se jogou em seu colo.

-Boa noite minha princesinha! - disse sorrindo para a menina que a olhava com grandes olhos cinzentos.

-Noiti Li. Sinti shaudadis. Quelia ocê cumigu di taidi. - disse a garota, agarrada ao pescoço da prima.

-Queria você comigo de tarde, querida! - Lianna corrigiu-a amorosamente.

-Cê tamém me quelia! Que bom! - deu um beijo estalado na bochecha da moça.

-E eu? Ninguém sentiu minha falta? - reclamou Suzana, com falsa tristeza.

-Clalo Maman! - disse se jogando no colo da mãe.

-Assim está melhor! - disse Suzana a beijando para em seguida colocá-la no chão. - Vá com Lianna se arrumar pra o jantar que eu vou falar com Fernanda, para ver se a Senhorita se comportou...

A menina deu um enorme sorriso para a mulher mais velha e deu a mão para a prima seguindo-a até seu quarto.

Neste momento, uma jovem entrou na sala, limpando as mãos em um guardanapo.

-Boa Noite, Dona Suzana!

-Boa Noite, Fernanda! Como passou o dia? Nosso furacãozinho deu muito trabalho?

-Ela estava um pouco agitada, perguntando por Lianna, mas eu levei-a para brincar com Luana e ela se acalmou um pouco. Só agora a noite que choramingou um pouco para que eu fizesse macarrão com queijo dizendo que Lianna gostava...

-Ela e sua filha se dão muito bem, não é?! Igual a você e minha sobrinha quando pequenas. Fico feliz com isso! Às vezes acho que não tenho mais idade para criar outra criança... Tenho sorte por ter você e Lianna me ajudando! - disse a mulher mais velha seguindo a moça até a pequena cozinha do apartamento.

-Que nada, Dona Suzana! Tanto Milena quanto Lianna tem sorte por tê-la como mãe, ainda que não de sangue! - disse a jovem, escorada na porta - E quanto a minha ajuda, sou muito bem recompensada! - riu

-Nem tanto, em outra casa ganharia mais! - retrucou Suzana

-Que isso?! Cresci com Lianna e a considero como uma segunda mãe, Dona Suzana. Agora vou lá em casa ver minha filha. Se bem a conheço deve ter dado um cansaço em Laura na hora do banho! As duas mais fazem bagunça que qualquer outra coisa, ainda não descobri quem é mais criança... Boa noite. - disse abraçando a senhora que já arrumava a mesa do jantar.

-Tenha bons sonhos, querida! E mande um beijo para Luana e para sua esposa também!

-Pode deixar! - falou a jovem acenando ao sair do apartamento.

Alguns minutos depois Lianna entrou na cozinha com a prima no colo.

-Quem vai comer macarrão? - perguntou à criança

-Milena! - gritou a pequena jogando os bracinhos para cima - Eu pedi pala Fê faze macalão di quezo puque cê gosta Li!

-Eu adoro macarrão com queijo, minha lindinha! Mas sabe o que eu gosto mais?

-O tê? - perguntou a menina

-Uma certa meninazinha sapeca chamada Milena! - respondeu fazendo cócegas na prima enquanto a colocava na cadeira para começarem a comer.

Suzana riu das duas e interiormente agradeceu a Deus por sua família que só lhe dava alegrias.

O jantar transcorreu calmo, com Lianna contando à tia a tarde atarefada que tivera e as duas sendo indagadas pela menina que queria saber de tudo que as mulheres mais velhas falavam.

-Adoro meu emprego, tia. É cansativo, mas me sinto completamente realizada.

-Que bom, Linna. Depois de todos os seus esforços, é bom saber que está alcançando seus objetivos. - disse a tia - E a Srta. Manoela, como ela se saiu?

-Manoela é um caso a parte, tia. - externou a moça, mexendo um resto de macarrão no prato - Ela não parece interessada no trabalho e, por algum motivo parece nutrir uma antipatia gratuita por mim.

-Você fez algo para ela?

-Não. Quer dizer, houve o incidente do corredor que lhe contei ontem. - disse, corando -Mas ficou óbvio que foi um acidente, me desculpei na hora e não acho que seja motivo suficiente para ela me tratar mal.

-Bom, Lianna, na vida nem todos vão gostar da gente, alguns sem motivo algum. E a Srta. Manoela é uma jovem criada no luxo, tendo tudo nas mãos. Para ela os empregados, são só isso, pessoas para dar-lhe o que quer que ela queira. Nunca a vi sorrir para um único funcionário, nem mesmo cumprimentá-los. Imagine o choque que foi para ela saber que você, sobrinha de uma camareira, trabalharia com ela e ainda seria sua preceptora?!

-Você sempre me ensinou que todos somos iguais e que não devemos julgar ninguém. Dona Maria Isabel não parece ser do tipo mesquinho, muito pelo contrário, se mostra sempre muito atenciosa com todos.

-Sim, Maria Isabel é diferente. Mas ela veio de baixo, ela sabe o quanto precisa das pessoas e reconhece que sem elas não teria chegado onde está. Ela é uma ótima pessoa e várias vezes me falou que já tentou mudar o jeito de pensar de sua filha, mas nunca funcionou.

-Pois é, tia, não entendo Manoela, mas a respeito como faço com todos. Não vou deixar que ela estrague o meu emprego dos sonhos. Se ela antipatizou comigo, não há nada que eu possa fazer, não é?! Vou seguir fazendo o meu trabalho da melhor maneira que puder. 

-Isto mesmo, querida. O que importa é você estar feliz no seu trabalho, fazê-lo bem feito. De resto, trate-a bem, uma hora ela vai perceber que você é uma boa pessoa ou, se não perceber, é ela quem perde! - piscou-lhe a tia e recebeu um sorriso da sobrinha.

-Agora vou levar esta mocinha que já está dormindo e babando sobre a mesa. - disse Suzana, apontando com um gesto de cabeça a criança que dormia com o rosto apoiado na mesa.

-Deixa que eu levo, tia. - pediu Lianna

-Tudo bem, vou lavar a louça então.

-Certo, acho que vou tomar um banho e dormir também. - disse a outra pegando a garotinha, que agarrou-se em seu pescoço e escorou a cabeça em seu ombro.

-Vá, meu anjo. Boa noite. - disse a mulher mais velha beijando as duas.

Lianna levou e menina até o quarto e deitou-a na cama. Quando largou-a, no entanto, Milena acordou e pediu num tom dengoso e sonolento.

-Conta uma itólia pa mim, Li!

-Como se diz?

-Pu favoi!

-Ok, qual você quer? - respondeu sentando ao lado da criança, afagando-lhe os espessos cabelos negros.

-A da pincesa e do shapo.

-Ok. Era uma vez uma linda princesa, chamada...

-Milena - a garotinha completou, olhando-a ansiosa.

-Era uma vez uma linda princesa chamada Milena. Ela vivia em um lindo castelo em um mundo encantado de fadas e fantasias... - Lianna prossegiu com a estória até perceber que a pequena adormecera. Então a cobriu, beijando sua testa e murmurando baixinho. -Boa noite, minha princesinha!

Saiu do quarto o mais silenciosamente que consegui e dirigiu-se para o seu próprio quarto aprontar-se para dormir.

*******

Algumas horas depois, Nicole arrastava uma trôpega Manoela para seu quarto no hotel.

-Chegamos, seu gambá bêbado! - disse rindo da amiga quando jogou-a no sofá e esta se virou, abraçando uma almofada de forma sonolenta.

-Eu não sou...um gam...bá! - respondeu Manoela, engrolando um pouco a voz ao responder.

-Certo, não vou mais ofender o pobre animal. - disse a amiga - Acho que você não deveria ter bebido tanto, daqui algumas horas você tem que levantar, vai estar com uma ressaca daquelas.

-Não podia dei...xar que Bruno achasse que... sou fraca com bebida. - resmungou Manoela, sentando-se e apoiando a cabeça nas mãos.

-Ah, claro, ele não vai achar, ainda mais depois que você caiu na piscina e vomitou nos sapatos dele!

-Pare de me lembrar da minha vergonha, Nick. Você como uma boa amiga devia me...consolar. Ele não vai querer mais nada comigo agora. - choramingou.

-Olha só, Manu. Espere o porre passar e fale com ele. Vocês estão nesse flerte há tempos. Talvez nada tenha se perdido. Apesar de você ter ficado com o irmão dele na festa anterior e ter dado este vexame agora... - disse Nicole abraçando a amiga. - Agora vamos, vou te colocar no chuveiro e depois você vai dormir.

-Dorme comigo? Por favor?

-Claro, Manu. Mas não me venha com segundas intenções! - brincou Nicole.

-Engraçadinha! - resmungou Manoela enquanto era carregada por sua amiga para o banheiro. -Anda dormindo com o palhaço Carequinha, é?

-Não verdade não, mas já não garanto nada em relação à Vovó Mafalda! - piscou, antes de abrir o chuveiro e jogar a amiga embaixo da água congelante.

Fim do capítulo