Excelente leitura tigresas!
Beijinhos.
Capitulo 3
“Perder dói! Não adianta dizer não sofra, não chore...” (Lya Luft)
Madu
Saímos do Aeroporto direto pra o Jardim da Saudade, cemitério onde seria o sepultamento do Jau. A filha dele se recusou a sentar-se na frente comigo no carro. Abri a porta da frente, ela ignorou-me e sentou-se atrás.
_ Ok, madame... Vou de chofer pra você! – revirei os olhos murmurando irritada e batendo a porta que gentilmente abrira para a mequetrefe [1]– Seja como quiser!
Durante todo trajeto ela não abriu a boca. Colocou óculos imensos e toda vez que eu olhava pelo retrovisor interno, ela focava alheia pra fora.
Pude observá-la discretamente enquanto dirigia. Provavelmente puxara sua genitora, pois do Jacques só possuía os olhos azuis. Não era loura como ele e era minúscula, enquanto o pai era menor que eu bobagem.
_ Quer passar em casa antes ou podemos ir pra o... – engoli em seco antes de completar – para o cemitério?
_ Cemitério! – sua voz saiu seca – Não percamos tempo.
Fiquei irritada com a aparente frieza que a outra estava tratando o falecimento do pai. Certo que eles não tinham contato há anos... Mas, era sangue dela, poxa. Ele errara, mas era seu pai!
Eu estava estraçalhada por dentro. Voltei a pensar naquela manhã fatídica do acidente...
_ Plíniooooooo diz que é mentira! – agarrei-o sacudindo em meio aos soluços de dor – Não é possível isso...
Ele me abraçou e me conduziu pra dentro do apartamento colocando-me sentada no sofá enquanto corria pra cozinha buscando um copo com água na tentativa de me acalmar.
Inconsolável, tomei a água.
_ Como aconteceu? – perguntei depois de longos minutos de silêncio tentando digerir aquela notícia horrível – Quando aconteceu?
_ Ficamos até as quatro da madrugada na boate e nos dispersamos. Pedi o taxi pra ele e a garota que o acompanhava e os coloquei nele. Voltei pra acertar a conta e saí logo em seguida. Quando cheguei perto da transversal que dá pra o bairro da Amaralina, ouvi um grande estrondo e vi que na frente ocorrera um acidente entre um caminhão e um taxi. Parei para tentar ajudar e percebi que o carro debaixo do caminhão fora o que colocara o Jacques... Ninguém sobreviveu. O motorista do caminhão disse que perdeu a direção e deu de frente com o taxi. – Plínio suspirou angustiado vendo minha dor – Sinto muito Madu! Ele não sofreu, os paramédicos disseram que todos tiveram morte instantânea.
Meus olhos inundaram de lágrimas.
Jacques pareceu sentir que morreria naquele dia! Estava nostálgico...
_ Será que tive culpa? Se tivesse deixado as chaves do seu carro com ele, o acidente teria sido evitado?! Porque isso tinha que acontecer? Estávamos tão alegres... – Minha cabeça fervilhava de suposições!
_ Madu precisamos providenciar tudo, avisar a parentela dele! – disse Plínio baixinho – Você precisa ser forte... Ele, certamente esperava que você cuidasse disto.
Atordoada, olhei para Plínio sem entender direito.
_ Providenciar? – meio aérea – O quê?
_ Er... – pigarreou constrangido – o sepultamento... Teremos que embalsamar o corpo pra poder aguentar até a chegada das filhas dele. Teremos que também auxiliar as famílias do motorista do taxi e da moça que o acompanhava. E... A imprensa está toda aí na porta, esperando um informe. Cabe a você tomar as rédeas.
Passei as mãos nos cabelos em pleno desespero. Tudo que eu queria era correr pra meu amigo, abraçar seu corpo e chorar sobre ele a minha dor, minha saudade. Porém, como Plínio acenou, tinham providências urgentes precisando ser tomadas! Seria eu a executá-las.
Reprimi minha voz de choro e fui resolver todas as pendências. Encaminhei-me ao necrotério para realizar o reconhecimento do corpo.
Ali me deram alguns minutos com o corpo. Jau parecia estar dormindo, tinha o rosto machucado, mas parecia dormir. Segurei-lhe as mãos e chorei... Gritei de dor! Perdia ali a única família verdadeira que já tive na vida!
_ Não tenho mais ninguém, pai! – solucei de dor – Você partiu e me deixou só! Que vou fazer? Meu pouco riso morreu contigo. De volta à solidão e a tristeza. Agradeço por ter me acolhido quando os meus nunca o fizeram... Sou grata por cada dia destes 20 anos em que entrou na minha vida e deu sentido a ela. Que bom que me fez sua filha, sua família! Só eu ganhei...
Beijei-o na testa mais uma vez e saí dali arrasada. Sabia que quando sua família chegasse não teria, talvez, esta oportunidade de lhe “falar” em particular, lhe agradecer o presente imenso que foi na minha solitária vida.
Mais uma vez me era retirada a chance de pertencer a alguém; a algum lugar!
_ Senhorita! Jean-Fesse[2]!!! – a voz de Eloise me fez retornar ao presente – Caso não tenha percebido, o sinal abriu e seus colegas de pista estão a ponto de nos linchar se você não arrastar este automóvel.
_ Droga! – enfiei a cabeça pela janela e detonei a pleno pulmões – Passa por cima, sua cambada[3].
E pra completar soltei uma grande banana pra todos, arrastando o carro em meio a buzinadas irritadas.
_ É o que me faltava! Tão com pressinha é?! Que passem por cima! Lote de mequetrefes disgramados[4]!– envenenada[5]lembrando-me do que ela dissera ao me chamar, questionei – Eiiiii?! De que diacho você me chamou aí?!!!
_ Colorido seu vocabulário, srta... – parou tipo indagando meu nome, ignorando meu questionamento.
Fiquei calada. Se quisesse saber meu nome teria que perguntar! Pronto, retei total[6]!!! Humpfffffff...
Ela tirou os óculos escuros e mirou-me com os olhinhos azuis cintilantes de raiva.
_ Custa você dizer seu nome? – falou bufando – Parece que tem prazer em me contrariar!
_ Você não mostrou interesse algum anteriormente senhorita, então agora que passou a hora das apresentações; terá que perguntar educadamente, se quiser saber! – falei saboreando cada pedaço de vermelhidão que lhe tomava o rosto – Pergunte madame, mas pergunte docemente e com o “por favor” e lhe responderei.
_ Saber seu... – parou como se buscasse uma palavra pejorativa – Seu “reles” nome, não merece tanto! Assim, engula sua informação!!!
A francesa retrucou revoltada colocando os óculos escuros novamente.
_ Sem problemas, madame! – eu senti algo parecido com alegria por saber que ela queria meu nome – Pode mudar de ideia... Estarei por perto pra responder, caso deseje.
_ Humpfffff – ela bufou irritada voltando a olhar a paisagem, ignorando-me.
Sem perceber, um meio sorriso se formou em meus lábios e salvo engano, a vi olhar por sobre os óculos e prender a respiração! Será que a irritava tanto assim? Isso transformou meu meio riso em um largo sorriso de satisfação por irritá-la.
Era doentio... Mas, me alegrei dela não ser indiferente a mim. Mesmo que o sentimento nutrido fosse o ódio.
_ Coisa mais doida! – pensei comigo – Porque ela não me ser indiferente é tão importante?
Dei de ombros e deixei estas especulações pra lá, pois acabara de adentrar ao cemitério. Desci do carro e abri a porta pra Eloise, ela desceu apoiando-se em meu braço e ao se inclinar subiu um cheiro delicioso dos seus cabelos; aroma que eu, como uma esfomeada, devorei rápido para meus pulmões e fiquei ansiando por mais.
_ Vamos – falei tão logo ela se aprumou, evitando pensar no que acabara de fazer; Como reagi ao cheiro dela.
_ Zorra!!! Eu não sou preconceituosa... Mas, nunca ansiei ficar com mulheres!!! Até aprecio olhar, mas ela... Eu sinto um frio na espinha ao encostar-me nela!!! O que é isso agora??? – Parada pensava, ao esperá-la.
Eloise hesitou. Primeiro sinal de que tinha sentimentos ali.
Ela não era tão fria como queria fazer parecer!
Segurei seu cotovelo e a conduzi ao velório, várias pessoas se encontravam ali. Amigos, empregados, imprensa, curiosos...
Levei-a direto ao caixão, que estava aberto. Ela parou ao lado do esquife e quando fiz menção de afastar-me lhe dando privacidade, fui pega de surpresa por sua mão se fechando em meu antebraço e puxando-me pra junto de si.
_ Fica! – falou sem olhar-me – E-Eu estou pedindo, por favor, mulher impossível.
Dei um involuntário sorriso de prazer e sem perceber cheguei meu corpo mais pra o seu. Eloise ficou um momento inerte! Depois, sem me largar, inclinou-se e tocou a face do pai.
_ Papa[7]... – balbuciou com voz embargada enquanto seus dedos lhe contornavam a face – Não era pra ser assim, papa!
Após alguns minutos, retirou a mão e enrijecendo a coluna murmurou pra mim:
_ Me tira daqui, femme[8].
Saí a conduzindo pra fora... Comecei a caminhar com ela por entre as lápides. No silêncio do lugar podia ouvir seu choro sofrido baixinho, não me fiz de forte e a acompanhei-a no pranto.
Chegamos juntas a uma árvore e ainda chorávamos em silêncio.
_ Eu o amava – ela falou em meio ao choro – senti sempre a sua falta!
_ Ele – fiquei procurando voz – Ele também sentiu por todos esses anos a falta de vocês duas! Dias atrás me perguntou se era tarde; Se vocês o aceitariam de volta, após tantos anos de erro dele em deixá-las!
Ela retirou os óculos e buscou em meus olhos a verdade; queria certamente se certificar que aquelas não eram meras palavras de conforto. Parece que viu sinceridade neles. Chorou mais e abertamente; pranteou desconsoladamente... Seus ombros sacudiam com o choro de lamento, perda!
_ A Jack, não pôde nem se despedir – soluçou baixinho – Ela estava arrasada ao falar comigo que não conseguiria vir em tempo.
Ao vê-la assim, senti um desespero enorme, sua dor aumentava a minha ene vezes! Eu queria fazer seu sofrimento parar; a amparar. Sem perceber virei de frente e a puxei para meus braços; queria tanto cessar seu choro, tomar sua dor que me esqueci da minha!
Abracei-a apertado, ela enlaçou minha cintura com naturalidade e eu a aconcheguei em meu corpo como se fizesse aquilo por toda uma vida.
_ Shhhhiii, vai passar... – consolei acariciando sua nuca sob a trança – Nós vamos ficar bem!
Ela afundou o corpo no meu parecendo buscar meu calor. Percebi suas mãos entrando embaixo da minha camisa e buscando minha pele. Senti um arrepio ao receber os toques de seus dedos em minhas costas.
Suspirei baixinho e parece que fui brindada com um murmúrio deliciado ao apertá-la mais ao meu corpo.
Estava perdida naquele mar de sentimentos desencontrados quando ouvi a voz do Plínio pigarreando às minhas costas. Caí em si e saltei abruptamente Eloise que me olhou espantada, afastando-se também.
_ Desculpem interromper, mas estamos apenas esperando vocês pra o sepultamento – falou o homem sem jeito.
_ Tudo bem! – falei recuperando a voz – Nós já vamos.
_ Me deixem sozinha por alguns minutos, podem ir. Sei o caminho de volta e me juntarei a vocês num segundo – Eloise falou de costas pra nós – Vou só me recompor.
Eu hesitei. Não queria deixá-la só! Não queria ficar sozinha, sem ela!
Sacudi a cabeça inquieta tentando exterminar aquele sentimento de vazio com seu afastamento.
_ O que se passa comigo, genteee?! – pensava atordoada sem querer afastar-me.
_ Vamos querida – Plínio me tirou daquele impasse, enlaçando minha cintura com intimidade me tirando dali – Não demore Srta. Eloise!!
Enfim, deixei-me levar, estava emocionalmente exaurida... Confusa! Senti, em todo tempo, os olhos da filha de Jacques nos acompanhando enquanto nos distanciávamos.
Vinte minutos depois ela apareceu recomposta! Tinha o semblante duro, apresentava de novo frieza. Em todo o rito fúnebre se manteve assim, distante; aparentando uma calma glacial.
No momento final, em que abaixaram o caixão, prendi o fôlego... Parecia que eu estava por desmaiar. Plínio me abraçou amparando, neste instante senti Eloise aproximar-se e a próxima sensação que tive foi dos seus dedos entrelaçando-se aos meus e os apertando, buscando e dando apoio.
Assim vimos o homem que amávamos e conhecíamos de forma diferente, descer a fria tumba. Ainda de mãos dadas, jogamos flores em seu caixão.
Fomos direto pra casa! Plínio ofereceu-se pra dormir lá, aquela noite, conosco.
_ Se vocês quiserem, durmo aqui hoje, meninas – Plínio solícito, acariciando minha mão que puxou pra sua coxa.
_ Plínio... – comecei a falar e fui interrompida. Antes que eu negasse sua oferta, Eloise o dispensou.
_ Te somos gratas Sr. Plínio, mas eu e a senhorita, precisamos apenas descansar! – falou seca – E é isso que faremos tão logo saia, pois estamos deveras fadigadas.
Após falar isso se levantou forçando assim o homem a pôr-se de pé, despedindo-se.
_ Madu querida, qualquer coisa é só chamar que virei correndo – falou enquanto abraçava-me e beijava um tanto quanto perto demais dos meus lábios.
Não sei se foi impressão, mas senti um respirar pesado vindo da direção da Eloise neste momento.
Sem entender o porquê, desvencilhei-me rápido do seu abraço agradecendo e despedindo-me.
_ Fica tranquilo Plínio e obrigada por tudo – o acompanhei até a porta – Vai com cuidado.
_ Vou sim, Madu – estendeu a mão e fez carinho em meu rosto – Lembre que não está só! Estou e estarei sempre aqui para você.
Constrangida assenti levemente com a cabeça e o vi entrar no carro partindo com um aceno.
Quando fechei a porta e virei-me, levei um susto.
_ Aiiiiiii! Que zorra!!! – gritei xingando ao dar de cara com a Eloise parada na porta, entre as sombras – Quase me mata de susto!
_ Então, é Madu! – sorriu lenta e desdenhosamente – Que nome é esse?
_ Nome! – fechei a cara e passei por ela – O quarto de hóspede que está pronto é o da esquerda ao subir as escadas. Tou indo pra casa.
_ Mas, você não mora aqui?! – perguntou entre surpresa e irônica – Então meu pai não lhe deixava morar com ele? Não o condeno, pelo visto você não é muito de se apegar... Sendo assim, ele não tinha que lhe levar a sério! Pelo que contemplei há pouco, você não o levava.
_ O que você quer dizer com isto? – falei enfezada voltando-me pra ela – Desenvolve...
_ Pelo visto não é de dar exclusividade a ninguém, não é Madu querida? – falou imitando o jeito carinhoso de Plínio me chamar – Seu envolvimento com esse tipinho é evidente, senhorita! Ficava com os dois, não? Um para satisfação da cama e o velho para o sustento. Você me dá náuseas!
_ Eu estou exausta! – falei entredentes – E em respeito ao seu pai a quem muito amei e amo não vou lhe bater, que é o que merece por este desrespeito com a minha pessoa e com a dele! Vou lhe poupar da minha desprezível companhia. Durma bem, madame.
Quando passei, rocei acidentalmente meu corpo no dela e a ouvi prender a respiração contrariada e, como que enojada, se afastar!
Segui andando sem a olhar. Mas meu coração confrangeu-se ao perceber que ela tinha não só uma má opinião sobre mim, como também nojo de encostar-se ao meu corpo.
Entrei em meu apartamento, derrotada.
_ Jacques, perdi você que me valorizava como pessoa e já estou de volta a posição de rejeitada – dei um suspiro dolorido – Nem demorou muito, nem precisei ir longe! Sua filha me despreza e tem nojo de mim.
Aquilo me rasgou por dentro!
E assim, aquele dia que se passou em meio há muita dor, terminou pior ainda; adicionando à minha miséria um velho conhecido: o sentimento de ser desprezada.
[1] indivíduo de caráter duvidoso; patife, mariola, biltre.
[2] Pessoa inútil.
[3] Grupo de pessoas chatas, turma nojenta.
[4] Variante de desgraçados. Pessoas ruins, egoístas.
[5] irritadíssima, muito aborrecida
[6] (Retado) ficar chateado, bravo com alguma situação.
[7] Papai
[8] Mulher
Fim do capítulo
Essa é apenas uma degustação. A história completa está sendo vendida na Amazon.com.br: Loja Kindle.
Acione o link baixo para apreciá-la em sua totalidade:
https://www.amazon.com.br/Os Opostos se Atraem-Marisa-Flawer-ebook/dp/B09NMCSQJK
Beijinhos no core, belas damas!!!!
Comentar este capítulo:
Sem comentários
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook: