CAPÍTULO 45 – LIÇÃO 39 : CARPE DIEM
Nos primeiros seis meses a cidade que tinha o mesmo nome da Universidade foi meu mundo. Oxford era praticamente uma extensão dos prédios da universidade espalhados pela cidade. A universidade era composta por várias instituições, incluindo 39 faculdades e uma grande variedade de departamentos acadêmicos. Era um dos orgulhos do povo inglês, uma instituição que existia desde 1090, e tinha nos seus registros famosos cientistas e personalidades políticas como seus egressos.
A Universidade de Oxford era considerada uma "universidade urbana", o que contribuía para que não funcionasse num único local. As suas faculdades, serviços e alojamentos eram espalhados pelo centro da cidade. A Zona da Ciência, onde se localiza a maioria dos departamentos de ciência, era a zona que mais se parece com um "campus".
Então, não fazia muito sentido para mim, afastar-me do campus. E como já falei, nos primeiros seis meses o meu mundo estava ali. Já conhecia a cidade como turista, quando estive em um congresso com Beatriz, e eu era apaixonada pela arquitetura dos séculos XVIII e XIX presentes em toda cidade. Passear pela cidade e especificamente pela zona da ciência, mais parecia um rolê em um filme de época. Ou ainda, se imaginar nos filmes do Harry Potter, era a referência mais próxima para mim, e para Ed e Cris que passaram a considerar que eu estava estudando para ser bruxa depois de velha, faziam questão que eu ligasse a câmera todas as vezes que me ligavam pelo Facetime.
Ainda não era inverno, mas, para quem estava acostumada com o calor carioca, a temperatura de Oxford naquela época do ano correspondia ao nosso inverno. Talvez por isso, meu sentimento de solidão tomava uma proporção maior. Ainda não tinha intimidade com os demais pesquisadores, e as características do povo europeu não incluía simpatia, pelo menos não, se comparado a nós latinos. A pessoa que fiquei mais próxima foi de um indiano, Indra, mais novo que eu, mas que viveu toda sua vida acadêmica em Londres, por isso, já estava acostumado com os ditames rotineiros naquele meio.
O sentimento de solidão precisava ser preenchido com atividades laborativas, então eu me candidatei a todos os cursos ofertados que eu podia, inclusive nos intensivos de inglês para melhorar minha comunicação de linguagem científica. Minhas caminhadas pelas ruas de Oxford, eram escassas, mas sempre me encantava com belas paisagens da arquitetura histórica, um dos destinos mais comuns era a emblemática Radcliffe Camera, biblioteca integrante da Bodleian Library (principal biblioteca de pesquisa da Universidade de Oxford). Era uma obra prima da arquitetura gótica inglesa era um dos um dos pontos mais visitados da cidade, mas apenas estudantes ou turistas com guias autorizados podiam adentrar.
Reitero os primeiros seis meses de estadia em Oxford por que pareceram os piores dos meus quatro anos na Inglaterra. A adaptação foi terrível, a vontade de retornar ao Brasil era recorrente, por alguns motivos: a pesquisa que me atraiu ainda não estava a todo vapor, eram etapas muito incipientes dos experimentos, os papéis ainda não estavam definidos, a cada semana as reuniões infindáveis não nos ajudavam a avançar em nada. A comunicação era difícil e não me refiro ao idioma, era mesmo em relação aos nossos métodos de pesquisa, eu vinha de um laboratório com maquinário obsoleto, o que para nós no Brasil era de ponta, para eles serviam para aulas de graduação. E o ponto mais importante: a saudade de Marcela. Quase todos os dias nos falávamos, quando não era por telefone, era por mensagem, e quanto mais ela me apoiava mais eu queria voltar e abraça-la e não mais sair do seu lado.
Houveram dias em que ela declarou sua saudade, e meu retorno era quase certo, mas, logo ela mesma tratava de relembrar os motivos pelos quais eu estava ali. Beatriz chegou a Oxford dois meses depois que eu, e apesar de nossa história, e de julgarmos melhor ficarmos afastadas, as duas reconheceram que ter um rosto conhecido era reconfortante, passamos a compartilhar nossas angústias e preocupações, o que de certa forma ajudou, mas não minimizou a solidão.
Minha casa era situada na vila de residências de professores, a proximidade do campus me fez adquirir o novo hábito de ir trabalhar de bicicleta. A casa era enorme para uma pessoa só, geralmente os professores visitantes, traziam suas famílias para morar com eles durante sua estadia, o que não foi meu caso. Era uma casa inglesa típica, muito charmosa, era de pedra, com um pequeno, mas, lindíssimo jardim nos fundos. Dentro a decoração da sala era o que mais me confortava, a lareira no centro e as janelas de madeira com vidraças largas enchiam de luz ao nascer do sol, era ali que eu passava maior parte do tempo nos meus estudos em casa, apesar do conforto do meu quarto, ele era uma constatação do quanto eu queria dividir com Marcela, aquela banheira espaçosa no banheiro e a vista do campus pela janela do quarto no primeiro andar da casa.
Passaram os seis primeiros meses, o primeiro ano. As conversas com Marcela já eram mais escassas. O fuso horário não nos permitia mais a conversa instantânea, o ritmo da pesquisa tomou forma, e em muitos experimentos, celulares não eram permitidos pelos protocolos de segurança no laboratório, além disso, Marcela estava focada no final do seu internato e trabalhando em sua monografia, além de fazer cursinho preparatório para as provas de residência. Muitas vezes sentindo a falta dela, me pegava fuçando suas redes sociais, experimentando a insegurança, do medo de que aquele afastamento tivesse outra justificativa, pouco a pouco fui constatando que Marcela seguia sua vida, do jeito dela como ela anunciou, e parecia bem, cercada de amigos, nas sociais em bares, em praia, os registros dos descansos de plantão com outros internos e residentes, mas ninguém ou nenhum evento especial que sinalizasse que ela estaria vivendo outro amor.
Entretanto, nossa separação estava acontecendo gradualmente. Eu continuava a usar nosso anel de compromisso, apesar de não vê-lo na mão de Marcela nas fotos que eu sofria com o coração aos galopes quando fazia o zoom das fotos. No primeiro natal que passei em Oxford, não bastasse o frio de 3 graus, e a revoada de estudantes e professores do campus para a celebração dos festejos em família, constatei o que minha intuição há tempos sinalizava: no Instagram de Marcela, uma foto intima dela e Milena em uma viagem para o litoral nordestino, na legenda: “uma pausa na companhia dela, em um pedaço do paraíso #tripnordeste”. O comentário de Milena na publicação elucidava o que eu poderia tratar apenas como suspeita: ”e eu que achei que não existia perfeição no mundo, até te conhecer!”.
O que eu tanto temia aconteceu, contudo, não estava nos meus planos a entrega a um sofrimento de perda e luto que eu vivi nos meus relacionamentos anteriores. Eu não era vítima, nem uma coitada traída, estava vivendo a vida que eu escolhi, foi minha decisão, e claro também a de Marcela. Eu tinha muito a celebrar, apesar de amargar a constatação de que Marcela seguia sua vida amorosa com outra mulher, eu não estava condenada ao sofrimento. Enfrentando o gélido clima inglês, aventurei-me pela primeira vez em sair sozinha, era a hora de conhecer a cultura local com outra perspectiva.
Por indicação do Indra, fui a um pub conhecido no centro. The Alchemisty Oxford, era o destino, estava lotado de turistas de todas as partes do mundo, ao contrário do costume brasileiro, uma mulher sozinha em um bar não era algo incomum, fiquei no balcão lateral perto da vidraça, bebendo um Bourbon, observando as pessoas, e respondendo mensagens dos meus amigos leais, sem interrupções inconvenientes, até receber de um garçom mais uma dose, com um bilhete:
-- “Aceita companhia?”
Olhei em direção a uma mesa em frente e vi Beatriz. Sorri e caminhei em direção a mesa dela.
-- Que coisa mais antiga, Beatriz! Não seria mais fácil mandar uma mensagem ou simplesmente falar comigo?
-- Estou tentando ser mais inglesa. – Beatriz brincou.
-- Não tem nada de inglês nisso... Estava com medo de ser rejeitada?
-- Você me pegou... Esse tempo todo aqui e mal trocamos cumprimentos quando nos encontramos, para ser precisa, nos dois encontros que tivemos na biblioteca.
-- É verdade, mas, você está em outra faculdade, pensei que ficaria por aqui nas Ciências...
-- Eu te falei que era outro departamento... E você deve estar mergulhada no laboratório, não é?
-- É para isso que estou aqui – Suspirei
-- Mas... Já se deu conta que estamos a uma hora e meia de Londres? Quando estivemos lá, a gente prometeu voltar para conhecer tudo que não deu tempo...
-- Beatriz... Éramos duas apaixonadas, em todos os lugares que fomos, prometemos voltar...
Gargalhamos.
-- Acho que lá tem pubs bem mais interessantes do que este aqui. – Beatriz disse olhando em volta.
-- Você quer dizer pubs mais gays, não é?
-- Eu sei que essa história de lugar gay, lugar hétero é coisa do passado, mas... Olhe em volta, parece que estamos em uma baladinha hétero top na Barra.
Olhei em volta e sorri concordando com a cabeça fazendo cara de nojo.
-- Qual é sua sugestão? Pegarmos um carro e enfrentar a estrada a noite para Londres?
-- Parece um bom plano!
-- Exceto que... Meu transporte aqui é uma bicicleta, vim de uber para cá e não acho que estejamos na situação financeira confortável de pagar um uber para irmos a Londres essa hora, e eu acho que você já bebeu o suficiente para dormir no trajeto até lá, então...
-- Ai que saudades do Brasil!
Beatriz quase berrou em português, mas, berros em um bar inglês não chamaria atenção de ninguém.
-- Vamos comer alguma coisa, o meu amigo disse que aqui tem uns bons pratos.
-- Você não odeia a comida daqui? É tudo sem graça, por que eles colocam tanta pimenta em tudo? Por que eles comem tanta batata? Não sente falta daquele torresminho? Bolinho de feijoada...
-- Bia, para de exagero. Acho que você está saudosa demais. Aproveita o momento!
Beatriz estreitou os olhos e disse:
-- Estou perdida, a única pessoa que eu conheço aqui, gosta daqui!
Sorri para Beatriz, e chamei o garçom. A comida pareceu não desagradar Beatriz, apesar de estar mais atraída pelo menu das bebidas. Definitivamente ela queria esquecer que estava longe do Brasil, vi sua infelicidade, e constatei que como eu, ela estava solitária. Já era madrugada quando senti o cansaço bater, e o frio que vinha da rua a cada vez que a porta do pub abria, se tornar mais severo.
-- Acho que já está na hora de irmos, Bia.
-- Pra que? Não tenho nada pra fazer amanhã, não tem ninguém naquele apartamento me esperando! Só um frio sem fim, aquele aquecedor não pode estar normal... Estou cansada de assistir TV, minhas séries favoritas acabaram, e eu juro que se eu assistir mais um filme de natal eu me jogo da janela do prédio.
A voz de Beatriz denunciava que as doses de whisky e o vinho que ela misturou já fazia o efeito esperado. Vi sua vulnerabilidade.
-- Vamos, Beatriz. Essa noite, você não precisa assistir TV sozinha, e o meu aquecedor está funcionando bem.
Levei Beatriz para minha casa, e como eu imaginei, ainda no trajeto ela dormiu, com a cabeça recostada no meu ombro. Com ajuda do motorista do uber coloquei-a no sofá e a agasalhei depois acendi a lareira, fechei as cortinas para que o sol não a despertasse abruptamente ao amanhecer. Ao menos do frio ela não sofreria naquela noite.
Meu costume de acordar cedo não mudou em Oxford, já que tinha uma hóspede, preparei-lhe um café com o que eu tinha disponível na minha cozinha. Preparei-lhe um café mais forte e levei para Beatriz que se remexia no sofá. Abri as cortinas deixei a claridade entrar e disse:
-- Bom dia!
-- Ah... Não, me deixa dormir mais um pouco... Tá tão quentinho aqui...
Beatriz abriu um dos olhos, me viu com a xícara de café e acabou cedendo:
-- Café! A única coisa que me faz feliz nessa cidade!
Ajeitou-se no sofá sem deixar nenhuma parte do seu corpo descoberta, só a cabeça, para tomar o café. Observou em volta e logo deixou escapar:
-- Por isso você não está sentindo falta do Brasil! Olha que casa linda! Você tem uma lareira! Ah, Luiza... Que inveja.
-- É uma bela casa mesmo. É acolhedora, adoro essa sala.
-- O apartamento não é ruim, quando cheguei não achei, mas, quando o inverno chegou... Nossa, virou uma tortura... Tudo está dando errado, não consigo produzir, o Renato fica cobrando publicação e tem um clone dele aqui, pegando no meu pé, eu estou parecendo um aluno de graduação, nunca me senti tão inútil.
-- Bia, é um pós-doutorado, é exatamente o que se faz em pós doctor... Intensificar as publicações. Você sabia no que estava se metendo quando se inscreveu, não é? Lembra o que eu passei? E foi no Canadá, você está em uma das maiores universidades do mundo! O que esperava?
-- Tem razão. Eu dei um passo maior do que minha perna. Agora estou frustrada, triste, não tenho ânimo para nada, não durmo, não é só pelo frio...
-- Tenho certeza que você pode superar essa fase, e concluir essas publicações, tenha em mente que quanto mais rápido você cumprir essas exigências, mais cedo volta ao Brasil.
-- Você parece que não volta tão cedo, não é?
-- É uma pesquisa muito complexa, são vários braços, experimentos diferentes acontecendo ao mesmo tempo... Não tenho ideia de quando poderei retornar. Mas... Aquela sua conversa de ontem, sobre estarmos tão perto de Londres... Estou sozinha no laboratório, essas festas de final de ano acabaram por espalhar os meus colegas que ao contrário de nós mora mais perto das suas famílias.
-- É verdade...
-- Então eu pensei que... Poderíamos alugar um carro e passar seu aniversário em Londres! Que acha do meu presente?
-- Ai, você lembrou? Ai Lu...
Beatriz se emocionou genuinamente. Até esqueceu-se do frio e saiu das cobertas para me abraçar.
-- Deixa de ser boba, Beatriz. Passamos anos juntas, acha que não lembraria que seu aniversário é um dia antes de terminar o ano?
-- Eu tentei passar esse recesso no Brasil, mas, como eu iria? Com esses prazos todos estourados, as passagens um absurdo...
-- Então vamos começar a agir! Levanta daí!
Acabamos por ficar em Londres para o réveillon, não era nada parecido com as tradições brasileiras, mas, ao menos nos fizemos companhia. Os dias de folga revigoraram Beatriz, não posso negar que pude enxergar aquela mulher que me apaixonei no inicio do nosso namoro, era confortável estar ao lado dela, havia superado as mágoas que eu tinha dela e conseguia enxergar suas qualidades.
Quando retornamos a Oxford, conheci o apartamento que ela tanto reclamava, era um grande exagero, era um bom local, próximo ao prédio da faculdade que ela trabalhava, mas, de fato era frio.
-- Bia, é o seguinte. Minha casa tem outro quarto, não está bem equipado, acho que é um quarto para criança, mas ao menos o aquecedor funciona bem. É do outro lado da cidade... Se você quiser passar esses meses que te faltam lá, por mim, tudo bem. Passo o dia todo no laboratório, então não vou interferir na sua rotina, pode ser que sem a aversão que você desenvolveu por esse lugar você consiga produzir algo.
Beatriz me abraçou chorando.
-- Luiza, você é a melhor pessoa do mundo!
A minha oferta foi por reconhecer os sinais de depressão que Bia apresentava, não ficaria com a consciência tranquila em deixa-la assim. A gratidão de Beatriz era legítima, e eu senti isso em todos os dias em que ela esteve dividindo a moradia comigo. Apesar de mal nos encontrarmos, havia dias em que eu chegava tarde da noite quando Bia já estava dormindo, mas sempre se fazia presente, deixava um lanche preparado, uma refeição no forno com recados escritos.
Eventualmente nos finais de semana, passeávamos nos parques da cidade, apesar do frio, eram magníficos, no verão aquelas pequenas florestas eram esplêndidas. O Genetic Garden, um jardim onde se realizam experiências para explicar ao público e pesquisar os processos de evolução era um dos nossos preferidos, além do Jardim Botânico em High Street. Vez por outra fotos daquelas paisagens acabavam indo para nossas redes sociais, e em uma das publicações, uma self nossa, acabou por gerar aquele burburinho entre meus amigos, para não chamar de atividade de pelanca, especialmente da Clarisse.
Não adiantaram todas as minhas explicações negando a existência de uma recaída com minha ex-namorada. Segundo Clarisse, a fofoca já estava consolidada no campus, inclusive sobre estarmos morando juntas em Oxford. Tal fato não incomodou nem a mim, tampouco a Beatriz. Mas, era um dos motivos para que eu não retornasse ao Brasil, nem mesmo para férias, a pesquisa estava avançando e eu não estava disposta a rever Marcela com sua nova namorada.
O fato do prazo de Beatriz estar chegando ao fim, também representava que em breve eu perderia minha roomate. Já estava habituada com uma rotina a duas, sem conotação romântica, pelo menos até a noite que fui surpreendida com Beatriz sentada ao meu lado na cama no meio da noite:
-- O que faz aqui, Bia? Está acontecendo alguma coisa?
Perguntei assustada.
-- Aconteceu que, saiu o resultado do aceite do meu último artigo, e eu... Já posso me preparar para voltar ao Brasil, Lu.
-- Parabéns? Quer dizer, parabéns! Era o que você queria, e cumpriu seu prazo, está feliz?
-- Acho que sim... Eu devo de novo, tudo isso a você.
-- Absolutamente, Bia. Eu não fiz nada, exceto te oferecer companhia, e eu fui beneficiada também.
-- Você é tão gentil, generosa... Luiza, você é de longe o ser humano mais fantástico que eu conheço, me sinto muito estúpida por ter te perdido.
Quase por impulso, calei aquele festival de elogios de Beatriz com um beijo. O primeiro que dei em mais de um ano na Inglaterra. Logicamente Bia correspondeu ao beijo, não demorou até estarmos entregues ao desejo contido nos nossos corpos, e por que não falar em necessidade de carinho? De afeto? Depois de tanto tempo solitárias?
Os últimos meses de Beatriz em Oxford, foram de romance. Nada avassalador ou sério o suficiente para mudar nossos sentimentos uma com a outra, recuperamos o respeito e confiança que perdemos, e obviamente a atração e o desejo que eram naturais, mas, o que havia entre nós uma amizade com benefícios, como diziam por aí em alguma comédia romântica americana.
-- Não queria mais ir embora, Lu.
-- Ah, Bia... Claro que você quer... Deixa disso. – Falei, abraçando-a, sentadas em uma espreguiçadeira no quintal.
-- Esses dias que estamos juntas, foram tão leves, a gente se conectou de novo...
-- Bia, foram leves por que não tínhamos compromissos uma com a outra, a gente sabia que não precisamos de decisões, de promessas...
-- Nem considera que essa pode ter sido a forma que o destino achou para resolver nossa situação, nos mostrar que podemos ser felizes juntas?
-- Bia... Não estamos mais apaixonadas, sabe disso. A gente se conhece o suficiente para reconhecer isso. Eu nem sei se estou pronta para amar de novo.
-- Você ainda a ama, não é mesmo? A Marcela. Eu notei que ainda usa esse anel aí no dedo... Acha que não vejo você fuçando Facebook e Instragram dela? Você praticamente assistiu a formatura dela pelas redes sociais...
-- Bia, não se trata de ninguém mais, se trata de nós duas. Merecemos mais do que um relacionamento conveniente e despretensioso. Resolvemos nossas mágoas, pra que procurar novas feridas?
Apesar de relutante, Beatriz acabou concordando ao final de nossa conversa. Ela também tinha razão sobre Marcela, foi o momento mais tentador para mim quando se tratava do pensamento de retornar ao Brasil. Recebi o convite da formatura dela, e eu considerei seriamente em comparecer, ao invés disso, fiquei stalkeando todos os ex-alunos da turma dela. Depois que Bia voltou ao Brasil, voltei a meu status solitário em Oxford, mas, a nossa pesquisa estava na melhor fase, e já tínhamos resultados promissores a ser publicados no nosso segundo ano de experimentos.
Indra acabou por se tornar mais próximo, me apresentando a outros amigos em Oxford, o que possibilitou que meu círculo social se ampliasse, com o sucesso das publicações, o convite para jantares, coquetéis passou a ser frequente, e necessário, uma vez que o financiamento para as etapas seguintes da pesquisa precisava de mais investidores.
Graças a esse novo momento de socialização, conheci Ivy Martin Haris. Uma pesquisadora que eu admirava desde o meu doutorado, professora titular da Cambridge, universidade tão respeitada quanto a Oxford, praticamente todos os meus artigos tinham uma citação dos trabalhos dela, para mim, equivaleu a conhecer uma pop star. Ivy era mais velha que eu, não era uma mulher que chamava a atenção por sua beleza física, mas, bastava que ela abrisse a boca para que sua sapiência seduzisse quem estava a sua volta, incluindo eu.
Ivy foi a responsável por transformar meus últimos anos aqui na Inglaterra. A elegância e a sua delicadeza tinham uma sensualidade singular. Os cabelos sempre envoltos em um coque deixando algumas mechas soltas de seus cachos claros, quase ruivos, grandes óculos escondendo os olhos verdes, aquelas sardas nas bochechas e nariz, traziam a característica do povo escocês que ela tinha ascendência.
O inicio de nosso relacionamento foi super tradicional, o convite para um café, depois para um encontro típico, só não era mais típico, por que eu me mantinha intimidada com sua presença, como uma fã diante de seu ídolo. Ivy foi paciente, com toda educação e paciência era atenta a todos os detalhes que eu compartilhava da minha vida e da pesquisa, até que eu ficasse a vontade na sua presença. No nosso terceiro jantar juntas, foi minha a iniciativa de pedir que ela ficasse naquela noite na minha casa.
Nosso primeiro beijo foi um encontro suave de corpos, uma suavidade que evoluiu para volúpia com o simples gesto de Ivy soltar seus cabelos e retirar seus óculos, nos amamos sem pressa, explorando os corpos numa incursão inédita, ansiosas por dar vazão a tanto desejo imprimido em cada toque e beijo.
Tudo era muito novo para mim, estar com alguém com tanto prestígio acadêmico científico, mais velha, com outra cultura, bem mais experiente que eu em relacionamentos. Ivy era mãe de um menino de 8 anos, Ben. O garoto tinha outra mãe, a ex-mulher de Ivy, estavam separadas há 3 anos, mas tinham uma relação amistosa. Até meu relacionamento com Ivy, nunca havia pensado de maneira clara sobre a maternidade, a convivência naquele clima de família, despertaram indagações, inquietações.
Pouco a pouco, eu e Ivy assumíamos a rotina de casal, e experimentei estar do outro lado da relação na qual eu era a acusada de usar a namorada para melhorar meu status acadêmico. Ouvia piada dos meus colegas pesquisadores em Oxford, como se eu precisasse provar algo sobre meu próprio mérito. Em Cambrigde, Ivy também enfrentava as opiniões preconceituosas, inclusive da sua ex-mulher. Foi inevitável lembrar de Marcela e de todo seu discurso.
A postura de Ivy não se alterou, a maturidade dela me inspirava.
-- Baby, fique tranquila. Você só tem que provar alguma coisa nos seus experimentos, não há nada na minha ou na sua conduta ética que apontem para algum conflito de interesses. Sua publicação na Lancet não teve nada comigo, sequer sabia da submissão. A Evelyn é do departamento de literatura inglesa, ouviu boatos de colegas nossos nada éticos. Não dê tanta importância a minha ex-mulher.
-- Não se trata dela, se trata dos comentários que se calam quando chego ao laboratório, ou em qualquer parte do campus. Sei que não tenho nada a temer, só que não imaginei passar por esse desconforto.
Esse foi nosso único problema em dois anos juntas. A tranquilidade e a estabilidade que Ivy me oferecia junto ao seu filho, me fizeram refletir sobre minha permanência definitiva no Reino Unido. Cris e Ed testemunharam isso pessoalmente quando vieram me visitar, e como prometido fizemos um pequeno tour não só por Londres, levei-os para outras cidades, tendo a Ivy como guia.
-- O que falta para vocês casarem? – Cris perguntou com um olhar melancólico.
-- Ah Cris... Casamento não é algo para se pensar assim, impulsivamente, especialmente no caso da Ivy, que já tem um filho, e a história de um casamento que não deu certo.
-- Então não tem nada com esse anel que ainda está no seu dedo? – Cris apontou.
Balancei a cabeça negativamente. Eu usava com tanta naturalidade que sequer havia parado para pensar o porque de continuar usando um anel de compromisso com Marcela.
-- Não teve mais contato com ela? – Ed insistiu no assunto – Com a Marcela?
-- Não... Desde que ela se formou. Soube pela Clarisse que ela passou na residência em cardiologia em São Paulo, deve ter seguido a influência da namorada dela.
-- E você está bem com isso? – Ed instigava.
Eu mudei de assunto rapidamente quando percebi Ivy se aproximando. Meus dois amigos trouxeram à tona questões em aberto do meu passado, as quais eu não queria buscar respostas, meu presente estava cômodo, mais que isso, confortável. Depois de recair em um hábito pouco saudável de stalkear Marcela em redes sociais, naquela noite que eu dormia só em minha casa em Oxford, percebi que não era só eu que avançava na solidez de um relacionamento, Marcela exibia postagens da rotina de sua residência, da nova cidade que morava e algumas menos formais do que parecia uma rotina de casal, sempre utilizando o “nós” nas legendas, em jantares, passeios, chuva, sol... Ela parecia ter encontrado seu caminho, mas, não com Milena, por que no perfil de Milena não haviam registros com Marcela, e ela continuava a morar no Rio. Foi naquela noite que retirei o anel, guardei no meu porta-jóias, como se encerrasse com aquele gesto a minha história com Marcela.
No meu quarto ano de pesquisa em Oxford, e com a primeira etapa da pesquisa concluída, eu estava no meu melhor momento da carreira como pesquisadora. Graças ao meu namoro com Ivy, eu me dividia entre as duas cidades: Cambridge e Oxford. Viajei com minha namorada e ídola por congressos no mundo todo, os painéis que liderávamos eram lotados, concorridos pelo público. Todas as vezes que Ivy me questionava sobre minha volta ao Brasil, mesmo que fosse para visitar, eu recusava veementemente, colocando a pesquisa em primeiro lugar.
Contudo, o meu mantra sobre viver o hoje, sem pensar no passado ou se preocupar com o futuro, se confrontou a com reação primitiva de voltar ao ninho, quando minha mãe me ligou preocupada do hospital.
-- Como assim mãe, a senhora está no hospital? O que aconteceu? A senhora está bem?
-- Minha filha, o problema é com seu pai. Ele sofreu um infarto.
-- Um infarto?! Mãe, em que hospital vocês estão? Quem está com a senhora?
-- Aqui no hospital da cidade, Luiza, não tenho condições de falar, vou passar para o seu primo João.
João era um dos meus poucos primos que eu conseguia conviver. Era diretor clínico do hospital de Petrópolis.
-- Oi Luiza, é o João falando. O tio sofreu um infarto, ainda estamos fazendo exames para saber a gravidade do caso, mas, acredito que será necessário fazer uma intervenção cirúrgica.
-- Cirurgia aí?
-- Vamos aguardar os resultados dos exames, se este for o caso, vamos transferi-lo para o Rio, eu te mantenho informada.
Ainda trêmula, desliguei o telefone e anunciei para Ivy:
-- Preciso voltar ao Brasil, hoje.
Fim do capítulo
Minhas queridas e leais leitoras, Acho que vou precisar de mais capítulos para desenrolar esse nó... cada vez mais aquela história dos personagens ganharem vida própria se configura como realidade incontestável.
Acho mais prudente não mais fazer projeções, mas que vai acabar logo, isso vai! Preciso me concentrar só no conto novo, mas enquanto não finalizar este, fica difícil.
Beijos e até a próxima!
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LeticiaFed
Em: 12/11/2021
Ando aqui mais feliz que pinto no lixo com a volta das tuas histórias, vou esperar o final desta para começar o novo conto e ainda estou relendo Leis do Destino e Ainda sei que é amor.
Acho que agora Luiza e Marcela estão no momento certo das duas, mais maduras; gostei da ideia dela ser a medica do ex-sogro/futuro sogro, quem sabe?
Resposta do autor:
Fico feliz! Estou postando outros, inéditos por aqui.
theycallmeangel
Em: 10/11/2021
Que felicidade saber que você voltou com esse conto, Mel! Adoro a tua escrita e tuas histórias. Ansiosa pela continuação!
Resposta do autor:
Voltando, era pra concluir, mas essas personagens...ficam resistindo a acabar a história kkkkkk
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Hanna_caroll
Em: 10/11/2021
Fico contente com a retomada do conto, obrigada por esses momentos de leitura.
Ansiosa pelo desenrolar da saga de Luíza ;)
Resposta do autor:
Obrigada pela lealdade, passa lá no conto novo =)
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cris05
Em: 09/11/2021
Eu confesso que sou team Marcela
Já pensou se o pai da Lu for transferido pra São Paulo e atendido justamente pela Marcela? Aí não vai ter Ivy que segure rs
Autora, leve o tempo que precisar. Eu pelo menos estarei aqui firme e forte.
Resposta do autor:
Quem sabe né Cris? Vou considerar rs
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