E então? Qual a consequência disso?
2.4 Quid inde?
Miriam bateu à porta da colega por volta de meio-dia, preocupada com a demora de Natalia em acordar, já que ambas tinham o mesmo hábito de acordar cedo, mesmo aos domingos.
-- Natália? Você está aí? Está tudo bem? Natália?
A intensidade das batidas e do tom de voz de Miriam foram crescendo gradativamente até beirar o desespero, quando finalmente a outra despertou abrindo a porta bruscamente.
-- O que foi Miriam?
-- Ai que susto! O que aconteceu com você?
-- Nada Miriam, só estava dormindo.
-- Mas já é meio-dia!
-- Miriam hoje é domingo! Cheguei tarde da balada.
-- Tive a impressão de ter te visto levantar cedinho, por isso me preocupei.
-- Aquela foi a hora que cheguei Miriam.
Natalia voltou à sua cama indisposta. Amargando a ressaca, recusou as ofertas da roomate para almoçar, mas, não voltou a dormir, as lembranças da sua noite de amor com Eduarda preencheram seus pensamentos e acenderam seu corpo, e mesmo com a dor de cabeça lhe torturando, abriu um sorriso ao relembrar a loirinha.
Era a primeira vez que se comportara daquela forma, ou seja, entregar seu corpo ao desejo de maneira descompromissada. Por muitas vezes chegou a condenar quem o fazia, visto que ela, só esteve na cama com alguém que fosse sua namorada, ou ao menos já conhecesse há algum tempo. Mas, com Eduarda foi diferente. Talvez pela semelhança com Diana, Natalia não a enxergava como uma desconhecida, e ela não se comportou com tal, considerando o domínio que ela demonstrou sobre Natalia, sobre seus pontos mais sensíveis, tornando aquela noite memorável.
Arrependeu-se de não ter pedido o telefone da moça, também pudera... Pelo alarde que Silvana fez ao encontra-las juntas, tudo que Natalia desejou foi evitar uma cena de ciúme descabida da ex, acabou por deixar a boate sem se despedir adequadamente de Eduarda.
Foi impossível não traçar comparações com Diana, seu pensamento voou ao passado, rememorando as sensações que desfrutara ao lado do seu antigo amor, e concluiu: não é igual, mas, eu também viveria bem com isso. Indagou-se a si mesma sobre a intensidade que experimentara, e assustou-se por considerar pela primeira vez depois de Diana, apaixonar-se de novo.
******
O som insistente da campainha acordou Diana. Olhou para o celular e conferiu as dezenas de ligações de Dani. Revirou os olhos, escondeu a cabeça no travesseiro, mas não adiantou os sons não a deixaram em paz, levantou-se amaldiçoando até décima geração sua amiga persistente, pegou o interfone e disse mal humorada:
- Fala Dani! Imagino que um desespero desses tenha uma boa justificativa!
- Abra essa porta Diana!
Incerta sobre os motivos para Dani estar ali, e insegura em ser honesta com a amiga acerca da noite passada com Rosana, Diana relutou em abrir a porta, mas, Dani a venceu pelo cansaço.
- Ok Dani, o que foi? Outro ataque terrorista? Estamos em risco?
- Não estou com humor para piadinhas Diana. Você me deve explicações! Que merd* foi aquela que você fez ontem?
Diana empalideceu. – “Como ela poderia saber o que houve? Só se Rosana lhe contou!”- a fotógrafa pensou.
- Calma Dani, tudo tem uma explicação. Não é tão ruim quanto parece.
- Estou esperando a explicação para eu ter começado minha noite de sexta com uma cantora linda e ter acabado sozinha em casa dormindo enquanto você e o meu encontro se espatifavam bêbadas pelo chão!
Diana respirou aliviada e deixou escapar:
- Ah! É isso?
- Você acha isso pouco? Diana você estragou minha noite, alugou minha garota descaradamente!
- Não seja dramática Dani.
- Dramática? Ow! Diana!
- Ok, me desculpe. Fiquei empolgada, não via Rosana há anos, sinto muito.
- Espero que isso não se repita.
- Pode deixar. Mas, espere, você vai sair com ela de novo?
- Claro! Ontem não valeu! Chamei-a para me acompanhar na exposição da sua amiga na Galaxy’s essa semana.
- A exposição da Julia já é essa semana?
- Sim, a Liza mandou os convites da Vernissage, não recebeu?
- Ah pensei que fosse de outro artista, nem abri o envelope. Droga!
- O que foi?
- Esqueci-me completamente do almoço com a Julia!
- Apresse-se, quem sabe ela te perdoe com um jantar.
*****
Diana chegou ao hotel onde Julia estava hospedada com expressão de culpa, apelando para a generosidade de a artista plástica perdoar seu furo.
- Um pouco tarde para o almoço não acha?
- Julia perdoe-me! Perdi a hora, bebi demais ontem...
- Pra variar não é?
- Ai que injustiça... Há tempos não bebia como bebi ontem.
- Qual o motivo então para o porre?
- Um reencontro inesperado. Lembra-se da Rosana? Uma psicóloga que te falei que era também vocalista de uma banda, tocava naquele bar que te levei uma vez...
- Lembro sim, o que tem ela?
- Então, ela estava ontem no Light Rock, está morando aqui, e montou uma banda, está tocando no Queens.
- Em homenagem a isso você enfiou o pé na jaca ontem pra me dar bolo hoje? Bonito heim...
- Nem me fale em enfiar o pé na jaca... Porque dessa vez eu me superei.
- Ok, você já tem minha atenção, só pelo fato de assumir que exagerou isso me cheira a uma história das boas! Mas, você me conta enquanto comemos algo, estou faminta!
Preferiram jantar ali mesmo no restaurante do hotel, constrangida, Diana narrou sua aventura com Rosana na noite passada, enquanto ruminava sua culpa por ter sido desleal com Daniela.
- Sabe Diana, quando finalmente eu acho que você atingiu sua maturidade emocional, depois da novela que você protagonizou até sua vinda para cá e suas aventuras vazias nas noitadas dessa cidade, você me dá uma prova de sua inconsequência sentimental.
- Ótimo! Tudo que eu precisava: uma lição de moral.
- O que foi Diana? Acha que não é merecedora disso?
- Tudo bem Julia, sei que vacilei, já estou me martirizando o suficiente. Mas agora o que faço com essa confusão? Como vou agir com Rosana? E se a Daniela descobrir?
- A história entre elas é mesmo séria?
- Não sei dizer, a Dani está empolgada com a Rosana, arquitetou essa estreia dela no Light, mas, você sabe como ela é: se apaixona toda semana.
- E para a Rosana?
- Pior! Isso é que não sei mesmo.
- Espera um pouco... Vocês trans*ram e não conversaram nada depois? Nem hoje? Ela acordou, se vestiu e foi embora e você deixou?
- Dá um tempo Julia! O que eu falaria? Além da ressaca eu não tinha, ou melhor, não tenho a menor ideia do que dizer a ela, não sei o que significou para ela, talvez tenha sido só uma noite de sex* casual, consequência das dezenas de martinis, margaritas e tudo mais que bebemos ontem.
- Pra você foi só isso?
Diana emudeceu, sorveu um gole de água enquanto buscava em sua mente a resposta para aquela pergunta capciosa.
- Não sei.
- Não sabe?
- Foi diferente Julia. Não foi só pela bebida, ontem foi como se uma venda caísse dos meus olhos e eu pude enxergar a mulher incrível que a Rosana é.
- Provavelmente você sempre achou, mas, naquela época não havia espaço para outro sentimento ou outra mulher em sua vida que não fosse a Natalia não é?
Diana se calou mais uma vez. Julia às vezes fazia o papel de sua consciência. Justamente por conhecer tão bem a loirinha, a escultora sabia descrever aquilo que Diana deixava impresso nas entrelinhas.
Naquela noite não bastasse o caos que se instalara na mente da fotógrafa em meio a culpas e inseguranças acerca dos seus próximos passos no indesejável triângulo amoroso que se envolvera, a conversa com Julia trouxe à tona as lembranças que nunca foram reclusas o suficiente para se manter adormecidas. O pensamento em Natalia assim como foi durante todos os anos daquela separação se comparava a um vírus latente, inativado, que aguarda a vulnerabilidade do corpo para se manifestar novamente. A situação com Rosana abriu a brecha no campo da imunidade emocional da loirinha se deparar mais uma vez com a cicatriz que ainda latej*v*, como se pronta para rasgar sua alma de novo, expondo o vazio que sentia sem Natalia em sua vida.
*****
Dona Joana bateu à porta do gabinete para comunicar que o assessor de Natalia desejava se apresentar.
- Faça-o entrar, por favor.
- Não é ele, é ela...
A secretária abriu a porta dando espaço para a nova assessora entrar, Natalia não pode acreditar quando constatou de quem se tratava:
- Cacá?
- Oi Nat.
- Carlinha como assim? O que faz aqui?
- Sou sua nova assessora oras!
- Mas... Você tem capacidade para ser minha colega nesse cargo! Não minha assessora!
- Alguns anos sem notícias minhas Nat te deram essa certeza...
Carla fez uma expressão triste, enquanto se acomodava para o que seria uma longa conversa quando Joana se retirou do gabinete.
- Sua carinha me preocupou... Explique-me por que esse cargo Cacá?
- Depois que concluí a faculdade, só consegui passar no exame da ordem um ano depois. Na mesma época me casei com o Ricardo, ele estava advogando para a empresa do pai dele que abriu uma filial na Bahia, nos mudamos para lá após o casamento, e aí, me acomodei à condição de esposa, não precisava trabalhar e estava sempre envolvida em acompanha-lo nos eventos, enfim...
- Justo você Cacá?
- Não me julgue Nat... Não fiz isso por submissão. Estava feliz ao lado dele, feliz vendo-o crescer, e eu me julgava também responsável por isso, dando suporte, uma estrutura familiar para ele.
- Entendo... Vocês tem filhos?
- Tentamos, mas, perdi o bebê no início da gravidez, depois disso, entrei em uma depressão horrorosa, isso me afastou do Ricardo, que foi um fraco, não suportou e me traiu com a primeira oferecida que surgiu na vida dele.
- Fraco nada! Ele foi um filho da mãe!
- Enfim... Cansei da humilhação porque com um tempo, ele nem me escondia mais o caso com a funcionária da empresa do pai. Pedi o divórcio, e voltei para casa de meus pais, e desde então venho reconstruindo minha vida, não podia fazer concurso para seu cargo porque não tinha prática jurídica comprovada, nem muito menos estava preparada para passar.
- Poxa Carlinha...
- Nat não precisa se compadecer! Estou bem amiga! Estou trabalhando porque quero! Nem preciso na verdade.
Carla deixou um sorriso escapar.
- Como assim?
- Você acha que eu ia deixar o Ricardo sair ileso? Contratei um excelente advogado, consegui metade dos bens dele, e ainda recebi uma gorda pensão até o mês passado, fiz um bom pé-de-meia.
- Essa sim é a Carla que conheço!
- Vamos deixar a conversa de lado e vamos trabalhar! Tenho certeza que tenho a aprender muito com você.
- Tudo bem então, temos muito trabalho pela frente.
Depois do expediente, Natalia deixou o prédio do Ministério Público com Carla, emendada em um papo animado com a amiga tratou de atualizar e ser atualizada sobre as fofocas dos ex-colegas de curso, a conversa foi interrompida pela ligação de um numero estranho no celular da promotora.
- Pois não?
- Doutora Natalia Ferronato?
- Sim é ela. Quem fala?
- Nossa... Pensei que minha voz ainda estivesse na sua memória. Não reconhece mesmo?
Natalia mudou a expressão imediatamente ao se dar conta de quem se tratava. Ruborizou, abriu um sorriso discreto e respondeu:
- Oi Eduarda.
- Ah! Que alívio. Você não me deu seu telefone, mas dei um jeito de conseguir...
- Você não me pediu, por isso não dei.
- Não deu tempo. Você saiu tão apressada naquela noite...
- Meus amigos... Desculpe-me.
- Desculpo com uma condição.
Natalia sorriu e disse:
- Diga seus termos.
- Janta comigo?
- Hoje?
- Seria ótimo, mas estou saindo de São Paulo agora, na verdade estou no aeroporto. Poderia ser na sexta, quando eu retornar?
- Claro. – Natalia confirmou decepcionada.
- Então, está combinado, na sexta nos encontramos. Preciso ir, última chamada pro meu embarque.
- Ok, boa viagem.
Natalia desligou o telefone atônita consigo mesma, pela frustração que sofria por adiar seu reencontro com Eduarda. Não havia razões para tal sentimento, mas sua peculiar sensatez parecia fugir diante da iminência do nascer de uma nova paixão em sua vida.
Fim do capítulo
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