Capitulo 13
Por Marília
Não sei em qual momento eu apaguei. Acordei achando que tinha tido um pesadelo, mas quando abri os olhos enxerguei o hospital, meus pais, meus sogros e Beto. Vi dor em todos os rostos. Institivamente, passei a mão na barriga e ela ainda estava lá. Enorme, linda, do mesmo jeitinho. Fiquei desnorteada. Busquei Isis com os olhos e não a vi.
- Beto, nossa bebê está bem, né? Perguntei ainda com as mãos na barriga. Ele balançou a cabeça de forma negativa e disse que Dra. Soraya já vinha conversar comigo. Perguntei por Isis e ele me disse que ela estava lá fora com André e Carol. Meus pais e meus sogros me abraçaram e eu pedi que chamassem Isis e André. Pedi para ficar um pouco sozinha com eles.
Todos saíram e fizeram o que pedi. Isis entrou e eu vi minha dor em seus olhos que estavam inchados de tanto chorar. Ela sentou comigo na cama, me abraçou e me encheu de beijos. Choramos juntas. A bebê era nossa. André apenas nos observava com os olhos marejados. Momentos depois, a porta abriu e Dra. Soraya entrou seguida de Beto, minha mãe e minha sogra. André saiu e Isis se levantou para sair, mas segurei sua mão e pedi que ficasse. Acho que ninguém se importou com a presença dela naquele momento.
A médica me falou o que já sabia e explicou os procedimentos que seriam feitos para que minha bebê fosse retirada de minha barriga. Ela detalhou o procedimento de indução do parto que demoraria aproximadamente três dias e que eu deveria passar por um trabalho de parto natural como se fosse dar à luz a uma bebê viva. Informou que o processo se iniciaria na manhã seguinte e que eu deveria descansar. Minha mãe perguntou se era mesmo necessário ser daquela forma e se não era melhor fazer uma cirurgia para encerrar aquele sofrimento de forma mais rápida. Dra. Soraya, pacientemente, explicou que a cesariana é um procedimento cirúrgico de recuperação mais lenta e que demanda mais tempo de internação e aumenta significativamente o risco de infecção. Que a conduta adotada, nesses casos, é de indução do parto por via vagin*l.
Perguntei o que tinha acontecido, o que tinha feito de errado e ela tentou me tranquilizar dizendo que o que aconteceu seria investigado, mas que eu não tinha culpa. Ninguém tinha.
Mesmo com os tranquilizantes, não consegui dormir direito. Beto quis ficar comigo, mas disse que ele poderia ir e que Isis ficaria. Ele não relutou e foi embora depois de me dar um longo beijo na testa. A noite foi infernal. Era um prelúdio dos piores momentos da minha vida que começariam em algumas horas.
O dia amanheceu nublado como minha alma. Minha irmã chegou e Isis pode ir pra casa descansar um pouco. Ela também não tinha pregado o olho nem saído do meu lado. Às 8h, Dra. Soraya entrou, me explicou novamente o procedimento e passou a sonda onde receberia a medicação que induziria a abertura do colo do útero. Falou que eu sentiria desconforto e, se precisasse, o analgésico já estava autorizado.
Passei o dia calada. Minha mãe chegou, me encheu de beijos, mas eu não tinha reação. Não chorava, não tinha mais lágrimas. Queria ficar só, mas sabia que não ficaria.
Beto chegou depois do almoço e minha mãe e irmã foram embora. À noite, Isis veio ficar comigo. Essa troca de turno se repetiu pelos dias seguintes até que o momento do parto chegou. Foi administrada oxitocina e as contrações começaram. Isis e minha mãe ficaram o dia comigo. Beto ficou perambulando pelo hospital, muito aflito também.
O dia foi difícil. As dores das contratações foram muito intensas. Em vários momentos achei que não fosse suportar. Depois de 14h de trabalho de parto, quando a dilatação chegou ao esperado fui para o centro cirúrgico. Uma pessoa poderia me acompanhar e eu escolhi Isis. Minha mãe não entendeu, mas respeitou minha escolha. Eu estava muito fragilizada para dar qualquer explicação.
Isis segurava minha mão e, aflita, tentava me encorajar e me consolar. A dor maior era saber que depois de tudo, não teria minha menininha para levar pra casa.
Acabou. Os únicos barulhos de choro ouvidos naquela sala fria foram meu e de Isis.
Dra. Soraya perguntou se eu queria segurar a bebê. Não vacilei nem por um segundo e estendi os braços para pegá-la no colo. A dor dilacerou meu peito. Era perfeitinha, miudinha e linda. Acalantei seu corpinho, beijei sua cabecinha carequinha enquanto lágrimas pesadas banhavam meu rosto. Isis nos abraçou e perguntei se ela queria segurar nossa bebê. Ela hesitou, mas a pegou com amor, levando-a para perto de si e chorou copiosamente enquanto a beijava docemente.
Não sei o que aconteceu, mas percebi a correria dentro da sala, pegaram a bebê e tiraram Isis rapidamente de lá. Não vi mais nada.
Acordei desorientada e sentindo muita dor na barriga. Passei a mão e pude perceber um enorme curativo. Me agitei pois não sabia onde estava e não vi ninguém conhecido. Uma enfermeira veio até mim, pediu que eu tentasse me acalmar e disse que a médica já vinha falar comigo.
A obstetra chegou e me informou que tive uma hemorragia que precisou ser controlada, mas que agora estava tudo bem, que estava na UTI e que iria para quarto em poucas horas. Passei mais dez dias no hospital. Soube que a hemorragia foi causada por um quadro clínico chamado coagulação intravascular disseminada o que me fez perder o útero e a possibilidade de ser mãe novamente. Aquilo me destruiu. Entrei em um quadro depressivo grave e recusava todo e qualquer tipo de ajuda.
Nos dias de internação, Isis apareceu pouco no hospital e quando tive alta, ela sumiu. O luto e a tristeza me davam a sensação de que jamais conseguiria superar a dor que eu estava sentindo.
***
Por Isis
Depois que eu e Marília reatamos, comecei a viver o melhor momento da minha vida. Adquiri uma vontade de acertar muito grande. Saber que ela esperava a Maria Clara e que eu poderia viver aquele momento me trouxe paz e tranquilidade. Não sentia mais vontade de estar longe delas, queria cuidar e mimar nossa filha desde a barriga. Fizemos muitos planos para nossa família que estava se formando e estar ali com elas me completava.
Quando precisei viajar para resolver uns entraves do inventário de minha mãe, senti uma falta enorme das minhas meninas. Ligava o tempo inteiro e contava os minutos para retornar para elas. Já estava chegando o dia que conheceríamos a Maria e, no dia que cheguei de Florianópolis, começou o inferno que dominou nossas vidas. Por que precisamos passar por tudo aquilo?
Nada nos consola por termos perdido nossa filha de uma forma tão sem justificativa. Quando segurei a Maria no colo pela primeira e última vez, senti como se meu coração tivesse sido arrancado. Fiquei sem chão e sem rumo. Não consigo dimensionar a dor que eu e Marília sentimos naquela noite. Ali, nossa perda foi realmente materializada. E as complicações que sucederam deixaram a situação ainda mais insuportável.
Pensei que fosse perder as duas no momento em que me tiraram do centro cirúrgico. Eu tremia tanto que precisei ser amparada para não desabar. Quando soube que Marília precisou passar por uma cirurgia delicada, que não poderia mais engravidar e que precisou ficar na UTI, não consegui mais conter meu desespero.
André, Beto e Carol me arrastaram do hospital e eu bebi demais tentando apagar tudo aquilo da minha mente, como se fosse possível. Marília passou mais dez dias no hospital e eu não conseguia lhe encarar, não sabia o que dizer para amenizar sua dor. Eu também estava sofrendo, mas não consegui segurar a barra e ajudá-la para superarmos juntas. Era minha obrigação. Eu também sentia a dor de perder uma filha.
Eu queria sumir e beber foi a forma que encontrei para ficar anestesiada por alguns momentos. Quando o porre passava, tinha que conviver com a ressaca e a culpa. Falhei com Marília no momento que ela mais precisou de uma companheira e eu sei que ela jamais vai me perdoar. Ela estava desolada, com depressão e eu fugi.
Quando cai na real, percebi que a vida de farra para a qual eu havia retomado não me ajudou a superar a perda da Maria e ainda me tirou qualquer chance de continuar com minha namorada. Aquela Isis de antes da Maria Clara voltou ainda pior.
Fim do capítulo
Menines.
Mais um capítulo de muito sofrimento para Marília!
Obrigada pela companhia de vocês.
Bjs
Z
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