CAPÍTULO 50– LIÇÃO 44: PAGUE O DOBRO, MAS NÃO PERCA CALADA
Naquele dia tão longo que deve ter durado umas 72h, eu não sabia o que fazer para conter minha ansiedade em esperar Marcela no aeroporto à noite. O desafio maior era esconder minha impaciência diante de meus pais, por mais que eu negasse isso, minha mãe sabia me ler sim, isso ficou evidente após a chamada de vídeo de Ivy, logo após o almoço, quando ainda estávamos na cozinha traçando planos para os próximos dias em São Paulo.
-- Com licença, vou atender a Ivy no quarto.
-- Ah filha, deixe-me vê-la, você traduz o que eu vou falar, quero ver o menino também, o loirinho, como é nome mesmo?
--Ben. Mas, pai...
-- Vamos filha, atende, não vou tomar muito do tempo de vocês.
Assenti constrangida, sob o olhar atento de minha mãe.
-- Oi baby, meu pai quer te ver, o Ben está por aí?
-- Oh, que gentil. Ben, venha aqui meu querido, Luiza e o pai dela querem te ver.
Meu pai esbanjou simpatia para Ivy e seu filho, me deixando em uma saia justa quando pedia que eu traduzisse para ela que ele estava ansioso para conhecer a mulher que fazia os olhos da filha dele brilharem a cada vez que recebia uma mensagem ou ligação. Apesar de ser uma mulher muito comedida em exteriorizar sentimentos, Ivy demonstrou carinho nas palavras ao meu pai, arriscando a falar em português: “ansiosa para conhecer Senhor Antonio, logo”. O Ben não parava de me perguntar quando eu voltaria de viagem, até Ivy discretamente repreendê-lo por estar interrompendo a conversa de adultos.
Aquela chamada de vídeo foi um banho de água fria no meu frisson para reencontrar Marcela à noite. Um pequeno sacode para me colocar de volta à realidade: eu era uma mulher comprometida, e não podia agir como uma inconsequente. Fiz um esforço enorme para disfarçar para Ivy meu desconforto, quando ela me perguntou sobre a melhor data para comprar a passagem para o Brasil, protelando uma decisão que eu não estava pronta para tomar. O impacto daquela ligação me fez repensar sobre esperar Marcela no aeroporto como combinamos, eu sabia o que aconteceria, o romantismo implícito naquele ato...Mas... Lembra da história de abraçar o capeta? Depois de receber um áudio do capeta em questão, eu decidi não só abraçar, decidi bailar e dormir com ele.
-- “Se eu soubesse que esses dias seriam tão longos longe de você, teria te trazido comigo para Ribeirão, parece que fazem anos que te vi, deve ser desejo acumulado... Malu, estou contando os minutos para te ver, beijo”.
Suspirei né, tremi. Respondi com o mesmo carinho. Joguei um véu nos meus pensamentos culposos sobre Ivy, e mergulhei na atmosfera que me colocava sozinha no universo com Marcela.
Essa atmosfera era frágil, rachaduras se faziam com uma mensagem de Ivy, uma pergunta do meu pai, um olhar da minha mãe.
-- Venha filha, vamos jantar, sua mãe preparou o caldo verde que você gosta.
-- Ah, paizinho... Eu vou sair, não vou jantar com vocês.
Do corredor minha mãe ouviu e entrou no quarto, depois de conferir meu look, disse ao papai:
-- Vamos Antônio. Luiza tem outros planos.
-- Você está muito bonita, filha. Vai sair sozinha?
A pergunta do meu pai deixou evidente a fragilidade do universo habitado somente por Marcela e eu:
-- Não, paizinho... Vou sair com uma amiga.
-- Então se divirta, filha.
Meu pai já me olhava diferente, intrigado. A ingenuidade dele me deu a certeza que mamãe não comentara nada sobre as suspeitas fundadas dela acerca de meu relacionamento com Marcela. Antes de sair do apartamento, chamei a mamãe e cochichei:
-- Para que a senhora não se preocupe, estou avisando, não vou dormir em casa.
-- É melhor você saber o que está fazendo, Luiza... De dia você está com uma e a noite está com outra... Nessa sua história aí, só tem uma pessoa que não está sendo enganada por você: eu. Até seu pai está sendo enganado.
Por mais que me custasse, eu tive que dar razão à minha mãe. Baixei os olhos enquanto ela voltava para cozinha. A sensação crescente de estar caminhando no escuro para um caminho desconhecido começou a se intensificar ali com aquela pequena constatação da minha mãe, a rachadura na atmosfera frágil que mencionei. Segui para Congonhas concentrando meus pensamentos em Marcela, relembrei o dia em que fui busca-la na rodoviária depois de suas férias, me transportei a leveza daquela lembrança e logo que desci do “Uber” procurei nas lojas do aeroporto algum acessório que lembrasse a Minie, uma vez que durante a faculdade, Marcela usava tudo da personagem da Disney, lembrei-me da surpresa que fiz na rodoviária do Rio, anos atrás.
Sem atrasos, o voo de Marcela aterrissou. A mensagem dela foi o suficiente para deixar meu coração aos galopes.
-- Desembarcando, Malu.
E ali estava eu, uma mulher de quase 40 anos, pesquisadora respeitada, professora universitária, no saguão de Congonhas, usando um arco na cabeça lembrando as orelhas da Minie, com outra pelúcia do personagem, dessa vez um bem menor, o único disponível na loja do aeroporto. Ao me ver, Marcela diminuiu o ritmo dos passos, e parou abrindo um sorriso largo, incrédula, colocou as mãos no rosto, enquanto eu caminhava até ela, entregando a pelúcia.
-- Maria Luiza Antero! Como você é boba!
Nem tive tempo de responder, Marcela parecia estar na mesma atmosfera na qual só existia nós duas, tomou meus lábios e me beijou com toda naturalidade, ignorando as pessoas em volta, éramos só eu ela e nossa história naquele beijo.
-- Eu amo uma mulher bobona...
Marcela deixou escapar a declaração enquanto tirava o arco com as orelhas da Minie, colocando na cabeça dela. Com uma mão empurrou sua pequena mala e com a outra pegou na minha me conduzindo até o estacionamento do aeroporto. Enquanto a bobona, babava... Sem reação ao “eu amo”, me deixava ser conduzida, encantada, apaixonada.
Conversamos amenidades pelo trajeto, sobre nossas rotinas dos últimos dois dias, até chegarmos ao apartamento de Marcela.
-- Luiza, estou muito cansada para sair, se incomoda se pedirmos algo para jantarmos em casa?
-- Claro que não me incomodo. Imaginei que ia chegar cansada, poderia te preparar alguma coisa...
-- Não ia querer perder tempo com você cozinhando para mim... Quando temos coisas mais interessantes para fazer...
Marcela se aproximou da minha boca, roçou o nariz pelo meu queixo, pescoço, despertando o eriçar da minha pele.
-- Vamos subir, eu preciso muito de um banho...
Dessa vez mais comportadas, entramos no elevador trocando olhares cúmplices, faiscando desejo.
-- Prometo que não demoro no banho, pode escolher algo desse cardápio para nós?
Marcela disse me entregando um panfleto com opções de massas de um restaurante do bairro. Não demorou a voltar à sala, envolta em uma toalha de banho, exalando sensualidade enxugando seus cabelos. Respirei fundo sentindo meu sex* vibrar, lendo minhas expressões, Marcela sorriu pretenciosa, certa que mantinha o domínio absoluto dos anseios do meu corpo.
-- Escolheu nosso jantar?
-- Quem?
-- O que vamos comer? Decidiu?
-- Você...
Marcela sorriu com o canto da boca, caminhou em direção, a varanda e fechou as cortinas, se aproximou de mim me fez sentar no sofá da sala e deixou a toalha que lhe cobria cair no chão, sentou-se encaixada nas minhas pernas e sussurrou ao meu ouvido depois de passar sua língua quente na minha orelha:
-- Vamos começar com a entrada então...
Meu sex* se encharcou com a visão, ela tinha o poder de “me esquentar com o vapor da boca e melar minha fenda”. Sentada sobre mim “Imprensando minha coxa na coxa que é dela, dobrou os joelhos e implorou o meu líquido”. O cheiro do gozo acendia, enchia meu olfato e todos os meus sentidos, me mostrando o quanto ela “me quer, me quer, me quer, e quer ver meu nervo rígido”, e ele estava... Rígido, edemaciado, molhado. Marcela era daquelas “mulheres pra comer com dez talheres, de quatro, lado, frente, verso, embaixo, em pé”. Com o banquete posto inteiro para me deliciar,” roer, revirar, retorcer, lambuzar e deixar o seu corpo tremendo, gem*ndo, gem*ndo, gem*ndo”.
* Parafrases da canção Eu comi a Madona de Ana Carolina.
Aquele universo mesmo frágil era o lugar mais seguro para meus pensamentos, desejos e sentimentos. Não era só minha carne que se satisfazia, nossa intimidade parecia ser a resposta óbvia para qualquer dilema que eu levantasse sobre a intensidade do amor que outrora classifiquei como uma história do passado. A intimidade não era só física, era natural, tão certa que me fazia esquecer o quão errada eu estava moralmente.
Acordar ao lado de Marcela me transportava para o sentimento de plenitude que eu nem sabia que sentia tanta falta, desde que nos separamos. Mas, a fragilidade estava no limiar de romper essa plenitude também, haviam perguntas a serem feitas e muitas precisavam ser respondidas, por mim e por Marcela.
-- Mah, a gente precisa conversar.
Disse enquanto tomávamos café.
-- Essa frase nunca é boa...
-- Mah... A gente precisa sair da bolha...
-- Eu sei, tenho um pressentimento ruim sobre nosso futuro fora dessa bolha.
Respirei fundo concordando com ela. Nesse momento, recebi a comum mensagem matinal de Ivy, respondi como de costume, prontamente.
-- Essa conversa envolve essa pessoa que te enche de mensagens o dia todo?
-- Envolve eu e você e como nossa vida está agora e sobre isso que está acontecendo conosco.
-- Nossa! “Isso”...
-- Como você definira? – Perguntei sem graça.
-- Reencontro.
-- Tudo bem, desculpa... Sobre nosso reencontro.
O barulho do vibra do celular ao receber as mensagens começou a irritar, Marcela.
-- Você precisa responder agora essas mensagens? Ela não pode esperar alguns minutos?
-- Mah...
Segurei sua mão, beijei-a, tentando minimizar a situação desconfortável.
-- É sério o que você tem com ela?
--É... Ou era... O nosso reencontro abriu uma janela no tempo e eu estou tentando entender a dimensão disso tudo.
-- Quem é ela?
-- Ela é uma pesquisadora de Cambridge, estamos juntas a dois anos.
-- Dois anos? – Marcela arregalou os olhos. – Isso equivale a quanto tempo no mundo lésbico?
-- Marcela, lésbicas não são cachorros de pequeno porte. – Tentei brincar.
-- Luiza, é mais tempo do que passamos juntas...
-- Amor não se mede em razão do tempo, Mah.
-- Amor? Você a ama?
Os olhos de Marcela agora tinham um tom acusatório, de censura, senti o peso daquela pergunta, e o pior, amarguei o peso que teria qualquer resposta minha.
-- Não sei mais, Marcela. Desde que te reencontrei eu só sei que tudo que eu senti por você quando eu fui embora quatro anos atrás continua vivo, tão vivo que me fez perder a razão...
-- Isso quer dizer que...
-- Sim, Mah... Eu ainda te amo.
O sorriso de Marcela foi de alívio, mas não foi esse o sentimento que experimentei. Verbalizar meu amor por ela deu mais robustez à minha culpa. Foi a vez de Marcela segurar minhas mãos.
-- Eu nunca deixei de te amar, Malu.
-- Mah, eu preciso ser honesta com você... Eu nem considerava mais voltar a morar no Brasil, não tinha esperanças em relação a nós, eu acreditei de verdade que você tinha seguido sua vida, primeiro com a Milena... Talvez tenha sido um mecanismo de defesa meu para me conformar que nossa história tinha acabado.
-- Está tentando me dizer que você pretendia se casar com essa mulher?
-- O nome dela é Ivy. Nunca falamos de casamento, mas o fato dela ser mais velha do que, é mãe de um garoto de 8 anos, que eu acabei de apegando, meu deu estabilidade... Eles acabaram sendo meu referencial de família na Inglaterra.
Marcela soltou minhas mãos, baixou a cabeça, nitidamente abalada com meu relato.
-- Eu não sei o que falar... Claro que eu supunha que você tinha ou teve alguém lá na Inglaterra, desde que postou em redes sociais seu relacionamento com a Beatriz...
-- Não tive um relacionamento com a Beatriz em Oxford, fizemos companhia uma pra outra... Não teve importância.
-- Diferente da Ivy, não é?
-- Marcela, não faz assim... Não me olha assim...
A expressão magoada de Marcela me doía, evidenciando a força do meu amor por ela.
-- Não sei como devo te olhar... É muito louco pensar que se o seu pai não tivesse adoecido tão gravemente você não teria voltado ao Brasil, e a gente nunca ia se reencontrar...
-- Mah, ninguém conhece os desígnios do destino... Nossa história não tinha acabado, agora nós sabemos disso.
-- E como ela vai acabar?
-- Depois desse reencontro, acha que estamos perto de um final?
-- “Deixa estar, o que for pra ser vigora”, é isso?
--Quem sou eu para questionar a Maria Gadu... – Brinquei – Se eu puder te pedir uma coisa...
-- O que, Luiza?
-- Tempo...
-- Ah, isso é uma vingança?
-- O que? Não Mah! Não quero um tempo longe de você, eu ia te pedir um tempo para decidir como eu vou definir o meu relacionamento com Ivy com o resto de moral que me resta, mas não posso e não quero que você se afaste de mim.
-- Luiza... Não sei se fico confortável com essa situação...
-- Estou te pedindo muito, eu sei.
Marcela não conseguia me encarar, e eu entendia esse sentimento, por que eu mesma não conseguia me encarar também. Deixei o apartamento de Marcela em uma atitude furtiva, sem me despedir enquanto ela tomava banho, deixando apenas um bilhete do lado da pelúcia da Minie, recém dada a ela:
-“Acho que é hora de mais uma vez te dar espaço, mas dessa vez eu estarei a poucas quadras de você, te esperando. Te amo.”
Fim do capítulo
Chegamos ao CAPÍTULO 50!
A conversa honesta teve seu primeiro round, agora é hora de decisão!
Obrigada pela paciência meninas!
Comentar este capítulo:
Rafaela L
Em: 28/11/2021
Por favor,manda o 51 Mel !!
Curiosissíma para ler a continuidade!
Tem dias específicos,em que vc atualiza?
Boa noite,querida!!
Resposta do autor:
Oi Rafa, 51 postado.
Estou tentando postar nas quartas e sábados, Rafa, mas ontem foi impossível.
[Faça o login para poder comentar]
theycallmeangel
Em: 27/11/2021
Conversa importante!! Achei Luiza mega sensata em ser honesta e colocar as cartas na mesa... Espero que agora ela resolva tudo com Ivy e fique livre para viver esse grande amor.
[Faça o login para poder comentar]
Marta Andrade dos Santos
Em: 25/11/2021
Gente que complica né kkkkk
[Faça o login para poder comentar]
Rafaela L
Em: 25/11/2021
01:45 da madruga.Tô aqui,namorando essa história! Relendo-a pois a primeira vez que a vi por aqui.N lembrava onde tinha parado.
Pois bem,estou a ouvir " encontro" da Gadu.( Vou dormir ouvindo hj)
E toda apaixonadinha por tá reencontrando essas meninas.
Que história,linda! Contexto inteligente,bem humorado.Sou uma admiradora de tudo que vc escreve,Mel! Obrigada por propocionar momentos agradáveis de romances impossíveis no qual vou pagar terapia por n ter rsrsrs
Sou fã real, autora! Carinho especial por essa história e por Leis do destino!!!!! A cena da Mad Square da Nat,nunca saiu de minhas lembranças.Estou relendo de novo.Com a maior satisfação!
Resposta do autor:
Nossa, eu me emocionei aqui lendo seu comentário! É muito bom partilhar essas histórias hora fantasiosas, hora resultante de minhas experiências de vida e despertar tantos sentimentos bons. Muito obrigada pelo carinho de sempre! Beijo
[Faça o login para poder comentar]
Acarolinnerj
Em: 25/11/2021
Realmente elas precisavam ter essa conversa.
Espero não ter que passar mais 4 anos uma longe da outra pra poder se acertar. E também acho que tá na hora da Marcela correr um pouco atrás também..
Saudades dos outros personagens...
Resposta do autor:
Bem lembrado... os outros personagens rsrs eu concordo que Marcela tem que correr atrás também, mas ainda tem coisas que Luiza precisa enfrentar e resolver, para avançarmos
[Faça o login para poder comentar]
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]