CAPÍTULO 6: ARES ESTRANHOS
Parti para Minas com essa sensação esquisita de instabilidade no namoro. Talvez o fato de meus namoros com mulheres serem regidos pela intensidade, o freio que Clara impôs levantou várias questões em minha mente fértil e agora, insegura. Os dias se passaram lentos em Valença, contei a minha tia e a Lívia sobre meu namoro com Clara, minha sensação de desconforto com a última conversa entre mim e minha namorada afetou minha empolgação, e naturalmente, conhecendo-me profundamente, minha irmã e minha tia ficaram reticentes quanto ao meu relacionamento.
Apesar de nos falarmos ao telefone e por MSN várias vezes ao dia, não sentia Clara perto de mim. Os diálogos meio monossilábicos e o tom de voz apressado deram-me a impressão que algo ia muito mal, cedo demais pra o sentimento de romance arrefecer.
Depois do natal, resolvi antecipar minha volta a Campinas. Estava angustiada, impaciente com o comportamento estranho de Clara. Precisava vê-la, sentir o que acontecia de fato, resolver aquela situação desconfortável, pelo menos para mim.
Fui do aeroporto direto para o Colors, tentei avisar a Clara sobre minha chegada, mas seu celular estava desligado, e ninguém atendia no bar. Chegando ao bar, um dos funcionários relatou que acabara de abrir o local, informou que Clara ainda estava em casa, abriu o portão para que eu subisse, subi com um sentimento estranho no meu coração, encontrei a porta destrancada, entrei pisando leve, no estúdio não vi ninguém:
-- Clara? – Chamei.
Da varanda uma mulher surgiu, vestindo a minha camiseta da universidade de Oxford, tragando um cigarro. Meu coração acelerou, apertei os olhos como se duvidasse do que os meus olhos viam. A mulher se aproximou e perguntou:
-- Você é a Isabela?
Antes que eu respondesse, a voz de Clara vinda do banheiro me surpreendeu:
-- Isabela? O que você faz aqui?
Olhei para Clara com os olhos marejados, tomada por um sentimento odioso.
-- Então ela é mesmo a Isabela, muito bonita mesmo Clara.
-- Cala a boca Roberta! Você nem devia estar aqui, pedi que você fosse embora.
Não podia acreditar, era a própria, a ex de Clara. As duas discutiam, mas, eu sequer prestava atenção no teor da discussão, encontrar Roberta naquela situação depois de atestar o comportamento estranho de Clara, deu-me a conclusão desagradável que minha preocupação tinha fundamento. Não toleraria traição, meu primeiro amor teve o início de sua destruição com uma atitude dessa de Suzana, não toleraria também de Clara.
-- Isa não é nada disso que você está pensando... A Roberta não tinha onde ficar e não me avisou nada, mas ela já está de saída não é Roberta?
-- É... – A morena falou desconfiada.
Ignorei-as dando meia volta caminhando em direção à porta quando Clara segurou meu braço.
-- Isa espera...
-- Larga meu braço, eu não preciso passar por isso.
-- Isa não vá embora, escute-me, vamos conversar.
Desvencilhei-me da mão de Clara e saí do loft disposta a nunca mais encontrá-la. Não nego que doeu muito experimentar novamente a sensação de ter sido enganada, traída. O sentimento de ter confiado à pessoa errada as expectativas de um novo relacionamento depois da morte de minha mulher despertou a frustração, e me devolveu o luto, aumentando a saudade de Camila, que nunca fora capaz de me magoar dessa forma.
Passei os dias seguintes ignorando as chamadas de Clara no celular, na única vez que ela tentou falar comigo pessoalmente indo até o condomínio, não autorizei sua entrada. Viajei com Bernardo e Renato para o litoral no reveilon, evitaram falar no assunto, especialmente por que Renato defendia Clara afirmando que não acreditava que ela me traíra com Roberta, e Bernardo, ficou do meu lado, argumentando que por mais que ela não tivesse de fato me traído, o fato de receber a ex na sua casa, com tanta intimidade, cheirava a confusão, demonstrava que Clara ainda tinha uma ligação com Roberta, e isso implicaria em mais mágoa para mim.Eu também pensava como Bernardo, o melhor mesmo era me desapegar de Clara enquanto o namoro tinha pouco tempo, antes que eu me apaixonasse e fosse mais magoada.
O novo ano começou com os preparativos para minha viagem a Suécia. Márcia e Tia Sílvia, além do reitor da universidade, e o orientador de Camila compareceram a cerimônia de entrega do Nobel. Meu discurso carregado de emoção me deu a sensação de estar sendo observada bem de perto por Camila, enchendo meu coração de paz, compartilhei o mesmo sentimento com Márcia e Tia Sílvia que confessaram sentir a presença forte de Camila naquele momento.
A premiação que recebi atraiu ainda mais financiamentos para a pesquisa, resolvi aplicar o dinheiro dividido entre mim, Márcia e a universidade, no momento oportuno decidiria o que fazer com ele. No final de janeiro, os novos pesquisadores selecionados se apresentaram no hospital. Foi estranha aquela sensação de me enxergar naqueles residentes: olhar assustado, mas, curioso, expectativas e dúvidas, sobretudo a ansiedade de se superar, era minha imagem há anos atrás quando cheguei à Campinas.
Uma das residentes em especial me chamou a atenção: Virgínia era falante, interessada em todos os detalhes da pesquisa, seus olhos brilhavam enquanto eu explicava o cronograma de atividades, os cabelos na altura no ombro, cacheados lhe davam um charme despojado. Usava bijuterias artesanais, bolsa na transversal do corpo, nos pés um “all star” acentuando sua aparência quase adolescente, não aparentava mais de 20 anos apesar de ter 24. Ao final da primeira reunião que presidi, todos deixaram o auditório, exceto Virgínia:
-- Doutora Isabela? Posso falar com a senhora um instante?
-- Claro, você é a Virgínia Alencar?
-- Sim, sou eu.
-- Seu currículo é muito bom, mas me diga o que você deseja falar.
-- Gostaria de dizer que a senhora pode contar comigo para qualquer trabalho extra, ficar mais tempo, compilar dados... Sou fascinada por essa pesquisa desde que a conheci ainda no segundo semestre da graduação por motivos pessoais... Perdi minha mãe por conta de um aneurisma...
-- Ah... Entendo... Mas não vou te explorar não, de qualquer forma, é bom saber sobre seu interesse, minha intenção com o intercâmbio é justamente essa, trabalhar com pessoas motivadas.
Virgínia sorriu com o olhar fixo no meu encarando-me sem o menor pudor. Não sabia ao certo se aquele olhar era um flerte ou por fascínio pelo que eu representava: a pesquisa, por um motivo ou por outro, o olhar daquela menina linda me intimidou, desviei meus olhos quando o celular dela tocou.
-- Já estou saindo, espere-me no estacionamento.
A morena se despediu com pressa se desculpando por sair daquela forma. Caminhamos juntas até o estacionamento, perto do meu carro foi minha vez de me despedir:
-- Meu carro é esse, foi um prazer Virgínia, nos vemos amanhã, seja bem-vinda.
-- Obrigada doutora, é uma honra trabalhar com a senhora, li todos os seus artigos publicados.
-- Está indo para que lado? Quer uma carona?
-- Obrigada, mas tenho uma pessoa me esperando ali...
Virgínia apontou para um carro estacionado a poucos metros, no banco do motorista uma mulher de rosto familiar que me encarou com hostilidade, buzinando para apressar Virgínia.
-- Uma pessoa mal humorada que está mais impaciente que o normal...
Apertei os olhos para visualizar melhor o rosto daquela mulher, quando ouvi Virgínia reclamando:
-- Pára de buzinar Pietra! Já estou indo...
Pietra! A ex-namorada de Laila e de Suzana. O que estava fazendo ali? Que relação ela tinha com Virgínia? Meu dia até então se apresentou como uma sequência de memórias estranhas, presente e passado se misturando em situações parecidas, um caráter premonitório se desenhava em minha alma me assustando.
Distraída voltei para casa com essas indagações no meu pensamento, o que podia significar esses eventos e pessoas de volta à minha vida? Inevitavelmente pensei em Suzana, estaria ainda namorando Pietra? Como ela estaria? Naquela noite rolei na cama por horas antes de dormir, e no meu sonho meu passado continuou a me cercar trazendo-me Suzana.
Acordei com um sentimento controverso de ansiedade e angústia, saudade e medo. Desejava saber notícias de Suzana, lembrei-me que ela compunha o grupo de pacientes da segunda versão do neurochip, e nessa etapa atual da pesquisa precisávamos reavaliar a condição dos pacientes para troca do equipamento. Pensando nisso, a primeira atividade que solicitei dos novos pesquisadores, foi de fazer o levantamento dos pacientes que tinham as primeiras versões dos neurochips implantadas, para marcar nova consulta de avaliação.
No final do expediente, no meu consultório, Virgínia me procurou relatando que o levantamento fora concluído e Eliza já estava contatando os pacientes listados.
-- E no ambulatório, tudo correu bem?
-- Sim doutora Isabela.
-- Obrigada por me avisar doutora Virgínia.
-- Precisa de ajuda em mais alguma coisa?
-- Não, obrigada... Mas... Espere, posso te perguntar uma coisa?
-- Claro doutora.
-- Ontem eu pensei ter reconhecido a pessoa que te esperava no carro...
-- A Pietra?
-- Sim... Ela é fisioterapeuta?
-- Sim é... Então você a conhece?
-- É, a conheci há muito tempo.
-- Pietra é minha prima, estou morando no apartamento dela.
-- Ah... Então ela está morando aqui em Campinas... Não sabia.
-- Está há pouco tempo aqui, está trabalhando no time de vôlei masculino o Medley de Campinas...
-- Ah... Ela sempre trabalhou com fisiologia do esporte não é?
-- É... Estava trabalhando no Rio, na equipe da Laila que agora joga vôlei de praia.
-- Ah! Laila está no vôlei de praia? Estou mesmo desinformada.
-- Se você quiser conversar com ela, posso te dar o telefone dela... Ah, melhor! No final de semana, ela vai dar uma festinha no apartamento dela, reunir uns amigos pra me recepcionar e tal... Coisas dela... Ela é uma chata, mas, está me dando a maior força.
-- Obrigada pelo convite, mas Pietra não ficaria nenhum pouco feliz em me ver no apartamento dela.
-- Ela só é meio ranzinza doutora, mas é só fachada! Além do mais, eu avisei que convidaria algumas pessoas, já que a festa é pra mim...
-- Não acho mesmo uma boa idéia doutora Virgínia.
-- Vou deixar o endereço aqui anotadinho, se a senhora mudar de opinião, ficarei lisonjeada de ter sua companhia lá, afinal não conheço nenhum dos amigos da Pietra, e a galera daqui do grupo, ainda são estranhos para mim.
Virgínia com toda liberdade escreveu no meu bloco de anotações o endereço do apartamento de Pietra, abaixando-se sobre minha mesa, deixando os cachos de seus cabelos roçarem no meu rosto de um jeito displicente, como se agisse naturalmente ignorando seu ar sedutor, encarou-me olhando para mim bem de perto:
-- Vou ficar esperando.
Ao se afastar o cheiro de lavanda nos seus cabelos se espalhou, nem parecia que passara o dia inteiro no hospital, Virgínia tinha o perfume de quem acabara de sair do banho, sua vivacidade e simpatia transmitiam uma energia boa, sem dúvida era uma excelente companhia, ir à tal festinha poderia ser bom, até para matar minha curiosidade sobre Pietra e Suzana.
Bernardo achou uma péssima idéia minha ida a festa.
-- Mas não é você que vive me dizendo pra eu sair de casa? Conhecer pessoas novas...
-- Quando falo de pessoas novas, falo de um novo círculo de amizades, não quero dizer pra você sair com adolescentes!
-- Ai bicha exagerada! Ela é uma residente, não é uma adolescente.
-- Mesmo assim... Enxergo um motivo escuso, obscuro na sua decisão de ir a essa festa.
-- Que delírio é esse Bê?
-- Ah Isabela! Pra cima de mim? Conheço a você desde que você era melissinha tá! Você acha que não saquei que você está mesmo querendo notícia da doutora carioca gostosona...
-- Tá louca bicha!
-- Sei... Eu sou a louca agora? Mas não sou eu que estou procurando desculpa pra ter notícia de uma ex-namorada que traiu com uma Paola Bracho!
Gargalhamos. Mas, como me irritei por Bernardo me conhecer tão bem. O convite para festa na casa de Pietra ecoou no meu pensamento nos dias que a antecederam, e cada vez mais me sentia tentada a comparecer e dissipar todas aquelas questões acerca de Suzana com Pietra.
Suzana foi uma das poucas pacientes que não responderam ao nosso contato, os telefones não existiam mais, não trabalhava mais no Fundão, e não respondeu aos nossos e-mails, temi que a doença dela tivesse evoluído nos últimos anos, e a dúvida sobre ela ainda estar viva passou a integrar a gama de indagações a seu respeito que eu precisava esclarecer.
No dia anterior à festa, uma chuva torrencial atingiu Campinas, para evitar outro contratempo como ficar alagada dentro do carro, me apressei para sair do hospital. Passando em frente ao ponto de ônibus, avistei Virgínia, ensopada, procurando abrigo no guarda-chuva de uma senhora de idade. Parei, baixei o vidro a surpreendendo:
-- Ei doutora! Prefere carona no guarda-chuva da vózinha aí, ou aqui no banco do passageiro?
-- Doutora Isabela!
Virgínia abriu um largo sorriso, correndo em direção ao carro, entrando apressada.
-- Nem acredito que a senhora parou pra me oferecer carona.
-- Por que não uai?
-- Uai... Engraçado... Às vezes esqueço que a senhora é mineira.
-- É, eu também...
Sorrimos.
-- A senhora está indo pra o bar que o pessoal está reunido?
-- Você esqueceu que sou a chefe? Já viu convidarem chefe para reuniãozinha festiva?
Virgínia sorriu sem graça.
-- Mas, eu chamei... A propósito é amanhã, está lembrada?
-- Ah sim, estou sim. Você sabe que bar é esse, pra te deixar lá?
-- É... Colorido.
-- Não seria Colors?
-- Ah é isso mesmo, conhece?
-- Conheço sim, te deixo lá.
-- É caminho da senhora? Por que se não for, eu fico o mais perto possível.
-- Fica perto, não se preocupe, não é incômodo.
Virgínia tinha uma fonte de energia inesgotável, falava sem parar, e com seu sotaque carioca, aquela conversa no percurso até o bar se tornou um delicioso passatempo. À frente do bar, estacionei, evitando olhar para o Colors, temendo reencontrar Clara.
-- Doutora Isabela, vamos entrar, o pessoal vai adorar a surpresa, acho que não convidam por receio da senhora se ofender...
-- Obrigada Virgínia, mas vou recusar, divirta-se.
Virgínia continuou insistindo, tempo o suficiente para eu ver saindo pelo portão lateral o qual dava acesso às escadas que davam para o loft, justamente quem eu não queria ver: Clara, e pior, Roberta acompanhando-a num clima bastante íntimo, a segunda segurava a cintura da minha ex, cochichando alguma coisa que arrancava o sorriso que tanto me encantou. Fixei meu olhar na cena, agachando minha cabeça para visualizar melhor o casal, inevitavelmente, meu esforço chamou a atenção de Virgínia:
-- Conhece?
-- Essa loira é a dona do bar.
-- Bonita... Elas são namoradas não é?
-- Acho que sim.
Virgínia passou a observá-las também, e testemunhou comigo a prova de que as duas eram um casal de novo: um beijo de despedida, na entrada do bar, antes de Roberta partir com o carro de Clara.
-- É... São mesmo namoradas.
Virgínia falou olhando para mim, como se tentasse decifrar minha expressão.
-- Doutora Isabela? Está tudo bem?
-- Desculpe-me Virgínia, mas, preciso ir, antes que a chuva piore.
-- Claro doutora, obrigada pela carona, muito obrigada mesmo! Ah! Espero a senhora amanhã, não me decepcione!
Não sei definir o que senti ao atestar que de fato, fui traída mais uma vez. Talvez alívio por não me envolver profundamente com Clara, ou frustração por ter saído do meu luto com alguém que não era digna de minha confiança. A verdade, foi que doeu ver Clara e Roberta juntas, não acreditava que Roberta era merecedora de uma segunda chance com alguém tão especial quanto Clara, apesar de naquele momento, eu duvidar que Clara fosse mesmo tudo aquilo que eu enxerguei.
O único saldo da decepção foi o fim de minha dúvida acerca da minha ida à festa na casa de Pietra, agora estava decidido, eu iria. Obviamente minha decisão não estava condicionada à minha situação com Clara, mas a certeza de que agi corretamente me afastando dela, de alguma forma me motivou a enfrentar meus fantasmas.
Usei a produção inspirada na transformação que Bernardo e Renato fizeram em mim, e cheguei ao apartamento de Pietra uma hora depois do horário marcado. A dona da casa me recebeu, ao se deparar comigo sua aparência de surpresa merecia ser postada ao vivo no twiter.
-- Isabela?! O que faz aqui?
-- Olá Pietra, como vai?
Antes que eu explicasse que eu era convidada de Virgínia, a mesma se apresentou com seu jeito efusivo me recepcionando:
-- Doutora Isabela! Que bom que veio! Já estava achando que a senhora não viria!
Virgínia me pegou pela mão puxando-me para dentro do apartamento, não se dando conta da palidez da prima, paralisada segurando a porta.
-- Vamos esquecer esse doutora, esse senhora hoje Virgínia?
-- Ótimo! Por que a senhora... Desculpa, você, não tem cara de senhora...
Arregalei os olhos estranhando a colocação da moça.
-- Não quis dizer que você não é de respeito, só que é jovem demais pra ser chamada com tom de “senhora”.
O jeito despojado de falar de Virgínia, típico das cariocas, ainda dava espaço para caras e bocas, que acabavam me deixando muito à vontade por sua honestidade escachada.
Senti-me no centro da estória da música do Legião “Eduardo e Mônica” : “festa estranha gente esquisita...”, estava acostumada com o meio gay apesar de não ser freqüentadora assídua de festinhas do gênero, eu e Camila dificilmente saíamos pra programas desse tipo, entretanto, os amigos de Pietra pareciam pouco sociáveis, inclusive na tarefa de acolher a jovem prima da dona da casa.
-- Doutora...ops... Isabela, ainda bem que você veio, por que não consegui me enturmar por aqui...
-- Você Virgínia? Você faria amizade até com alguém com Glasgow 3*!
-- Está me chamando de tagarela é?
-- Eu? Imagina...
Sorri sarcástica, Virgínia fez bico fingindo ofensa.
-- Nem faça esse bico... Pode soltar a língua aí, por que imagino que você está louca pra começar a falar dessa gente esquisita...
Virgínia deixou escapar o riso preso pela expressão supostamente emburrada e desabafou:
-- Ainda bem, eu sou normal! Você também achou essa galera esquisita?
-- Muito...
-- Então vamos beber pra essa galera ficar interessante...
*A escala de coma de Glasgow (ECG) é uma escala neurológica que parece constituir-se num método confiável e objetivo de registrar o nível de consciência de uma pessoa, Varia de 3 a 15, o 3 indica a pontuação mínima= paciente em coma.
Virgínia me serviu vodka com suco de laranja, e virou a dose inteira enchendo seu corpo mais uma vez fazendo uma careta engraçada. A carioca não demorou a soltar o verbo, fazendo sua análise sobre cada convidado. O humor de Virgínia era realmente maravilhoso, nem me lembrava o real motivo pelo qual aceitei ir à festa por que a companhia da jovem residente permitiu que eu abstraísse os ares estranhos que me cercavam.
Muitos drinks depois, desistimos de estabelecer diálogo com aquela tribo, preferimos a varanda do apartamento, e lá finalmente Pietra deu às caras.
-- Está uma noite bonita... – Observou Pietra.
-- Verdade... Depois de uma chuva como a de ontem, não esperava um céu tão limpo hoje... – Completou Virgínia.
-- Nina, você pode me fazer um favor? – perguntou Pietra.
-- Claro prima... Manda aí.
-- Pega meu cigarro no meu quarto, por favor?
Percebi a desculpa esfarrapada da fisioterapeuta para ficar a sós comigo.
-- Então Isabela, posso saber o que você veio fazer aqui?
-- Ora, pensei que estivesse claro, sou convidada de sua prima.
-- Você me viu no estacionamento do hospital com a Virgínia, sabia que me encontraria, não é segredo minha antipatia com você e mesmo assim veio à minha casa, não acha que isso é provocação?
-- Por que eu provocaria você Pietra? Não tenho motivos para isso, não tenho nada contra você.
-- Ah Isabela, me poupe... Virgínia me fala sobre você o tempo todo, o que está acontecendo entre vocês, virou papa-anjo agora?
-- Sou a chefe dela, comando uma pesquisa pela qual Virginia está apaixonada, tanto que ingressou nesse intercâmbio... Natural que ela fale em mim. Quanto à sua pergunta, se virei papa-anjo, isso é tão descabido que nem vou me prestar ao papel de responder.
-- Escuta uma coisa Isabela: não vou permitir que você se aproveite de minha prima!
-- Você o que Pietra? – Virgínia surpreendeu.
Pietra desconversou, pegando o maço de cigarros acendendo um imediatamente.
-- Isabela o que houve aqui? – Virginia perguntou intrigada.
-- Nada demais Virgínia, Pietra estava apenas me dando as boas vindas.
-- Vocês já se conheciam não é? Nunca perguntei como...
-- Amigas em comum. – Respondi.
-- Namoradas em comum na verdade. – Murmurou Pietra.
-- Namoradas? Bafão! – Virgínia exclamou arregalando os olhos.
-- Já que você falou em namoradas... Como está Suzana, Pietra?
-- Por que você quer saber da Suzana? Já não basta os pés na bunda que você deu nela?
-- Nossa... – Virgínia não se continha diante do tom ríspido de nossa conversa.
-- A pergunta é puramente profissional Pietra, precisamos trocar o neurochip instalado, e os contatos que ela informou não estão atualizados.
Pietra deu um trago mais profundo no cigarro e respondeu secamente.
-- Não tenho o telefone dela, mas ela continua morando no Rio.
-- Espera aí... Essa Suzana que vocês estão falando é aquela ricaça que você namorou prima?
-- É... Ela mesma. – Pietra respondeu.
-- Ela está bem? Tratando o lúpus? – Perguntei disfarçando minha ansiedade.
-- Até onde sei, ela está bem sim... Se é para saúde dela, vou te dar o telefone do Victor, o irmão dela, ele pode entrar em contato com ela.
-- Eu agradeço Pietra, entregue o número a Virgínia, na segunda-feira entraremos em contato.
Pietra apagou o cigarro e disse:
-- Volte para sala Nina, o pessoal já está sentindo sua falta.
-- Fala sério prima! Aquele pessoal não sentiria falta nem deles mesmos...
-- Virgínia! – Pietra a reprimiu.
Segurei o riso, enquanto Virginia se desculpava. Permanecemos na varanda quando Pietra saiu.
-- Então... Você namorou a Suzana? – Perguntou Virginia.
-- Foi minha primeira namorada.
-- Começou bem heim doutora...
Virginia me deu uma tapinha na perna como se cumprimentasse por um grande feito.
-- Eu lembro dela com a Pietra, nossa, minha prima era caídassa por ela... Mas acho que a poderosa perdeu a paciência com a chata da minha prima viu...
-- Faz tempo que elas terminaram?
-- Ah faz sim... Acho que eu estava no terceiro ano da faculdade quando elas terminaram... Então, já faz mais de três anos... Não sei ao certo, talvez mais.
-- Virgínia preciso encontrar a Suzana, o caso dela é muito delicado, precisamos consultá-la, avaliar o risco pra troca do neurochip, não se esqueça de pegar esse telefone do irmão dela.
-- Seu interesse é puramente profissional mesmo?
Desviei meu olhar uma vez que Virginia tinha aqueles olhos instigantes que insistiam em me ler.
-- Sabe o que eu vou te responder?
-- Que não é só profissional! Você está louca pra reencontrar sua primeira namoradinha...
-- Não. Vou te responder é que você é muito intrometida garota!
-- Ai... Chata!
Virgínia podia até ser intrometida, mas não era inconveniente, não insistiu no assunto, logo emendou outra conversa, quando dei por mim, já era madrugada, e as muitas doses de bebida não permitiam que eu dirigisse até minha casa. Todos os convidados foram embora, a própria Pietra se recolheu sem aviso, assim, Virginia esperou o táxi chegar, depois de guardar meu carro na garagem do prédio.
-- Isabela, você salvou minha noite, muito obrigada por ter vindo.
-- Não há o que agradecer Virginia. Foi uma noite bastante agradável, apesar de sua tagarelice sua companhia é maravilhosa.
Sorri enquanto Virginia fez uma careta de desaprovação pelo meu comentário. O táxi chegou, e ao me inclinar para alcançar a pequena residente, o desencontro dos movimentos de nossos rostos provocou acidentalmente um selinho nos lábios, ruborizamos, mas nada falamos, meio que fugindo entrei no táxi sem graça com o gosto dos lábios doces de Virginia na minha boca.
Como todos os sábados me preparei para visitar o vô Elias, mas precisava antes pegar meu carro no prédio de Pietra. Surpreendentemente, o interfone tocou, era Virginia, na porta do condomínio com meu carro. Autorizei sua entrada, a recebi na porta e pedi que ela entrasse:
-- Menina não precisava vir... Eu já estava indo buscar, não precisava se incomodar.
-- Não foi incômodo nenhum, eu precisava de uma desculpa pra sair de casa, a Pietra acordou com um humor de cão hoje, o que você fez com ela?
-- Eu pensei que ela fosse chata sempre... Por que a culpa do mau humor dela seria meu?
-- É verdade... Não é justo com você. Sua casa é linda Isabela...
-- Obrigada.
Virginia andava pela sala observando as minhas fotos com Camila atentamente.
-- Vocês pareciam ser muito felizes juntas...
-- E éramos mesmo Virginia... Camila foi, é, a pessoa mais incrível que já conheci...
Falar de Camila sempre me emocionava, meus olhos marejaram e Virginia pareceu se comover comigo.
-- Você também é uma pessoa incrível...
Virginia colocou a mão no meu ombro me confortando, sorri amarelo e me afastei:
-- Você aceita um suco, café?
-- Não obrigada... Na verdade vim te convidar para almoçar, aceita?
-- Ah... Vamos, claro. Espera só eu me trocar e já vamos.
Quando voltava para sala já pronta para sair, meu celular tocou, era Bernardo:
-- Oi Bê, fala amore!
-- Isa, fica calma...
-- Ué... Estou calma, você é que está me deixando nervosa... O que aconteceu?
-- A Olívia...
-- O que tem ela? Fala Bernardo!
-- Sofreu um acidente...
-- Ai meu Deus como ela está Bernardo?
-- Não está nada bem... Estou indo para o Rio daqui a duas horas...
-- Vou com você!
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Olá Autora, li a primeira temporada e engatei na segunda, mas uma coisa não entendi, apesar de ter achado triste a morte de Cami. Por que você trocou nome da mãe de Camila de Carmem pra Marcia?
Bjs
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]