Apesar da noite tranquila, logo que senti um raio de sol atravessando a cortina do meu quarto e iluminando levemente o ambiente, despertei e permaneci de olhos fechados. Como de costume, procurei o corpo de Nicole na cama e ao encontrar, sorri naturalmente, como era bom ter aquela mulher do meu lado em um momento tão difícil da minha vida. Ela estava deitada de costas pra mim, eu a abracei encostando totalmente o meu corpo no dela e de imediato senti ela entrelaçando as nossas mãos.

_Bom dia, que horas são? _ eu adorava a voz rouca de Nicole.

_Dorme mais um pouco, eu que estou impaciente, não vou conseguir dormir mais_ falei beijando as costas de Nicole_ Vou nadar um pouco, quando o café estiver pronto eu venho de chamar.

_Tem certeza de que não quer ficar mais um pouco na cama? _Nicole sentiu que eu não estava bem.

_Nadar me acalma.

_Quer companhia?

_Sempre vou querer sua companhia, mas preciso de um tempo sozinha antes de enfrentar a fera, vai ficar chateada?

_Jamais... Vou te esperar na cama e descemos juntas pra tomar café.  

Dei um selinho em Nicole e desci, passei pela cozinha para desejar bom dia a Lu e fui para a piscina. Fiquei cerca de dez minutos de olhos fechados sentada na borda da piscina. No meu pensamento só vinha os meus pais, mentalmente eu pedia que eles me guiassem e ajudassem a tomar as melhores decisões.

Sempre que eu nadava esquecia tudo a minha volta, minha parecia desligar, e eu precisava daquilo pra me acalmar. Nadei por muito tempo e quando o cansaço começou a bater eu sai da piscina. Após colocar um roupão, eu subi as escadas sem fazer barulho, mas quando entrei no quarto, Nicole já não estava mais na cama.

_Amor?

_Oi, estou aqui na varanda!

_Estava aí a muito tempo? _Falei sentando no colo dela.

_O suficiente pra me apaixonar mais ainda por você.

_Isso é possível? _ Gargalhei

_Todo dia amo você um pouco mais.

_Que sorte a minha.

_Vamos tomar banho?

_Nem pensar mocinha, sabe que eu não resisto a você e hoje não podemos chegar atrasadas.

Nicole tomou banho primeiro, e foi ajudar a Lu enquanto eu me arrumava.

Na cozinha, apesar do clima de apreensão, tomamos café juntas, tentando manter uma conversa leve. Nicole contando suas aventuras de adolescente, e nos fazendo dar inúmeras gargalhadas.

Percebi que elas evitaram tocar no assunto do testamento, com certeza me poupando de ficar mais apreensiva do que eu já estava. Como não queria chegar atrasada, nos despedimos da Lu com um abraço triplo apertado e tomamos o caminho do escritório.

O percurso foi feito em silêncio, e como sempre acontecia eu fiquei o tempo todo fazendo cafune na nuca da Nicole enquanto ela dirigia. Vez ou outra, ela olhava pra mim e beijava a minha mão, como se quisesse mostra o tempo todo que ficaria do meu lado independente da situação.

Quando ela parou  o carro em frente ao prédio, eu senti um frio na barriga, não sei se provocado pela ansiedade ou por saber o que aconteceria durante e depois daquela reunião. Se até agora a não aceitação do Igor em relação ao meu namoro nos afastou, a partir de hoje, com certeza iriamos colocar um ponto final em qualquer vinculo.

Desci do carro certa das minhas decisões, do meu posicionamento, e em momento algum iria regredir, desistir de tudo que me fazia feliz estava fora de cogitação.

Cheguei ao escritório do advogado e fui conduzida para a sala de reuniões, quando entrei o Igor parecia impaciente. Cumprimentei todos de forma natural e sentei do lado oposto ao meu irmão, ficando de frente pra ele, pela primeira vez depois de todo o ocorrido com a Nicole, eu estava olhando nos olhos dele.

Antes que começasse a leitura do testamento, o Igor ainda tentou me convencer a continuarmos cuidando dos negócios juntos, mas quando eu percebi qual era a real intenção dele, ergui a mão impedindo que ele continuasse. Na verdade, ele queria me fazer acreditar que iria tentar conviver e aceitar a Nicole. Mas os olhos dele diziam outra coisa, e percebendo isso, pedi que o advogado começasse a leitura.

Como era de se esperar, nossos pais fizeram uma divisão exata dos bens. Eu fiquei com o hospital, com a chácara e com a casa eu que morávamos, mas abri mão de algumas salas comerciais que e outros imóveis. O Igor ficou com a construtora, a casa que era dele por direito, a concessionaria, e todas as salas comercias e imóveis.

Mesmo que eu não tivesse ficado com o hospital, eu não teria questionado, pois minha profissão me daria meios e condições de seguir a minha vida tranquilamente. Só a paz de espirito que eu estava sentindo me tirou uma tonelada das costas. Infelizmente, iria me afastar da única pessoa com a qual eu tinha laços, minha única família. Meu conforto era saber eu tinha duas sobrinhas maravilhosas e meu amor por elas jamais seria abalado.

Saí da sala e o advogado fez questão de me acompanhar até a portaria, talvez preocupado com um possivel ataque de fúria do meu irmão. Paramos na entrada do prédio e quando estava me despedindo dele, vi o Igor se aproximando e mais uma vez começou a usar argumentos baixos. Encerrei a conversa e quando vi a Nicole descendo do carro, escutei o barulho de pneu e em questão de segundos senti o corpo dela se projetando contra o meu, o que fez com que nos duas caíssemos.

Ouvi o barulho ensurdecedor do que parecia ser um tiro, e a minha única reação foi fechar os olhos e me agarrar ao corpo de Nicole. Meu desespero e o susto foi tão grande que eu paralisei. Quando comecei a acordar do que parecia ser um pesadelo, ouvi a voz dela perguntando se eu estava bem, se estava bem, e com a minha negativa ela me levou para o carro.

O cuidado dela para comigo era tão grande que eu entrei em uma zona de conforto. Na casa dela, ela me ajudou com o banho e depois que me deu algo que deveria ser um calmante, me levou para a cama e após um tempo eu acabei adormecendo grudada nela.

Acordei quase no final da tarde, a porta do quarto estava entreaberta e eu fiquei observando ela fazendo alguma coisa na cozinha. Levantei sem que ela percebesse, e abracei-a por trás.

_Obrigada, te devo a minha vida.

_Então estamos empatadas.

_Não vai perguntar nada sobre o testamento_ perguntei ainda abraçada a ela.

_Amor, é algo tão pessoal, prefiro não me envolver.

_Mas sabe que um dia vai ter que me ajudar com tudo, não vou conseguir sozinha.

_Quando precisar, com certeza iria te ajudar, mas queria que respeitasse minha decisão de não me envolver.

_Como quiser.

Porém, tem um assunto que eu preciso me envolver. O que aconteceu hoje foi muito sério, você precisa acionar a policia, embora eu acredite que o seu irmão não tem nada a ver com aquele tiro.

_Como pode ter certeza?

_Primeiro, ele não se colocaria como um possível alvo. Segundo, ninguém iria para matar e faria apenas um disparo. Terceiro, eu acredito que queriam apenas dar um susto, só não dá pra saber em quem, porque no local haviam quatro pessoas, eu, você, o advogado e o seu irmão.

_Depois ligo para o advogado e resolvo isso.

_Mas por precaução, enquanto não soubermos de fato o que aconteceu, você não sai sozinha.

_Quer dizer que vou ter uma segurança particular?... estou gostando disso.

_Primeiro vamos tentar descobrir o que aconteceu, se você poder evitar sair de casa seria melhor e acho melhor contratar profissionais para cuidarem da sua segurança.

_Vou falar com o Rick.

_Ótimo, fico mais tranquila, e como ainda tenho uma semana pra dar a resposta sobre a proposta que recebi, essa semana eu cuido de você.

_Meu pai estava coberto de razão, você é o meu anjo da guarda.

_Eu sou a mulher que te ama, que errou, mas que fara de tudo pra te fazer feliz.

Ouvir aquilo da Nicole me deu a certeza de que minhas decisões não poderiam ser diferentes, eu iria lutar pelo nosso amor, pelo nosso futuro.

Após almoçarmos, ficamos curtindo a preguiça que dominou as duas, e o restante do nosso dia se resumiu a séries, chamegos e a longas conversas, e contrariando a minha vontade, Nicole recusou o meu convite para darmos um passeio na praia. Foi aí que percebi que o medo dela parecia bem maior do que o meu, com os olhos cheios de lágrimas ela confidenciou o medo de que algo tivesse acontecido comigo.

_Serei eternamente grata a Deus, por não ter deixado que nada acontecesse com você.

No dia seguinte decidimos ir para a minha casa. Depois do ocorrido liguei para a Lu apenas para avisar que dormiria na casa da Nicole. Preferi contar pessoalmente tudo que havia acontecido, desde a leitura do testamento até o que ocorreu em frente ao prédio.

Consegui convencer Nicole a passar a semana comigo, eu precisava trabalhar, voltar a minha rotina e reformular toda a parte administrativa do hospital. Sem contar que com ela por perto seria muito mais fácil convence-la a vir trabalhar no hospital. E para isso iria pedir ajuda ao Rick e a Flavinha.

Enquanto Aline tentava reorganizar a sua vida, um perturbado Igor, bebia em quarto de hotel, com o semblante totalmente perturbado, ele se questionava, tentava entender em que ponto os seus planos falharam. Essas perturbações , essa obsessão por poder, era um sinal pra lá de evidente de que alguma coisa estava errada, era indícios claros de uma mente doentia.

Fim do capítulo