Capitulo 5
Capítulo 5
Manoela bufou, quadrou os ombros, deu meia volta e saiu do escritório. "Pois que coloque o que quiser no relatório, puxa-saco!"- pensou.
Graça observou-a sair pisando duro. Balançou a cabeça, recolheu algumas pastas que haviam ficado sobre a sua mesa e dirigiu-se à sala de Lianna. Bateu duas vezes na porta e entrou. Ela estava sentada, com os cotovelos apoiados na mesa, as mãos escondendo o rosto. Suspirou profundamente e deu um pequeno sorriso para Graça. A secretária decidiu que gostava dela. Era uma garota batalhadora (acompanhava sua vida acadêmica para poder informar a dona do hotel), mas ainda assim doce e simpática. A impressão que ela passara ao colocar Manoela no seu devido lugar, foi boa, afinal demonstrava o pulso que tinha.
Maria Isabel seria atualizada acerca disso.
-Srta. Lianna, quer recomeçar a avaliar os balancetes deixados pelo último administrador?
-Pode me chamar só de Lianna, Graça. - sorriu - Podemos começar sim... Manoela... -deixou subentendida a pergunta.
-Foi embora. - foi a resposta rápida da secretária.
-Ok, não podemos fazer nada quanto a isso. - disse dando uma olhadinha para a mesa da outra, que estava vazia do outro lado da sala. - Vamos trabalhar então!
*******
Manoela se jogou no sofá da sala, discando rapidamente o número de Nicole. Estava feliz por Marlene não estar mais na suíte, pois senão teria que aturar suas perguntas sobre o porque de não estar trabalhando. Revirou os olhos em uma expressão de enfado. O telefone tocou várias vezes antes de cair na caixa postal, provavelmente Nicole ainda estava dormindo.
Abriu o frigobar, pegou uma garrafa de água e foi até a sacada, escorando-se no parapeito observando a cidade. Dali onde estava podia ver a multidão que se movia na rua abaixo, àquela hora da manhã, indo para o trabalho, escola ou simplesmente cuidando da sua vida. Apertou os lábios. Não se recordava da última vez que levantara tão cedo e agora, no entanto, teria que se tornar um hábito. Não se lembrava de quanto tempo tinha sido estipulado por sua mãe. "Um ano talvez..."-pensou, bebericando a água. Virou-se apoiando os cotovelos na guarda da sacada e observou a sala de sua suíte através das portas de vidro.
Foi despertada de seus pensamentos pelo toque súbito do celular. Olhou o visor, era Nicole.
-Bom dia, linda! - atendeu.
-Caiu da cama, Manu?! - disse a outra com a voz sonolenta. - Isso são horas de ligar para alguém? Eu estou de férias, mulher?! Acordei com o toque e fiquei esperando você retornar, como não retornou, tive que fazer o sacrifício. - Manoela pode sentir que a outra sorria levemente.
-Ai, Nick, precisava desabafar, nem me dei conta da hora quando te liguei. - falou fazendo um beicinho, sabendo que a outra poderia perceber apesar da distância.
-Tudo bem, meu amor, desabafe, titia Nicole te escuta! - riu.
Manoela sorriu sempre se surpreendendo com o bom humor habitual da amiga pela manhã.
-Lembra do trabalho que minha mãe me forçou? - perguntou, olhando os pés que traçavam um semicírculo nervoso no tapete - Comecei hoje.
-E pela sua vozinha, não foi muito bem...- concluiu Nicole - Eu te falei que não devíamos ter saído ontem, a boate podia esperar.
-Ah, não, Nick. Mamãe já quer me escravizar, não vou deixar que acabe com as minhas diversões também. - deu uma ligeira pausa e em seguida despejou o que tinha acontecido.
Nicole ouviu atentamente. Gostava muito de Manoela. Talvez até mais do que devia ou era saudável para as duas. No entanto, sabia que o gênio da amiga raramente ajudava nas suas decisões. Poucos sabiam, mas no fundo, muito no fundo mesmo, quase achando petróleo, Manoela era uma ótima pessoa e amiga apesar de parecer o contrário. Deu de ombros.
-Manu, você se deu conta que não foi uma boa ideia desafiar a sua mãe logo no primeiro dia, não é? - disse incisiva e ouviu a outra resmungar algo ininteligível do outro lado da linha.
-Agora que ela viu que você não está disposta a cooperar facilmente, o que eu duvido muito que ela acreditasse, vai marcar ainda mais em cima. Só o fato de você não estar no escritório agora já vai enfurecê-la e, pode tornar tudo pior para você no final das contas.
Manoela fez um muxoxo, sabia que Nicole estava certa. Provavelmente sua falta seria apontada no primeiro relatório enviado à sua mãe. E ela não poderia dizer qual seria a reação de Dona Maria Isabel quanto à isso. Era, quase certo que não seria agradável.
-Eu sei, Nick. - disse, infeliz. - Mas não sei quanto tempo vou aguentar. Imagine eu, recebendo ordens da sobrinha de uma camareira e ainda tendo minha mãe em cima de mim todo dia, como um cão farejador.
Nicole estremeceu com o preconceito da amiga. Isso, sem dúvida era o que mais a irritava nela. Lembrou-se da reação da amiga ao saber que seu pai era porteiro antes de casar com sua mãe, uma grande empresária da área da construção civil. Manoela não disse nada, mas em seu rosto estava estampada a clara aversão pela origem humilde de seu pai. E então nunca mais tocaram no assunto.
-Olha só, Manoela, você só tem duas opções, ou se sujeita a trabalhar este tempo que sua mãe pediu e garante a sua boa vida atual ou então, você vai ter que trabalhar mesmo, para se sustentar. - disse firme. - Se tiver que trabalhar em outro lugar, mesmo usando o nome de sua família, não tenha dúvidas de que será muito mais cansativo e menos recompensador monetariamente falando. Pelo menos você já conhece o jeito de sua mãe e seus hábitos, um chefe novo seria muito mais exigente.
Manoela sentiu que a amiga ficara chateada. Nicole e a sua mãe partilhavam as mesmas ideias bobas de que todos eram iguais e todo aquele blablablá. Não concordava com a ideia de que sua mãe pegaria mais leve com ela por ser sua filha, pelo contrário. Mas tinha que admitir que Nicole tinha razão, se não quisesse perder tudo que tinha, teria que se sujeitar. Pressionou os lábios formando uma linha dura.
Nicole esperou que a amiga digerisse o que tinha lhe dito. Passaram-se alguns segundo antes que a ouvisse responder.
-Pois é... - disse vencida. - Acho que não tenho muitas escolhas, não é? Mas não vou voltar agora, só à tarde. Preciso me desestressar... o que acha de fazermos umas compras? - pediu esperançosa
-Ai, Manu, o que você pede sorrindo que eu não faço chorando? - riu, apesar dos pesares adorava a companhia de Manoela. - Já vou direto pro banho, você me pega?
-Claro, linda. Chego aí em 30 minutos. Beijo. - desligou.
*******
Lianna passou toda a manhã estudando balancetes, gráficos e curvas deixados por Pacheco, o último administrador do hotel. Ele era um administrador à moda antiga e havia se aposentado para cuidar da saúde. Ainda faltava mais da metade das pastas e já passava do meio dia. Resolveu descer e ver se sua tia já almoçara, caso contrário podiam aproveitar um tempinho juntas.
Suzana estava na lavanderia, ainda faltavam 10 minutos para a sua hora de almoço. Lianna pediu para ajudá-la a passar um pouco das roupas que ainda faltavam, no entanto a oferta foi declinada pela tia, que alegou que não era correto a responsável administrativa do hotel ficar passando toalhas e lençóis. A garota só pode suspirar e esperar que a tia terminasse o serviço.
Saíram e a sobrinha decidiu levar a tia a um restaurante perto do hotel, ignorando as reclamações de que seria muito caro.
-Tia, pelo menos uma vez na vida, podemos ser displicentes e gastar um pouco. Será só hoje, uma comemoração, está bem? - pediu.
Suzana observou os olhos brilhantes da sobrinha e resolveu ceder, no entanto decidiu que pediria o que fosse mais barato.
Entraram no restaurante e o metre levou-as para uma mesa em frente a uma grande janela que fornecia uma vista panorâmica do jardim. Lianna absorveu toda a beleza do lugar: as paredes de cor sóbria, a decoração harmoniosa, o clima tranquilo do local a preencheu.
-Sabe, tia Suzana, estou muito feliz que esteja aqui. É muito importante pra mim poder dividir este momento com a pessoa que eu mais amo no mundo. - sorriu docemente. -Nem acredito que consegui, tia.
A tia olhou-a, sorriu e pegou sua mão por sobre a mesa.
-Eu que estou muito feliz, querida. Eu sempre lhe disse que poderia conseguir o que quisesse desde que se esforçasse e fosse honesta. Você não imagina o orgulho que sinto de você!
-Devo tudo a senhora, tia. Você que todos estes anos foi meu pai e minha mãe. Me cuidou, incentivou, puxou orelha quando precisei. - riu lembrando a infância - Tudo o que sou, é graças a você.
-Não, minha filha. Eu lhe incentivei, lhe cuidei com amor e, você sabe que a considero tanto quanto uma filha nascida do meu próprio corpo. Mas não deve se esquecer que, seus estudos foram custeados por Maria Isabel, deve muito a ela. Tem que lembrar-se sempre disso, gratidão é uma grande qualidade, Lianna.
A administradora assentiu. Gratidão foi um dos valores que a tia havia lhe ensinado. Sabia que a tia e a dona do hotel haviam sido colegas e muito amigas, porém Suzana nunca aceitara que isto lhe favorecesse em seu trabalho. Os degraus que galgou dentro do hotel até chegar a segunda camareira, foram com seu próprio esforço e suor. E só não era primeira camareira, pois o cargo era carinhosamente cativo da Sra. Marlene. Marlene era amiga da família de Maria Isabel desde que a mesma era jovem. Cuidara da própria Maria Isabel e agora era uma espécie de governanta de Manoela. A tia lhe contara que ela ajudou a criar a filha da dona do hotel, era da família quase, mas não aceitava não fazer parte do quadro de funcionários. O comando das demais camareiras ficava todo a cargo de sua tia. Admirava muito isso nela. A única coisa que aceitou de Maria Isabel, fora a ajuda com os estudos da sobrinha, mas somente após ser convencida pela amiga de que isto seria em benefício não só da garota. A dona do hotel explicou-lhe que precisava de alguém de confiança e que conhecesse a rotina do empreendimento, então nada mais justo que, se Lianna queria seguir administração e hotelaria, Maria Isabel a ajudasse com os estudos para depois tê-la como funcionária.
E agora ela estava ali, pronta para começar realmente sua vida, com a carreira que escolhera e o melhor local da cidade na área que se especializara. Sorriu, apesar da manhã cansativa, se sentia realizada. Havia muito o que fazer, e a perspectiva disso a deixa extasiada.
O garçom trouxe o cardápio, elas escolheram e fiaram conversando amenidades enquanto aguardavam. Após alguns minutos, Lianna teve a sensação de que era observada. Olhou ao redor e viu uma bonita moça loira do outro lado do salão que a observava curiosamente.
A desconhecida sorriu-lhe e levantou uma taça de vinho em sua direção como um cumprimento. Lianna perguntou-se se a conhecia. Estava quase certa de que nunca a vira, lembraria de alguém com uma beleza tão excepcional. Era loira, com os cabelos levemente cacheados chegando até os ombros. O rosto anguloso na medida certa para não perder a feminilidade, boca rosada e cheia e incríveis olhos que, a distância, pareciam cinzentos.
Sorriu em resposta para a desconhecida simpática e assentiu com a cabeça. Se a conhecia, com certeza, mais cedo ou mais tarde se lembraria.
*******
Manoela e Nicole entraram no restaurante em meio a risadas. Manoela sentia-se mais calma com a companhia da amiga. Ambas haviam passado horas percorrendo as melhores lojas do shopping e haviam comprado bastantes coisas.
Manoela queria almoçar em algum dos restaurantes do shopping, como de costume, mas Nicole insistiu que fossem a um restaurante próximo ao hotel, queria se certificar de que a outra iria ao trabalho no turno da tarde.
Chegaram uns minutos antes do meio dia. Nicole escolheu um lugar em frente a uma janela em um dos cantos do grande salão, entretanto, sentou-se de costas para o grande vitral, com Manoela à sua frente, de costas para o salão. Manola escolheu alguns coquetéis e Nicole pediu o melhor vinho da casa. Conversavam animadamente combinando o que fariam no fim de semana.
Pouco tempo depois, Manoela viu o olhar da amiga fixar-se. Ela obviamente observava alguém que entrava no restaurante, quando intencionou virar-se e ver quem era o alvo do olhar persistente da amiga, esta interrompeu-a:
-Não. Não olhe agora, deixe eu fazer minha mágica! - disse piscando.
Manoela sorriu e fez como Nicole pedira. Ela era incorrigível e provavelmente tinha localizado sua próxima presa. A conhecia desde o tempo da escola e sabia que ela não descansaria até conseguir o que queria. Embora estivesse curiosa, deixou que a amiga se divertisse.
Viu quando ela fez um sinal com a taça de vinho e lançou um sorriso absolutamente predador.
Um brilho de prazer passou por seus olhos e ela confessou para a amiga.
-Acho que me apaixonei, Manu!
-Você se apaixona toda a semana, Nick. - observou Manoela -Não me surpreende mais. -riu
-Não seja boba! Sinto algo diferente aqui! - Nicole falou tocando teatralmente no peito. - Não, não olhe, Manu! Não quero concorrência! - disse séria, mas seu olhar era divertido.
"Aff" - pensou Manoela para em seguida lembrar quem encontraria no fim de semana na festa que Nicole organizaria. Sorriu.
Prestou atenção quando a amiga chamou o garçom e cochichou algo em seu ouvido.
-O truque do drink? - perguntou erguendo a sobrancelha esquerda. - Ah, isso é tão cafona, Nick.
-Pode até ser, meu amor, mas sempre funciona. - disse lançando-lhe uma piscadela.
Nicole parecia extasiada observando o garçom ir cumprir a missão que lhe fora dada. Manoela tinha prometido não olhar ainda quem era o alvo da paquera da amiga, mas aproveitou para observar pelo reflexo da vidraça. Não podia distinguir os rostos, mas pode pelo menos perceber que o garçom se dirigiu para uma mesa no canto oposto do salão onde havia duas pessoas sentadas. O garçom conversou com uma delas, para em seguida se retirar e vir em sua direção. Nicole tinha um olhar perplexo no rosto. O garçom parou em frente a ela e Manoela pode ver que o drink avermelhado que Nicole escolhera ainda estava na bandeja.
-Srta. Linhares, a Srta. da outra mesa recusou o drink. Alegou que não bebe nada alcoólico, mas pediu que eu lhe agradecesse a gentileza. E... - pensou um pouco e Manoela percebeu que ele era novo naquele restaurante. Conhecia a maioria dos garçons do local, pois sua mãe sempre almoçava ali quando estava na cidade. - Ah, sim... pediu que eu me desculpasse com a Srta., pois ela não recorda de onde a conhece, mas desejou-lhe um ótimo dia. - sorriu. -Posso ajudar em algo mais Srta.?
Nicole dispensou-o agradecendo.
Manoela estava tão surpresa quanto Nicole. Ninguém nunca recusara a amiga. A garota tinha uma aura que parecia atrair a todos ao seu redor.
-Parece que o truque nem sempre funciona, Nick. - disse sorrindo e terminando seu coquetel. A cara de perplexidade da loira estava impagável.
-Ainda não terminou, Manu. - disse séria. - Sou persistente, você sabe. Há muitos truques que posso usar... Oh, ela está indo embora.
Manoela virou-se antes que Nicole pudesse impedi-la. Na mesa do outro lado do salão havia duas mulheres conversando com o metre. Uma delas era uma senhora rechonchuda, com os cabelos já grisalhos presos em um coque muito bem alinhado. A outra pessoa, a que recebeu a atenção de sua amiga, fez com que Manoela arregalasse os olhos em espanto, consternação e descrença. A garota tinha os cabelos castanhos caindo em ondas suaves ao redor do rosto e se escondendo abaixo dos ombros, a pele bronzeada, curvas que eram percebidas mesmo por baixo do terninho escuro, um enorme sorriso na face e olhos cor de mel. Grandes, brilhantes e inteligentes olhos cor de mel.
Manoela engoliu em seco e virou-se depressa para encarar Nicole.
-Você está brincando não é? Não pode escolher ela... - disse sem acreditar.
Nicole a olhou curiosa, seus olhos a perscrutando.
-E porque não, Manu?
-É ela a minha "chefe", Nick. Vulgo, a garota que a minha mãe escolheu para infernizar a minha vida.
Fim do capítulo
E agora? Alguma aposta?
Comentar este capítulo:
paulaOliveira
Em: 06/01/2022
Autora não me faça shippar Lianna com Nick pra depois colocar a embuste da Manoela no meio.
Resposta do autor:
Não posso prometer nada :D kkkkk
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