- Oi? Como assim? – Renato encarou surpreso a esposa. – Helena, você está com outra pessoa?

- Não! – Helena prontamente negou. – E não é essa a questão, Renato.

- Então me explica qual é a questão?

Helena suspirou, estava confusa, não sabia o que explicar ao marido já que nem ela mesma entendia o que estava sentindo.

- Senta aqui, Renato? – Chamou e o marido sentou em sua frente na cama. – Nós estamos juntos desde os nossos 16 anos, aos 18 já éramos pais, nunca vivemos nossa juventude, você sabe disso. Éramos dois jovens perdidos aos 20 anos, frequentando festas infantis dos amigos da escola da Clarinha.

- Mas fomos felizes, não é? Aliás, ainda somos!

Helena segurou as mãos do marido e fez um carinho.

- Sim, sempre fomos felizes. Mas agora... – Fez uma pausa para organizar seus pensamentos. – Agora as crianças cresceram, já não são mais tão dependentes de nós, é a nossa oportunidade de nos permitirmos viver um pouco para nós mesmos e não só para eles.

Renato ainda estava confuso.

- Mas nós precisamos de outras pessoas para aproveitar a vida e conhecer coisas novas? Eu achei que você era feliz no nosso casamento, Leninha.

- Renato, olha para mim. – Helena pediu e deu um sorriso antes de continuar. – Eu sou feliz, você me faz muito feliz!

- Então, por que?

- Para a gente viver tudo que não vivemos. Renato, eu não estou dizendo que a gente vai ter que sair todos os dias com várias pessoas, trans*r todo dia com alguém diferente. Eu estou pedindo que a gente tenha a chance de viver a nossa individualidade, de conhecer melhor nós mesmos e, também, conhecer novas pessoas, viver novas experiências, porque nossa vida vai passar e nós nunca tivemos essa oportunidade.

Renato respirou fundo, estava completamente surpreso com aquela conversa da esposa. Nunca esperou aquilo dela. Mas não podia negar que em tantos anos de relacionamento por vezes tivera olhado e desejado outras mulheres. Apesar disso, nunca imaginou viver essa situação e não sabia se teria capacidade para lidar com isso.

- Helena, você sabe que eu faço tudo que estiver ao meu alcance para te fazer feliz, mas isso eu não sei se consigo.

Helena entendeu o marido.

- Me promete que ao menos vai pensar? Com carinho?

- Sim, prometo pensar sobre isso.

Renato deu um beijo na testa da mulher e foi deitar ao seu lado na cama. A cabeça do homem estava a mil com tantos pensamentos naquele momento e Helena sabia que não deveria pressioná-lo. A verdade é que nem sabia de onde tinha tirado coragem para propor aquilo ao marido, mas sabia exatamente qual era o motivo.

No dia seguinte, Renato saiu cedo para jogar tênis com amigos.

Helena percebeu que o marido estava um pouco distante e pensativo, resolveu que lhe daria um pouco de espaço para organizar os pensamentos.

A própria Helena estava repensando sua proposta, pensava que poderia ser loucura demais aquilo tudo e que não deveria ter dado ouvidos aos conselhos de Bianca.

- Mãe, vamos no parque? Está um dia tão bonito, quero andar de patins.

Valentin disse ao entrar no quarto da mãe naquela manhã de sábado.

Helena sorriu para o filho. Era louca pelo menino, sempre tão doce e querido com todos.

- Claro, filho! Estava mesmo aqui pensando em algo pra gente fazer hoje. – Falou ao abraçar o garoto. – Vá chamar sua irmã também enquanto eu me arrumo.

Helena tomou um banho rápido e colocou uma roupa leve, já que o dia estava quente. Aproveitou para ligar para Bianca e convidar a amiga para acompanha-la naquele passeio ao parque.

Bianca tinha a mesma idade de Helena, mas não tinha filhos. Foi casada por um tempo, mas estava solteira há 2 anos e curtindo a vida novamente. Além de melhor amiga, Bianca também era advogada de Helena, seu escritório era responsável pela parte jurídica dos restaurantes.

As duas mulheres tinham uma conexão tão forte que pareciam irmãs.

Quando já estava pronta para sair, Helena desceu a procura dos filhos, que também já estavam prontos e a aguardavam.

- Vamos, meus amores?

Helena estava feliz por passar um tempo com os filhos, sabia que agora que estavam crescendo esses programas tendiam a diminuir.

- Mãe, será que depois a gente pode passar no shopping? – Clara perguntou quando entraram no carro. – Estou precisando comprar uma roupa para o aniversário da Letícia.

A menina falou sobre uma amiga da escola que Helena não se recordava exatamente qual delas naquele momento.

- Clara, você tem tanta roupa, precisa mesmo comprar uma roupa só para o aniversário da sua amiga?

- Sim né, mãe!? – A menina falou como se fosse óbvio. – Todo mundo já me viu usando as roupas que tenho, preciso estar com algo diferente.

- Aposto que ela quer roupa nova porque vai ter um namoradinho lá!

Valentin falou provocando a irmã, que fez uma careta para ele, que estava sentado no banco de trás. Helena não aguentou e deu risada. Sabia que passar um tempo com os filhos a faria bem e acalmaria um pouco seu coração, que andava tão atordoado nos últimos dias.

- Para de gracinha vocês dois. – Pediu ao ver que os irmãos continuavam se implicando. – Me contem como foi ontem na casa da tia Lu.

O caminho foi descontraído enquanto os meninos contavam sobre a noite anterior que passaram na casa da cunhada de Helena.

Logo que chegaram, Bianca já estava à espera dos três. As crianças eram apaixonadas por Bianca, que amava fazer o papel da tia maluca que fazia todas as vontades deles.

- Tia, tenho uma festa importantíssima na sexta e mamãe acha que não é necessário comprar uma roupa nova só para isso, você acredita?

Clara falou logo que encontrou Bianca, pois sabia que teria seu apoio.

- Cacá, faz tanto tempo que sua mãe não vai numa festa legal que ela já não entende mais disso. – Bianca falou brincando e se esquivou do tapa que Helena tentou acertar nela. – A roupa nova vai ser um presente meu. – Bianca piscou para a menina, que sorriu satisfeita.

As duas crianças se afastaram para andar de patins, era algo que os dois adoravam desde pequenos e Helena ficava feliz de ver a cumplicidade dos filhos.

- Você precisa parar de estragar a Clara, cada dia que passa ela está mais “patricinha”.

Bianca deu risada. De fato, a menina era um tanto deslumbrada, achava que tudo na vida eram roupas, sapatos, maquiagem, celular novo.

- Deve ser coisa da idade, Leninha. Ainda mais agora que ela está na fase dos namoradinhos, das paixões, com certeza quer estar bonita para o novo paquerinha.

- Você pode estar certa, talvez eu precise ser mais maleável. Me assusta quando penso que nessa idade eu já estava com o pai dela e um ano depois engravidei. Não consigo imaginar a Clara passando por uma situação dessa, ela ainda é uma criança. Não desejo isso para minha filha!

- Pois é, amiga! Deixe sua filha viver, experimentar coisas novas, ter uma juventude saudável, afinal, olha aí você se lamentando por ter se privado disso. – Bianca falou sincera. – Inclusive, será que você pode me contar exatamente o que rolou ontem? Quase não dormi de curiosidade.

Helena respirou fundo e contou para a amiga os acontecimentos da festa, desde o momento em que Martina a encontrou sozinha no jardim e também aproveitou para contar sobre a conversa que teve com o marido sobre seu casamento.

- Helena, eu tô chocada! – Bianca gargalhou. – Primeiro, porque, olha, Martina está de parabéns! Que mulher! Ela sabe o que quer.

Helena fez uma careta para a amiga.

- E sobre o Renato... meu Deus, Helena! Nunca achei que você seria capaz de propor isso de verdade. Realmente, Martina tem um efeito sobre você!

- Eu não sei porque te dou ouvidos ainda. Renato me olhou com uma cara que parecia que estava vendo um fantasma. E para de rir, garota!

- Amiga, não dá! – Bianca não parava de rir da situação e Helena acabava dando risada junto. – O Renato é tão “coxinha” que o coração dele deve ter parado por alguns segundos.

- Não fala assim dele. – Helena falou dando risada.

- Mas, falando sério, Leninha. Se vocês decidirem, de fato, tomar essa decisão, vocês precisam conversar muito e entender o que é válido para cada um, o que vai doer em cada um, seus próprios limites e os limites do outro. Você não pode esquecer que tem que ser uma via de mão dupla, o seu marido também estará livre para conhecer e estar com outras mulheres.

- Eu sei, Bia. Aliás, eu não sei... – Helena falou confusa. – Eu não consigo entender meus atos desde que essa mulher apareceu na minha vida, eu só estou me deixando levar e espero não me arrepender. E se tudo der errado, eu te mato, pois a ideia disso foi sua!

- Ah, é claro, a ideia foi minha e você está adorando, já que vai poder dar uns amassos na novinha. – Bianca zombou da amiga.

Helena revirou os olhos e empurrou a amiga, não tinha como levar a sério as coisas que Bianca falava. 

Depois daquela manhã agradável no parque, os quatro foram para uma unidade do Caiena almoçar. Helena pensou em ligar para o marido e chama-lo para os encontrar ali, mas imaginou que estivesse precisando de seu tempo.

Durante o almoço, Bianca questionou Helena sobre a reforma dos restaurantes já que faltava pouco mais de 40 dias para o aniversário da primeira unidade. Helena lembrou-se de Martina e da tarde que passaram juntas. Apesar de qualquer coisa, não poderia negar o quanto havia gostado do trabalho da moça e do projeto que ela havia mostrado brevemente. Então decidiu que contrataria os serviços de Martina e disse a Bianca que na segunda-feira agendaria uma reunião com todos que fossem necessários para falar sobre a reforma e fechar os contratos.

Helena não pode evitar o frio na barriga instantâneo que surgiu ao pensar que passaria muito mais tempo ao lado de Martina pelo próximo mês.

Depois do almoço divertido, Clara lembrou que queria passar no shopping e todos foram. Helena estava se sentindo bem, mais viva e com mais vontade de viver, e também aproveitou para comprar algumas roupas para si.

Valentin e Clara fizeram a festa em várias lojas. Helena tentava controlar, mas Bianca não sabia dizer não para as crianças. Acabaram todos levando muito mais coisas do que precisavam.

No final da noite a pedido de Valentin ainda aproveitaram para assistir um filme que estava em cartaz e comer muitas besteiras.

Quando finalmente chegaram em casa já passava da meia-noite e estavam todos cansados, mas felizes pelo dia bem aproveitado e divertido.

Helena estava se sentindo leve, feliz, sempre se sentia renovada de todos os problemas ao passar um tempo com os filhos.

Quando entrou em seu quarto Renato já estava adormecido. Helena sentiu-se um pouco mal por ter deixado o marido o dia inteiro sozinho, mas o homem também não havia ligado para procurar por ela ou pelos filhos naquele dia.

No domingo não foi muito diferente, quando Helena acordou o marido já não estava mais ao seu lado e também não o encontrou em casa. Pensou por alguns momentos se não tinha feito besteira com a proposta que fizera e se não estava colocando em risco seu casamento.

Sem notícias do marido, aproveitou mais um dia na companhia dos filhos na piscina e depois assistiram alguns filmes durante a tarde.

À noite, quando Helena saiu do banho, finalmente deparou-se com seu marido entrando no quarto. Seu semblante parecia meio perdido.

- Oi, Renato. Está tudo bem?

- Eu pensei muito em tudo que você me falou e sobre as consequências disso.

Helena notou que o marido estava extremamente sério e já imaginou que ele não aceitaria a proposta feita por ela.

Renato tinha ponderado sobre tudo naquele final de semana. Não havia contado aos amigos sobre nada disso, pois não sabia qual seria a reação deles, então preferiu decidir sozinho.

Pensou em muitas coisas. Era óbvio que já tinha flertado com outras mulheres durante seu casamento, que já tinha se sentido atraído e desejado outras mulheres, mas nunca teve vontade de realmente fazer qualquer coisa em respeito a sua família.

Mas também pensou que Helena estava certa em certo ponto. Ela tinha sido sua única mulher a vida inteira e Renato era feliz assim, mas por várias vezes se pegou pensando em como a vida teria sido tão diferente para os dois se não fosse a chegada de Clara.

- Eu fiquei preocupada com você, me desculpa se te magoei ou te ofendi de alguma forma com o que propus. Você tem todo direito de negar e de se chatear comigo, mas prometo que não toco mais no assunto.

Helena falou rápido e Renato sorriu.

- Está tudo bem, Helena! E eu acho que aceito...

- Aceita?

- Eu faço o que for preciso para que você seja a mulher mais feliz do mundo, Helena! – Renato se aproximou e buscou as mãos da mulher. – Eu aceito, mas nós precisamos conversar sobre isso, porque eu não faço a menor ideia de como será isso!

Helena e Renato tiveram uma longa conversa, na qual concordaram que sempre seriam sinceros um com o outro e que o casamento dos dois estava acima daquilo tudo e sempre seria o mais importante. Selaram o acordo com um beijo que ficaria marcado para o resto da vida dos dois.

- Helena, só uma última coisa... Você tem certeza que eu não estou dando um passo para te perder?

- Você não vai me perder, meu bem!

- Então me prova isso!

Naquela noite, Helena tentou bloquear qualquer pensamento que a confundisse e se entregou ao marido. Era importante para ele e também para si mesma, precisava entender seus sentimentos e sentir que nada afetaria o amor que sentia por seu marido. Helena estava decidida a não deixar que nada afetasse seu casamento.

No entanto, desde o minuto em que acordou naquela segunda-feira, Helena não conseguia parar de pensar em Martina. Parecia que agora sentia-se livre para deixar aflorar todos os sentimentos que a mulher causava em si e sentia todo seu corpo ansioso pela próxima vez que a encontraria.

Martina, por outro lado estava tentando manter-se mais distante de Helena. Depois daquela conversa na festa em que recebeu a negativa de Helena, estava receosa de estar entrando de cabeça numa história que só a machucaria e traria confusão para sua vida.

A mais nova estava tentando focar no trabalho quando sua secretaria entrou em sua sala.

- Martina, a Helena de Camões ligou agora querendo agendar uma reunião contigo amanhã pela tarde, para falar sobre a reforma dos restaurantes dela. É cliente nova? – A secretaria perguntou pois não conhecia Helena.

- Sim, a mais especial de todas! Pode marcar para o horário que ela quiser, Dani. Depois me passe as informações e o endereço.

Martina sorriu assim que a porta de seu escritório se fechou. Mesmo receosa do que viria a seguir, estava feliz por ficar perto de Helena e então focou em terminar o projeto que já apresentaria para ela no dia seguinte, tinha anotado todas as mudanças e observações ditas por ela quando esteve ali e queria apresentar algo que fosse perfeito para Helena.

As duas estavam muito ansiosas por aquele encontro, que havia sido marcado na pequena sala de reunião que ficava nos fundos da unidade principal do Caiena.

Martina fez questão de chegar um pouco adiantada para aquela reunião, na intenção de ter um momento a sós com Helena.

Helena já estava na sala de reunião a espera de Martina, Bianca, Alexandre, que cuidava do marketing, e também de Bruno, gerente central do Caiena. Escutou uma batida na porta e olhou para ver do que se tratava.

As duas mulheres sorriram assim que seus olhares se encontraram.

Fim do capítulo