CAPÍTULO 19: TINHA UMA PEDRA NO MEIO DO CAMINHO...
No meio do caminho tinha uma pedra. A origem do nome de uma pessoa nunca fora tão propícia quanto o de Pietra, no italiano: pedra, rocha. Ela fazia questão de ser notada, de ficar no centro das atenções, apelava mais do que ex-BBB para aparecer na mídia. Pareceu nos seguir no final de semana. Em qualquer lugar que passeávamos, a primeira cara que víamos era a dela, e quando ficávamos em casa, Pietra tratava de ligar, mandar mensagens para Suzana o que me irritou profundamente.
Suzana se esforçava para me acalmar, e só o conseguia a custa de muitos beijos. Aceitamos o convite de Olivia para jantarmos em sua casa, certas de que lá, Pietra não nos atormentaria parecia o programa perfeito para nossa noite de sábado.
-- Olha só meu casal predileto! Bem vindas meninas!
Não conhecia a casa nova de minha amiga e me encantei. Olivia nunca foi exemplo de organização, e ver aquela decoração caprichada era como se minha amiga me atestasse que evoluiu de fato.
-- Olivia sua casa é linda! Sinto falta das meias espalhadas pelo sofá e os restos de batatas Rufles no carpete, mas você compensou com arte moderna?!
-- Não se engane amiga, as meias estão debaixo do sofá agora, escondidas, e quanto às esculturas, nem me pergunte o nome do artista, contratei uma design de interiores e minha contribuição foi só minha assinatura no cheque.
-- Adoro os avanços da medicina, especialmente no que diz respeito a conta bancária. – Disse Suzana.
Gargalhamos.
-- Ai esse cheiro... Não me diz que a Virginia está fazendo o bacalhau ao forno! – Disse animada.
-- Isso mesmo, nossa, ela fez uma propaganda desse prato... Até agora minha pequena não me decepcionou, mas se além de tudo ela ainda mandar bem na cozinha, sinto em dizer isso Isa, mas você vai perder sua pesquisadora mais dedicada, porque ela nem volta com você, caso com ela antes de vocês!
Arregalei os olhos surpresa com a declaração de minha amiga. Não sei se só pela surpresa, ou se aquela ponta de ciúmes ou ainda o sentimento de posse relacionado a Virgínia, mas o fato foi que desconcerto foi o mínimo que expressei naquele momento. Minha expressão foi de desaprovação, o que logicamente não passou despercebido por minha noiva e minha melhor amiga.
- Que cara é essa Isa? – Perguntou Olivia.
-- Ah Lili, acho que ela está em choque por saber que vai perder sua pupila.
Suzana falou analisando minha reação. Sorri amarelo voltando à minha razão.
-- Por mais talentosa na cozinha que Virginia seja, ela tem mais futuro na medicina, e para isso minha cara ela precisa terminar a residência dela com a melhor de todas, ou seja, eu.
-- Eis que surge a modéstia de minha noiva! Não é encantadora essa humildade dela Li?
As duas gargalharam, quando Virginia surgiu na sala:
-- Oi gente desculpem-me a demora, estava finalizando o jantar. Como vai Suzana?
Cumprimentaram-se como comadres. Virginia sentou-se ao lado de Olivia, a afinidade entre as duas era inegável, a intimidade parecia antiga, as duas pareciam felizes, e isso me alegrava até certo ponto, o ponto em que minha bagunça sentimental encontrava os olhos de Virginia, aí eu me perdia em uma sensação de perda completamente insana.
Eu não amava Virginia, disso eu tinha certeza. Mas no fundo, tinha medo de deixar de ser a referência para ela, de ser sua inspiração, pura vaidade.
Vaidade traiçoeira, que me confundiu que me encheu de medo a ponto de omitir da mulher que eu amava, e da minha melhor amiga algo que só teve importância no contexto passado. Aquele segredo mantinha eu e Virginia cúmplices. Nunca falamos nisso, mas deduzi que ela também não revelara à sua namorada sobre sua estréia no mundo lésbico.
Ignorei os meus pensamentos atordoados e me envolvi no clima descontraído do jantar previsivelmente delicioso feito por Virginia. Falávamos do nosso casamento, avisando que finalmente marcamos a data, quando Suzana fez um convite inesperado até para mim:
-- Acho que ninguém mais do que vocês duas merecem esse convite meninas, vocês aceitam ser nossas madrinhas?
--Own...
Olivia logo fez cara de urso de pelúcia diante da proposta de Suzana. Concordava com ela sobre a importância das duas em nossa reconciliação, de fato, ninguém era mais digno do título de madrinha de nosso casamento do que elas. No entanto, a expressão de Virginia não demonstrava a mesma satisfação radiante de sua namorada.
-- É uma honra para nós meninas! Estou emocionada!
-- Ah vocês sabem que é uma cerimônia simbólica, assinaremos um contrato de união, já que minha noiva não quer viajar para casarmos de verdade em outro país...
-- Su não muda em nada, continuo sendo sua mulher mesmo sem contrato e cerimônia.
-- Mas com a Camila você casou!
-- Meu amor, estávamos morando nos Estados Unidos, viajamos pra outro estado para nos casarmos e o casamento lá nos beneficiaria legalmente, com seguro saúde, até na questão de impostos, já que no Brasil na época esse tipo de benefício entre casais homossexuais não era permitido.
-- Enfim... Você o que acha Virginia?
Suzana perguntou observando a apatia da minha pupila.
-- Eu fico muito feliz com o convite Suzana, e honrada em aceitar,
As palavras gentis de Virginia contrastavam com o tom ressentido de sua voz. Conhecendo-a um pouco melhor imaginei que o convite não só a surpreendeu, mas também a magoou. Virginia pediu licença com a desculpa de fazer um café após a sobremesa e eu a acompanhei enquanto Olivia e Suzana seguiram para a varanda.
Entrei na cozinha com passos tímidos, encontrando Virginia visivelmente tensa, batendo as portas do armário com movimentos bruscos:
-- Virginia está tudo bem?
-- Está tudo ótimo Isa! Como se não bastasse eu precisar esquecer o que sinto por você vivendo sob o mesmo teto, namorando sua amiga, agora você e sua noiva me chamam para ser madrinha do casamento de vocês! Mais perfeito do que isso impossível!
Encarei os olhos marejados de Virginia e me odiei. Se existia alguém que não merecia qualquer sofrimento, especialmente causado por mim, esse alguém era Virginia. Amiga fiel, companheira para todas as horas, despertava em mim os melhores sentimentos, entusiasta do meu trabalho, dedicada pesquisadora e médica, divertida e sensata na dose certa, em resumo: apaixonante.
Odiei-me por ter cedido naquela noite à minha vaidade, e mais ainda, odiei-me por ter sido tão insensível ao tratar disso nos dias que se seguiram à primeira experiência com uma mulher de Virginia.
-- Virginia eu não sabia que Suzana faria esse convite, mas, de fato não vejo outras pessoas mais merecedoras desse título do que vocês duas, especialmente você! Se não fosse por você, certamente não estaria com Suzana hoje.
-- Pois é, joguei a mulher que eu amo nos braços de outra.
O chão chegou a sumir dos meus pés quando Virginia revelou sua verdade.
-- Virginia eu não imaginava que seus sentimentos por mim fossem tão fortes...
-- Não imaginava? Como assim não imaginava? Isa pra você eu posso ter sido só mais uma na sua cama, mas pra mim não! Eu me apaixonei por você, como você não imaginava que meus sentimentos por você fossem fortes?
-- Virginia você nunca seria para mim só mais uma! Você é muito especial para mim!
Aproximei-me de Virginia segurando seu rosto com um carinho sincero. No momento que nossos olhos se encontraram enxerguei o óbvio que me recusei a ver nas últimas semanas: Virgínia me amava. Isso mexeu comigo, de uma forma inesperada. Afaguei sua face, contemplando a expressão dela se deliciando com meu toque, fechando os olhos, parecia se transportar comigo para a noite que nos entregamos. Flashes trouxeram à tona nossos beijos, nossa entrega, tal lembrança impulsionou Virginia a se aproximar dos meus lábios, roubando um beijo delicado no que foi correspondida. Colei minha testa na dela, sentindo seu hálito, bebendo sua ternura.
-- Virginia... Você sabe o quão especial é para mim, o que aconteceu naquela noite vai ficar guardado em mim pra sempre...
Como se deslocada para a realidade, Virgínia me empurrou com cuidado e disparou:
-- Ah Isabela não me vem com esse papo de que sou especial, que me ama como uma amiga, esse tipo de discurso não serve como prêmio de consolação.
-- Virginia eu nunca te enganei, você sempre soube que eu amava Suzana. Eu imaginei que aquela noite tivesse mesmo mexido com você, é natural, fui sua primeira mulher, mas eu não poderia supor que você estivesse apaixonada.
-- Isa, ou você é cega demais ou muito centrada nos seus próprios problemas e não enxerga a dor dos outros à sua volta. Você não percebia que eu evitava estar perto de vocês duas? Não pensou que eu quis sair de sua casa para ficar longe de você?
-- Virginia... Agora me sinto uma idiota...
-- Pois se sinta assim mesmo, por que você é uma idiota! Tanto quanto eu, que estou com uma mulher absolutamente fantástica e mesmo assim fico sofrendo por outra que me chama para ser sua madrinha de casamento!
-- Você não é obrigada a aceitar Virginia, eu posso conversar com Suzana...
-- Isa acorda! Isso não minimiza minha dor. Eu me sinto a pessoa mais mentirosa e mais egoísta do mundo usando Olivia para te esquecer.
Não ouvimos os passos se aproximarem, mas o suspiro de susto de Olivia entrando na cozinha foi claro e em bom tom o suficiente para deduzirmos o que ela escutou de nós.
Palidez. Silêncio que foi quebrado com uma pergunta de Olivia:
-- Tudo bem, alguém pode me explicar o que está acontecendo aqui?
Diante do estado catatônico de Virginia, senti que a responsabilidade era minha de explicar o que se passava ali.
-- Li eu posso explicar.
-- Estou escutando Isabela.
A sempre típica expressão doce e alegre de minha amiga converteu-se em uma aparência sisuda e pouco receptiva. Procurando as melhores palavras comecei:
-- Há alguns meses atrás, antes de vocês duas se conhecerem, e antes que eu fizesse as pazes com Suzana, eu e Virginia ficamos juntas.
-- Ok... E por que eu nunca soube disso?
-- Por que eu, nós, não conversamos sobre isso, logo depois veio a cirurgia de Suzana, e enfim, a recuperação dela, nossa reconciliação e sem premeditar nada acabamos escondendo isso. Da minha parte escondi por medo de Suzana atribuir mais importância ao fato do que realmente foi... Quer dizer, gerar uma especulação sobre o teor de minha relação com Virginia, e por covardia não contei.
-- Virginia? Você não tem nada a me dizer?
-- Não sei o que dizer Li... Não tenho motivos para justificar a omissão desse fato.
-- Talvez por que você não queria dar margem para que eu descobrisse o motivo do seu desconforto na presença de Suzana e Isa juntas. Ou talvez para evitar que eu não enxergasse o óbvio, você ama minha amiga. Ou quem sabe para não prejudicar seu esforço em me usar para esquecer outra mulher não é?
O tom magoado de Olivia me rasgou a alma. Feriu-me ainda mais o olhar de desespero de Virginia ouvindo as hipóteses reais que sua namorada fazia.
-- Li, eu não te usei...
-- Virginia, poupe seu latim, eu ouvi muito bem da sua boca essa declaração. Estava bom demais pra ser verdade, eu deveria ter desconfiado, romances perfeitos, mulheres maravilhosas só surgem na sua vida não é Isa?
-- Lili não fala assim...
Olivia se afastava da cozinha quando Suzana surgiu inocente:
-- Que café demorado! Que erva vocês estão cozinhando junto com café?
O tom de voz de Suzana foi baixando ao notar o clima tenso que ali se instalara. Tentei dissuadir Olivia a continuar me escutando, mas, minha amiga ignorou meus chamados deixando a cozinha sem olhar para trás, sequer viu sua namorada com o rosto banhado em lágrimas.
-- Gente... O que aconteceu aqui?
Virginia encostou-se no balcão da cozinha desolada, e eu percebi que não escaparia de uma desgastante conversa com minha noiva, revelando o que chocara minha amiga.
-- Virginia melhor você ir lá conversar com ela, a gente vai embora, depois nos falamos.
Virginia acenou em acordo e saiu em busca de Olivia, enquanto Suzana me observava com olhos de interrogação:
-- Meu amor o que houve? Elas brigaram?
-- Hurrum...
-- Deve ter sido grave, a Olivia saiu com uma carinha... Você sabe o que foi?
-- Sei sim, mas acho melhor conversarmos em casa meu amor, o clima aqui está pesado.
Em casa, depois de um trajeto silencioso uma vez que me preparava para contar a Suzana minha noite com Virginia, senti-me culpada até para aceitar as carícias de minha noiva, afastando-a de mim:
-- Bela o que está acontecendo?
-- O motivo pelo qual Olivia e Virginia brigaram fui eu.
-- Você?! Que loucura é essa? O que você fez?
-- Eu omiti algo importante para minha amiga e para você Suh.
-- Isa você está me assustando, fala logo!
-- Um dia antes de sua cirurgia, depois que você apareceu com a Pietra no bar da Clara, surgiu um clima entre Virginia e eu, e...
-- Não acredito Isa...
Suzana sentou-se na cama incrédula.
-- Fui a primeira mulher de Virginia... E nos dias que se seguiram à sua cirurgia, ela me ajudou a desvendar a armação de Pietra para nos separar e não falamos mais de nós, por que ela sabia que eu te amava e que iria voltar pra você.
-- Mas por que você não me contou? Até cheguei a insinuar e você não me contou nada!
-- Medo Suh! Medo de estragar nossa reconciliação com especulações, Virginia continuava a morar comigo e eu não achei que fosse necessário contar nada...
-- Mas Isa! Como assim não era necessário me contar? Você me cobra tanto honestidade, fala tanto em confiança e me aparece cheia de segredos, primeiro a Clara, agora a Virginia?
-- Su não escondi isso por maldade, eu só fiquei confusa, sem saber como agir especialmente depois que ela e Olivia começaram a namorar.
-- Olha no que deu! Agora Olivia está magoada com razão, por se sentir enganada pela melhor amiga e pela mulher pela qual está apaixonada!
-- Temo que a mágoa de Olivia seja maior.
-- Por quê?
-- Ela ouviu a Virginia dizer que estava apaixonada por mim e que se sentia mal por usá-la para me esquecer.
A expressão de Suzana mudou. E minha tranqüilidade se fora.
-- Suh eu fiquei perdida, com medo de abalar nossa relação com algo que não teve importância comparado ao que sinto por você.
-- O que você sente por ela? – Suzana perguntou com um tom inquisidor.
-- Suh, Virginia é uma amiga especial, sinto muito carinho e admiração por ela e só.
-- Foi bom desvirginá-la?
-- Não vou ter esse tipo de conversa com você Suzana...
-- Por que não?
-- Por que é absurdo, é inapropriado, é desnecessário!
-- Responde uma coisa Isabela, você sentiu ciúmes dela quando Olivia e ela começaram a namorar?
Andei de um lado para outro pensando na minha resposta, não podia mais mentir, e nem muito menos complicar ainda mais minha situação:
-- Senti, mas não foi ciúme passional. Foi um sentimento estranho de posse, de perda, mas da amiga, da companheira, foi como se o que aconteceu entre nós tinha perdido a importância depois que ela se envolveu com outra mulher, no fundo eu gostava da idéia de ser especial, ter sido a primeira para alguém...
-- Isa, isso soa como um culto a vaidade, como se Virginia fosse um troféu...
-- Não Suh, não é. Sinto-me uma canalha por ter ignorado os sentimentos dela, centrada na minha preocupação com você, mas nunca tratei o que aconteceu entre eu e ela como uma conquista. Morro de medo de perder a amizade dela que é importante demais para mim, quero ajudá-la a ser uma grande médica e pesquisadora, acredito no potencial dela, além de precisar da sua lealdade, amizade que coloquei em risco cedendo a uma atração.
-- Bom, não sei se a amizade com ela está abalada, mas com a Olivia com certeza, você tinha obrigação moral de ter contado a sua amiga o que houve entre você e Virginia. Isa ela está apaixonada, enquanto você e Virginia se perdiam numa DR na cozinha, ela me confessava que já havia desistido de se entender com uma mulher até conhecer Virginia.
A análise de Suzana me destroçou. Magoei minhas duas melhores amigas e a decepção de minha noiva era óbvia.
-- E quanto a nossa relação? Também ficará abalada com minha omissão?
-- Isa eu poderia usar isso contra você um dia sabia? – Suzana sorriu sarcástica andando em minha direção. – Poderia fazer um discurso moralista sobre sua perfeição maculada, ou ainda sobre o quanto todos nós somos vulneráveis a tropeços, a erros, a deslizes...
-- Poderia? E já não está fazendo?
-- Ah não... Se eu fizesse isso, estaria me agindo como uma pessoa rancorosa e hipócrita, e felizmente isso não sou.
-- E então, como você vai agir comigo? Vai me deixar de castigo?
Envolvi meus braços em sua cintura, procurando decifrar seu olhar.
-- Acho que o castigo não é necessário, você já está se martirizando o suficiente... Você não me traiu, não me enganou, mas, não foi honesta, ao contrário do que você afirma, o que aconteceu entre você e Virginia foi importante sim. Mas, isso serviu para te mostrar que você é humana e que pode ser capaz de mentir, de trair, como qualquer pessoa, por isso seja mais tolerante com as fraquezas dos outros.
-- Está me dizendo que por ventura se você fizer algo parecido comigo tenho que te perdoar porque eu já fiz o mesmo?
-- Não, estou dizendo que você precisa ser menos orgulhosa e assumir suas fraquezas assim como todas as pessoas fazem, por que todos nós somos feitos da mesma essência humana. Você se ofendeu quando eu escondi fatos que eu julguei sem importância, puniu Bernardo pelo mesmo motivo, e quando caiu no mesmo erro preferiu manter escondido a perder sua tradição de mulher perfeita.
-- Nossa Suh... E isso não é discurso moralista?
-- Não, esse é meu jeito de dizer que eu não vou te punir, não vou deixar que isso abale nossa relação, por que eu te amo demais, e não vou deixar que uma pirralha aprendiz de Camila me roube você!
Gargalhei e colei meus lábios no lábios de Suzana e sussurrei:
- - Ninguém me rouba de você, sou sua para sempre.
Beijei-a com paixão, jogando seu corpo na cama. Suzana sorria-me maliciosa observando eu me despir, num movimento hábil ficou sobre mim quando caí sobre ela, segurou-me pelos punhos acima da minha cabeça e disse:
-- Quer dizer então que minha mulher é pegadora? Não posso te deixar uns diaszinhos solteira e você vira até papa-anjo é?
-- Melhor você dar conta da pegadora aqui, antes que eu procure a energia das menininhas...
-- Ah é? Você vai ver do que a coroa aqui é capaz!
Adorava desafiar Suzana. Instigar seu espírito competitivo. Naquela noite como se fosse possível ela se superou, me arrasou na cama, deixando-me sem forças até para retribuir os orgasmos que ela me deu, mas não foi necessário, ela gozou com meu gozo, na matemática incrível do amor uma mais uma era igual a uma. Fomos uma só naquela cama.
***
O domingo me reservava um desafio: enfrentar um programa familiar com Vitoria. Até tentei dissuadir Suzana a desistir da idéia de enfrentar a praia em pleno domingo, mas foi inútil. Vitoria adorava praia, a pirralha precoce era alucinada por esportes, justamente naquele domingo, acontecia a etapa final do mundial de vôlei de praia feminino.
Tensa, segui para praia da Barra com Suzana, encontraríamos Vitória e seu pai na entrada da arena.
-- Bela, relaxa... A Vivi nem lembra mais do que aconteceu.
-- Com a peste da Pietra enchendo a cabeça dela? Duvido!
-- No dia da apresentação no colégio dela eu conversei com minha sobrinha, disse que você era muito divertida, gostava de brincar, de contar historinhas, que cuidava do dodói de criancinhas, enfim enchi sua bola, trate de não se descontrolar.
Se o intuito de minha noiva era me tranqüilizar, ela conseguiu exatamente o contrário. Agora eu precisava me comportar como animadora de festa infantil diante de uma criança que para mim tomava ares dos protagonistas do programa Super Nanny.
No portão da arena, Vitória nos avistou e correu em direção aos braços da tia.
-- Oi meu amorzinho, lembra da Isabela?
A menina tímida só acenou em acordo com a cabeça.
-- Fala oi pra ela então Vivi.
-- Oi.
A vozinha aguda da menina soou acanhada.
--- Oi Vivi, então, já sabe por quem você vai torcer hoje?
-- Claro que sei! Pelo “Basil”.
-- Ah então ótimo vou torcer com você então!
Não obtive o melhor sorriso do mundo, mas pelo menos não levei um chute na canela. Vitor tratou de ficar perto de mim, acho que a pedido de Suzana, para que a filha confiasse mais em mim. Eu que já enfrentara platéias com milhares de pessoas, médicos renomados me sabatinando, bancas científicas rigorosas nunca me senti tão intimidada com alguém como ficava diante dos olhos atentos e vivazes de uma menina de cinco anos. Mas, estava me saindo bem, fui a única a topar pintar o rosto de verde e amarelo, depois de muita insistência da Vivi, isso nos fez companheiras de torcida me deixando mais confiante na tentativa de conquistar Vitoria. Mas a pedra estava lá para sabotar qualquer aproximação minha de Vitoria.
- - Vivi!
A megera recebeu um abraço apertado da menina. Minha expressão de decepção e mais que isso irritada, voltou-se para Suzana que levantou as mãos como um zagueiro de futebol que comete uma falta grave se eximindo da culpa.
-- Mas que diabos essa mulher está fazendo aqui Suzana?
-- Isa não sei, eu não sabia que ela viria!
Sem cerimônia Pietra se abancou em um pequeno espaço ao lado de Vitor que por acaso estava sentado vizinho a mim. Colocou Vitoria no colo e logo perguntou:
-- Você está linda! E essa pintura quem fez? Eu também quero!
Amassei a garrafa de água que segurava tamanha era minha raiva daquela mulherzinha.
-- Bela se controla... Se você demonstrar animosidade com a Pietra vai acabar afastando a Vitoria de você...
Suzana cochichou prevendo o que poderia acontecer dada minha irritação. Fez sinal para Vitor que disse:
-- Filha vamos comprar picolé?
Vitor colocou a menina nos braços e saiu pela arquibancada, era a deixa para expulsar Pietra dali:
-- Qual é seu problema Pietra? Eu te disse pra ficar longe da Vitoria! – Suzana exortou.
-- Meu problema se chama Isabela, e Suzana minha querida, você só manda em mim na cama, não manda na minha vida.
-- Pietra essa arquibancada é imensa, você vai sair de perto de nós, não quero sua influência na vida de minha sobrinha, nem eu quero, nem o pai dela quer. Isabela será minha mulher em pouco tempo, e Vitoria também será a família dela, não faça esse papel deplorável de usar uma criança nos seus propósitos, por que não vai funcionar, nada vai me separar da Isa.
-- Isso mesmo, dá o fora daqui! – Cruzei os braços com ar orgulhoso pela defesa de minha noiva.
-- Eu não vou dar o fora daqui, paguei ingresso como vocês. Eu vim assistir o jogo de minha amiga e não arredo o pé até vê-la arrasando nessa quadra.
-- Amiga? Conta outra Pietra! – Suzana bufou.
-- Amiga e ex-namorada. Você não sabe quem vai jogar hoje?
-- Uma dupla brasileira de vôlei de praia contra Walsh e May...
-- A dupla brasileira: Laila e Sheila.
O sorrisinho sarcástico de Pietra só não me tirou do sério por que eu estava preocupada demais com a expressão nada satisfeita de Suzana que balançou a cabeça negativamente se acomodando na arquibancada torcendo os lábios.
Que grande sacanagem do destino comigo. Eu, que me classificava como lésbica recatada, em poucos meses trouxe para vida de minha noiva que teoricamente tinha a fama de sedutora e pegadora nata, todas as minhas ex-namoradas. Suzana fora obrigada a conviver com as lembranças de Camila, depois com Clara, Virginia e agora Laila voltava por meio de um acaso filho da mãe. De repente, eu desfilava a galeria de mulheres as quais passaram pela minha cama na frente de Suzana, e dessa vez eu não podia culpar a Pietra.
Sentei-me ao seu lado com uma cara de culpa inexplicável, já que não existia culpa nisso. Até mesmo as ironias do destino estavam a favor do espírito de discórdia que Pietra representava. Agora, Pietra esbanjava domínio da situação mantendo Vitoria ao seu lado observando de rabo de olho a tromba de Suzana e meu desconforto evidente.
O jogo começou, e o humor de Suzana mudou completamente. Tentei olhar o mínimo possível para o brilhantismo de Laila na quadra, mas foi inevitável não reparar no corpo impecável de dela, pelo que via sua profissão foi uma parceira do tempo para manter seu corpo escultural, agora ainda mais atraente pelo bronzeado praiano espetacular.
-- A Laila está muito bem não é Isabela? – Pietra perguntou com tom maldoso.
Ignorei-a, olhando com desprezo. Naquela altura minha preocupação com Vitoria ficou em segundo plano, até mesmo porque, Vitor tratou de manter a filha no seu colo, protegendo-a do veneno de Pietra. Mas se fosse pra responder com certeza concordaria com Pietra. Laila estava muito bem, em tudo, no corpo e no jogo, a prova disso que venceu dois sets depois de perder o primeiro set se consagrando campeã da etapa.
-- Vou descer e para cumprimentar Laila, quer vir comigo Isa?
Minha vontade era de mandar a Pietra para aquele lugar lhe dirigindo o pior palavrão, mas na presença de Vitória, ela tinha um escudo contra minhas agressões.
-- Vamos embora Isa.
Suzana foi seca, passou por Pietra praticamente empurrando-a. Sentada nos ombros do pai, Vitoria pediu:
-- Tia vamos naquele restaurante que tem batata fita redonda?
-- Você não quer ficar na praia Vivi?
-- Não, quero almoçar.
Sempre pronta para cumprir as vontades da sobrinha, Suzana cedeu. O clima entre nós já estava mais ameno, Vitoria nos divertia narrando nas suas palavras o jogo. Tudo perfeitamente familiar até a chegada surpreendente de Pietra acompanhada de nada menos do que Laila.
-- Olha só que coincidência! Vocês por aqui meninas! Olha só quem está comigo, a campeã!
Laila visivelmente surpresa por nos encontrar, apertou os olhos como se não acreditasse no que seus olhos viam exclamou:
-- Isa?! Suzana?!
-- Olá Laila!
Fui a primeira a cumprimentá-la, levantando e lhe dando um abraço tímido, quase formal. Franzi a testa para Suzana fazendo sinal para que ela cumprimentasse a jogadora.
-- Como vai Suzana?
-- Muito bem. Parabéns pela vitória.
-- Obrigada, tenho que fechar esse ano com boas conquistas, decidi encerrar minha carreira profissional esse ano.
-- Mas por que Laila? Você está em excelente forma! – Deixei escapar uma observação empolgada.
Suzana me fuzilou com os olhos.
-- Quero dizer, está jogando excepcionalmente, por que parar?
-- Ah Isa, só Deus sabe o quanto me dói cada cortada, cada levantada e saque que dou... Meus ombros não são mais os mesmos, estou jogando no meu limite, não dá mais pra mim, esse ano penduro as chuteiras, ou na realidade do vôlei, baixo a rede.
-- É uma pena, mas o que você faz por aqui que não está numa grande festa de comemoração? Perguntei.
-- Ah, a festa vai ficar para a noite.
-- Podemos sentar com vocês?
Pietra perguntou descaradamente.
-- Não acho boa idéia Pietra, nós já fizemos o pedido, deve estar chegando...- Suzana respondeu secamente.
-- Eu prometi a Vitoria que ia trazer a Laila para almoçar com ela um dia, não vejo melhor oportunidade.
Pietra deu mais um de seus golpes usando a coitada da criança como arma, desfazendo as defesas de Suzana ao perceber os olhinhos sobressaltados e brilhantes da sobrinha.
-- Se vocês não se incomodarem de comermos primeiro... – Suzana disse sem graça.
-- Claro que não!
Pietra disse fazendo sinal para o garçom solicitando mais lugares à mesa. Laila não escondia seu constrangimento, mal sabia ela que também estava sendo usada inocentemente para os propósitos de sua ex.
-- Pietra é melhor pedirmos outra mesa... – Laila pediu constrangida.
-- Laila está tudo lotado, além do mais, olha a fofura dessa sua fã!
Laila se rendeu. E o clima antes ameno, se tornou tenso, e regado a muitas alfinetadas de Pietra.
-- Vocês percebem como o destino nos prepara grandes coincidências? Vejam só nós quatro aqui... Depois de tantos anos, juntas em uma refeição novamente... Aquele carnaval ficou mesmo marcado, tanto que motivou uma troca de casais depois!
Sorrisos amarelos enfeitaram a mesa. Laila com muita elegância desviou a atenção para a sua pequena fã. Eu engolia minha irritação com Pietra que numa atitude ridícula deslizava seu pé nas pernas de Suzana, acidentalmente ela roçou um de seus pés na minha perna, o que me fez entender o motivo de Suzana afastar a cadeira constantemente.
Minha reação imediata olhando por baixo da mesa teria sido cômica se eu não estivesse tão furiosa com aquela mulherzinha desprezível. Entretanto, resolvi a questão com um “senhor chute na canela” da fisioterapeuta.
-- Au! – Pietra exclamou.
-- O que foi Pietra? – Perguntei com uma inocência irônica.
-- Nada, acho que um bicho me picou...
-- Cuidado, eu vi uma cobra por aqui...
A animosidade velada, maculada por troca de farpas e agora chutes tornou aquele almoço indigesto. Eu sabia que a canelada não ia ficar impune.
-- Laila, você sabia que a Isabela agora está viúva?
-- É... Sim, eu soube há um tempo atrás ... Sinto muito Isa.
Acenei em acordo.
-- Mas ela é o que podemos chamar de viúva alegre, não acha uma oportunidade maravilhosa vocês se encontrarem? Justo agora que você se separou?
Laila engasgou com o suco, cuspindo o conteúdo na cara de Pietra.
-- Ai meu Deus desculpa Pietra... – Laila se desculpava entregando-lhe um guardanapo.
Eu me dividia entre o ódio com a pergunta infame de Pietra e a vontade de rir da sua cara coberta de suco de manga, mas a reação de irritação dela usando o guardanapo para se limpar me deu uma excelente idéia, especialmente quando vi sua roupinha clara sendo manchada com aquele líquido amarelo.
-- Não se preocupe Laila, Pietra tem a cara deslavada... – Suzana disse com um tom provocativo.
-- Melhor uma cara deslavada do que cara de pau como de certas pessoas aqui...
Pietra já não era mais a senhora absoluta da situação. Era a hora do golpe de misericórdia. Em um gesto nada acidental, derramei o copo de suco de morango na mesa, exatamente na direção de Pietra, e a sua blusa com mancha amarela contrastou com seu short agora vermelho, alvo do meu ataque de suco de morango.
-- Mas que merd* Isabela!
Pietra saiu do controle. Falando alto uma sequência de palavrões.
-- Puta que pariu! Você estragou minha roupa!
A reação mais engraçada com certeza foi a de Vitória que colocou as mãozinhas nos ouvidos dizendo:
-- Tia Pietra você está dizendo palavão!
Segurei o riso, mas, não consegui, o que obviamente irritou ainda mais Pietra que parecia revelar outra face para a criança inocente.
-- Acho melhor você tentar limpar isso se não essa mancha não vai sair.
Disse fingindo delicadeza:
-- Isso não vai ficar assim Isabela!
Pietra saiu pisando firme fumaçando ódio pelas narinas. Suzana foi rápida em ditar orientações como era típico dela em situações de urgência:
-- Vitinho paga a conta, por favor. Bela vamos indo? Venha Vivi conosco. Laila, perdoe-nos mas nosso almoço acabou de acabar!
Laila ainda assustada com a situação acenou em acordo.
-- Vá na frente meu amor, vou em seguida.
Com cara de poucos amigos Suzana deixou o restaurante puxando Vitória pela mão. Eu, constrangida pela situação de Laila, senti que lhe devia ao menos uma explicação sobre o que se passara ali.
-- Laila eu imagino que você deve está perdida nessa confusão que te colocaram não é?
-- Isa eu juro que só aceitei o convite de Pietra por que ela insistiu muito falando de uma sobrinha que foi assistir meu jogo, eu não imaginava que encontraria vocês aqui.
-- Eu imaginei isso. Pietra te usou para me provocar e provocar Suzana, Ela não se conforma com nosso casamento e está infernizando nossa vida, usando inclusive a Vitoria, que sobrinha da Suzana para minar nossa relação.
-- Eu sei bem o que é esse lado psicótico da Pietra. Ela é uma mulher muito determinada, consegue tudo o que quer, quando não consegue ela fica à beira da loucura.
-- Só à beira? Ela está louca Laila! Se você soubesse o que ela já armou... Ela está no mesmo nível da bruxa da Branca de Neve e do Lobo Mau!
Laila gargalhou.
-- Era só o que me faltava, minha ex-namorada a nova vilã das estórias infantis.
-- Laila juro que não estou exagerando.
-- Então minha querida, aí vai um conselho: muito cuidado com ela. Pietra sabe ser maquiavélica, não se dá por vencida facilmente.
O conselho de Laila causou-me arrepios, como se pressentisse que a derrota de Pietra nos custaria muito caro. Suzana me esperava no carro emburrada.
-- Pronto? Mataram as saudades? Trocaram telefone, e-mail?
-- Nossa que fofa que minha noiva fica enciumada!
Apertei as bochechas de Suzana encantada com seu bico de criança mimada.
-- Ai nem vem ta?! Pow o que você tinha pra falar com ela a sós?
-- Suh... A Laila foi uma inocente útil nas mãos da Pietra, precisava adverti-la antes que sua ex tentasse usá-la mais uma vez, deixar claro que não sou uma viúva alegre, e sim uma noiva apaixonada!
O bico se desfez, mas Suzana não se entregaria tão fácil antes de receber mais massagens no seu ego e de me arrancar mais declarações de amor.
-- Ah é né? Muito bem, deixou isso claro?
-- Claríssimo meu amor, e Laila ainda me preveniu sobre o quão perigosa Pietra pode ser.
-- Sei... Ela não te deu mole?
-- Claro que não meu amor, e se desse, perderia o tempo dela, apesar dela ser um monumento de mulher, estou muito bem servida desse conteúdo.
Suzana apertou os olhos demonstrando sua insatisfação com minha observação.
-- Minha noiva é muito mais gostosa, e infinitamente mais linda e interessante. – Disse beijando suas mãos.
-- Ow Isabela! Tem mais alguma ex-namorada, ou caso seu pra aparecer que eu ainda não conheça?
-- Não meu amor, todas as quatro mulheres que eu tive você conheceu... E não são problemas para nós.
-- Sei... Tem mais alguma coisa que eu precise saber, algo que você me esconde?
-- Não meu amor, não há mais nenhum segredo entre nós.
-- Certeza que não vai aparecer uma mulher ou um homem com uma penca de filhos no dia do nosso casamento cobrando pensão atrasada?
-- Não meu amor!
-- Acho bom...
-- Não vai aparecer porque eu não atraso a pensão alimentícia! Isso dá cadeia sabia?
Segurei a gargalhada por alguns segundos ao observar a expressão agastada de minha noiva, mas não resisti, gargalhei. Suzana sorriu, desfazendo a cara amuada e deu partida no carro. No trajeto recebi uma mensagem de texto de Virginia:
-- Isa, já estou em Campinas.
Deduzi que o que acontecera na noite passada abalou mais do que eu esperava a relação das minhas amigas. Senti profundamente tal conclusão. Eu precisava fazer algo, por elas duas e por minha amizade com Olivia e principalmente, eu devia isso a Virginia.
-- Amor, me deixa na casa da Lili, preciso conversar com ela, não posso retornar à Campinas sem me entender com ela.
Fim do capítulo
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LeticiaFed
Em: 01/12/2021
Essa Pietra é macumba braba, heinhô? Afff.
Ja com pena da Suzana, muita ex da Isa ressuscitando, mas compensam em chatice com a Pietra pedra no sapato...
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