CAPÍTULO 20: CONSERTANDO AS COISAS
Toquei a campainha com um sentimento de aflição corroendo meu peito. Olivia abriu a porta e sequer me convidou para entrar, deu-me as costas, era um anúncio do quão penosa seria nossa conversa.
-- Li nós precisamos conversar.
Olivia se jogou no sofá.
Percebi que de repente, o cenário do apartamento elegante e arrumado da noite anterior se transformara em um ambiente típico de final de relacionamento: caixa de lenços, papéis de chocolates espalhados pelo chão, pote de sorvete vazio, um edredom florido, e a TV ligada com volume alto transmitindo algum filme digno de sessão da tarde.
-- Eu já estou sabendo que a Virginia voltou para Campinas.
Tentava estabelecer um diálogo com minha amiga, mas era como conversar com uma criança autista. Olivia parecia nem notar minha presença, ignorava minha voz, brincando com o controle remoto da TV.
-- Olivia você quer parar de me ignorar e conversar como uma adulta?
O olhar doce e atencioso de minha amiga que por tantas vezes foi para mim sinônimo de porto seguro, se fixou em mim gélido.
-- Não, não quero.
-- Lili isso é ridículo! Eu sei que você está magoada e com razão, mas, você não pode jogar anos de amizade fora por causa de um erro meu!
-- Você está enganada, eu posso sim.
-- Como assim Lili?
-- Ai Isabela to cansada de sempre a compreensiva, alegre e generosa e só me ferrar!
-- Li não fala assim!
-- Por que não? Não é a verdade? Isabela como você pode esconder isso de mim? Conheci a Virginia na sua casa, me apaixonei por ela, fui até inocente me achando ser a primeira mulher da vida dela e você ouviu isso e não disse nada, sabendo que a menina estava apaixonada por você!
-- Eu não sabia disso! E eu não disse por medo Li! Medo de estragar as coisas!
-- Estragar as coisas pra quem? Pra você né? Estragar sua história de amor com Suzana né? Afinal de contas isso sempre é o mais importante Isabela, seus relacionamentos, os dos outros são secundários. Pelos seus relacionamentos você briga, machuca, mente...
-- Olivia não seja injusta! Eu te vi toda apaixonada e também tive medo de estragar a sua felicidade, plantando especulações, dúvidas sobre o teor de minha relação com Virginia.
-- Ah Isabela, eu te conheço! Claro que pensou em você primeiro.
-- Olivia claro que pensei em mim, meu relacionamento com Suzana tem sido conturbado ainda mais depois que nos reencontramos, mas, eu pensei sim em você e Virginia, achei que omitir isso não seria uma falta, seria um benefício para nós quatro.
-- Duvido.
A expressão fria de Olivia evidenciava sua mágoa de proporção tão grande que nublava seu julgamento a meu respeito.
-- Li você não pode me achar tão egoísta assim...
Disse com a voz embargada.
-- Não faz essa cara de pobre caipira rica! É a mesma cara que você fazia pra convencer eu e Bernardo a ficar em casa num sábado á noite pra estudar epidemiologia com você!
Não contive o enredo jocoso que Olivia lembrou, soltei o riso, no que fui acompanhada por ela. O deslize no meio de nossa discussão parece ter chamado Olivia à razão, fazendo-a enxergar que sua mágoa estava cega, nossa amizade não permitiria que eu fosse tão insensível à sua felicidade.
-- Lili, eu juro que minha intenção foi proteger você, além de não querer mais confusão com Suzana.
Olivia fechou os olhos e balançou a cabeça positivamente.
-- Eu sei disso Isa, mas me senti enganada, me decepcionei com você.
-- Eu não tiro sua razão, por um lado você está certa em me classificar como egoísta, no fundo eu fui. Mas depois vendo o envolvimento de vocês duas, temi abalar esse laço que estava nascendo, enfim, covardia também.
-- Também tive raiva de você. Inveja, por você ter sempre em sua vida mulheres incríveis, quando me apaixonei de verdade por uma, ela também ama você.
-- Você tem razão, tenho mulheres incríveis em minha vida, uma delas é você Li.
-- Ah Isa... Você sabe a que estou me referindo.
-- Eu sei e estou dizendo que você é tão incrível quanto às mulheres que você se refere, e por isso, perfeitamente capaz de atrair e fazer qualquer mulher fantástica se apaixonar por você. Não tenho o menor receio de dizer que Virginia sem perceber está se apaixonando por você.
-- Fala sério Isabela! Ouvi da boca dela que estava me usando pra esquecer você.
-- E estava conseguindo! Li, eu vi o rosto da Virginia enquanto falava ao telefone com você, a tristeza quando soube que você não poderia ir visitá-la e a empolgação dela quando me propus a ajudá-la a adiantar o trabalho para vir te fazer uma surpresa.
-- Mas ela disse que te ama!
-- Lili, você sabe como funciona isso... A Virginia já tinha essa admiração pelo meu trabalho, nos tornamos amigas, fui a primeira mulher dela, gera essa paixão, mas o amor se manifesta de várias formas. O fato de ser platônico acaba tendo uma proporção maior, mas o que ela tem com você é real, é novo, é próspero, cheio de expectativas.
-- Eu só consigo enxergar que tudo isso só me deixa menos interessante para ela.
-- Mas não é Li. Se você acha que não vale à pena investir na Virginia, então não há nada a fazer, mas se o que vocês tem, se o que você sente por ela é tão verdadeiro o quanto aparenta, eu acho que você deve dá uma chance a ela, e essa paixonite dela por mim, rapidinho vai desaparecer.
Lili ficou pensativa. A nossa conversa ao menos tirou aquela nuvem do olhar de minha amiga, saí com a certeza que plantei uma pontinha de esperança dela se entender com Virginia e me perdoar.
Cheguei à casa de Suzana no início da noite. Minha noiva me esperava com um belo jantar.
-- Você vai fazer isso todo dia meu amor depois que casarmos?
-- Claro que não... Isso aqui é só pra te conquistar bobinha!
-- Bobinha é você! Está perdendo tempo, por que você já me conquistou faz tempo!
Envolvi meus braços no seu pescoço roubando um beijo apaixonado.
-- Fez as pazes com Olivia? Ainda temos nossa madrinha?
-- Acho que dei um passo importante para isso.
-- Menos um problema então.
-- Meu amor, nosso problema tem outro nome: Pietra.
-- Ah Isa, não quero falar nela hoje, chega! Ela já estragou nosso dia, tive que desligar meus telefones por que ela ficou me importunando a tarde inteira!
-- Mas, temos que resolver isso Suh! Essa mulher está descontrolada, e tem livre acesso à sua casa, à sua sobrinha...
-- Já tomei providências quanto a isso.
-- Suas providências incluem enviá-la em um container para o Oriente Médio? Inscreveu-a como cobaia para testar a bomba atômica no Irã? Fazer buscas ao corpo do Bin Laden? Ser escudo humano do Muamar Kadafi?
-- Isabela!
-- Meu amor não me ocorre outra solução mais viável pra banir essa mulher de nossas vidas!
-- Amanhã mesmo apresentarei a proposta da Federação Brasileira de Vôlei. Vou colocar como imposição, demitindo-a, proibindo a entrada dela aqui, na comunidade e o Vitor fará o mesmo em relação à Vitória. Deixar claro que ela não terá o menor espaço, o que vai obrigá-la a aceitar o emprego.
Não estava convicta que isso serraria as garras de Pietra, mas torcia pra que Suzana conseguisse neutralizar aquela incômoda pedra em nosso sapato. Voltei para Campinas na manhã de segunda-feira, seguindo direto para o hospital dando início a uma maratona de atendimentos e reuniões com minha equipe. Estranhei de cara a ausência de Virginia.
-- Elisa localize Virginia o mais rápido possível, preciso falar com ela.
Elisa me olhou estranho, e de repente percebi que esse olhar se repetiu em várias pessoas durante meu dia, entre os residentes, entre as enfermeiras e até em funcionários da faxina. E não foram só olhares, os cochichos se propagaram anunciando que algo de errado cercava minha segunda-feira.
Só consegui falar com Virginia no final do dia, quando Elisa descobriu onde ela se escondeu o dia todo.
-- Virginia como assim? Você passou o dia aqui no necrotério?!
-- Pois é pelo menos os mortos não são fofoqueiros...
-- Por que eu não gostei da sua cara ao dizer isso?
-- Deve ser por que você também está envolvida nessa fofoca.
-- Ok você já conseguiu me deixar tensa, do que você está falando?
-- Cheguei ontem à Campinas, e como não queria ficar sozinha em casa, passei aqui para adiantar alguma coisa sobre a evolução dos pacientes no fim de semana, e adivinhe: eu era assunto das rodinhas de fofoca das técnicas de enfermagem.
-- Que fofoca?
-- Alguém descobriu sobre nós, e espalhou no hospital. Agora todos acham que somos um casal, que inclusive já moramos juntas... Já ouvi até piadinhas dos meus colegas sobre como eu consegui ser a queridinha da chefe.
-- Mas como? Quem espalhou isso?
-- É melhor você se sentar para ouvir isso.
Ignorei o clima mórbido do lugar e sentei-me ao lado da mesa de autópsia.
-- Fui investigar de onde saiu o boato e cheguei a uma enfermeira, que advinha mais uma vez, é uma peguete da minha queridinha prima Pietra.
-- Eu mato aquela vaca!
-- Por isso fiquei aqui o dia todo, não agüentava mais repetir que não tinha nada com você, que esse boato era infundado. Cansei das piadinhas.
-- Não acredito nisso, até Elisa me olhou torto!
Sorrimos juntas.
-- Você não pode passar o resto da residência aqui no necrotério Virginia.
-- Eu sei, mas hoje eu não tinha a menor condição emocional de enfrentar essa situação.
-- Entendo... Você e Olívia... Acabou?
Perguntei com olhar compadecido.
-- A gente mal começou né Isa... Mas eu vim embora no domingo, no primeiro vôo, logo depois que vocês foram embora, eu tentei conversar com ela, mas não consegui dizer muita coisa, ela só pediu que a deixasse sozinha, fiz minha mala, dormi na casa de meu pai e parti sem muitas explicações.
-- Conversei com ela ontem.
-- Como ela está?
-- Curtindo dor de cotovelo... Mas, eu acho que nossa conversa dissipou um pouco a mágoa, a raiva dela, eu não perderia as esperanças no seu lugar.
-- Eu só me dei conta do quanto estava envolvida com ela, quando ela não me olhou com o carinho que me habituei a encontrar nos seus olhos...
-- Por que você não a procura? Manda uma mensagem, um e-mail dizendo o quanto você se sente. Olivia tem um coração desproporcional ao seu tamanho, enorme! E principalmente, está apaixonada por você.
Virginia torceu os lábios indecisa.
-- Agora vamos pra nossa casa, juntas, vamos dar mais munição pra esse bando de fofoqueiras! Não estou agüentando esse cheiro de formol!
Virginia e eu ignoramos os olhares e buchichos maldosos durante dias, ao final até já nos divertíamos, trocando sorrisos e carícias em público só para provocar as mais puritanas que nos fuzilavam no refeitório. Ela seguiu meu conselho, abrindo seu coração em mensagem e e-mails carinhosos para Olívia, conhecendo minha amiga eu tinha certeza que isso amoleceu ainda mais o coração dela, acreditei que era questão de tempo elas se reconciliarem.
Eu e Suzana dividíamos a árdua tarefa de banir Pietra de nossas vidas. Depois do último ataque da bruxa com as fofocas no hospital, Suzana apressou suas providências, demitindo-a e apresentando imediatamente a proposta de trabalho da Federação Brasileira de Vôlei. Para nossa surpresa, ela recusou. Segundo minha noiva, Pietra alegou ter outros planos para a vida dela e sem muito alarde se afastou da vida dela e de Vitória. Isso deixou Suzana aliviada, mas, não a mim. Pelo contrário, o silêncio de Pietra me enchia de apreensão, mais que isso pavor, eu estava convencida de que se tratava de uma retirada estratégica para um ataque surpresa.
-- Amor não seja paranóica! Pietra não é uma psicótica. – Suzana argumentava ao telefone.
-- Espero mesmo que eu esteja errada amor, mas, eu sinto que ela está armando algo.
Suzana comentava empolgada cada detalhe do nosso casamento, em dois meses estaríamos casadas. Bernardo já aceitava de bom grado nossa relação e já ensaiava o pagamento da aposta que minha noiva insistiu para que ele pagasse. Tudo caminhava para a tranqüilidade e a harmonia, mas, ainda era preciso uma prova de fogo: tia Silvia e Lívia.
Uma hora eu precisava falar sobre meu casamento com Suzana para elas. Antes disso, achei justo e mais digno de minha parte comunicar a Márcia, a mãe de Camila sobre meus planos. Não esperava outra reação de minha ex-sogra: apoiou-me incondicionalmente e me desejou felicidade, mas recusou meu convite para cerimônia, o que compreendi obviamente.
A prova de fogo se aproximava, e o retorno de Suzana ao reduto da família Bitencourt aconteceria de novo em meio à festa. Dessa vez, o casamento de Livinha.
Fim do capítulo
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LeticiaFed
Em: 03/12/2021
Isa fazendo trapalhadas mas no fim tudo se ajeitando. Agora sai o casório com Suzana, aleluia!!Torcendo sempre por esse casal ??
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