CAPÍTULO 41 – LIÇÃO 36 - VOCÊ É CAPAZ DE SER O PREDADOR.
Reaprender, reconquistar, reconstruir... nem sabia por onde começar essa missão para ter de volta a confiança de Marcela e seguirmos nossa vida juntas. Ao mesmo tempo, eu tinha um mundo de indefinições sobre meu futuro na universidade, estava inconformada com a decisão do colegiado em me afastar da graduação, estava desanimada com o desfecho desagradável, apesar da minha vitória no processo.
Aquele e-mail com a proposta de ser professora visitante em Oxford, reapareceu na minha caixa de entrada, não sei exatamente por que, justo naquele momento, o convite foi reiterado, com condições ainda melhores para minha estadia no Reino Unido, era um projeto ambicioso, me colocaria no raking dos maiores pesquisadores do mundo.
Mas, minhas ambições estavam bem mais românticas, eu só queria minha rotina com Marcela, queria dividir a casa, queria dividir minha vida com ela, eu queria casar com ela! Era isso, eu precisava dizer isso a ela, assumir de uma vez por todas nosso relacionamento, e pedi-la em casamento. Claro que naquele momento de nossa relação não poderia fazer essa proposta, era exatamente o contrário do que ela me pediu, tempo e espaço. Mas, como eu não tinha nada mais importante a fazer, parti para o shopping no centro da cidade, decidi comprar nossas alianças, guardaria, até o momento certo.
********
O final de semana acabou, e a única mensagem que recebi como resposta às dezenas que enviei, foram:
- “Acho que precisaremos de uma festa de open house”.
--“Exausta, vou precisar de dias para recuperar-me dessa maratona”
-- “Amanhã nos falamos, boa noite”
Eu não tinha mais a Bruna, para sondar o que se passava na cabeça, no coração de Marcela, só me restava conter todas aquelas inseguranças e torcer para que a nova semana me trouxesse boas notícias.
O clima nos corredores da universidade não pareciam apontar para essas “good vibes” que eu precisava. Olhares atravessados e constrangidos foi o que mais encontrei, desde o estacionamento até a sala dos professores. Beatriz acenou para que eu entrasse na sala dela:
-- Quer que eu te traga um café? Água, ou precisa de algo mais forte?
-- Bia... sem rodeios... Eu posso sentir daqui o peso nas suas costas, descarrega aí.
-- A decisão do conselho superior endossou o que foi votado pelo colegiado do centro, sinto muito Luiza, você está fora da disciplina de farmacologia, e terá até o final do semestre para entregar a direção do GRUFARMA. Temos muitos alunos de graduação no grupo, sugiro que transfira a orientação das IC para outros professores do grupo e vamos deixar você somente na pós graduação.
-- Efeito imediato?
-- Eu consegui que você se despedisse da turma essa semana, na próxima semana, o Edgar assume a disciplina, se você puder atualizá-lo sobre o andamento dos conteúdos já ministrados...
-- Ah, você conseguiu mais uma semana na minha disciplina! Enfim uma notícia boa...
-- Lu... não precisa ser irônica comigo, eu estou do seu lado. Mas, você sabe, esse cargo que tenho não vale muita coisa diante daqueles dinossauros do conselho.
- Tudo bem, Beatriz, sei que tentou. Eu vou conversar com o Edgar, pode deixar, mas, não vou concluir a semana, vou apenas me despedir da turma, não vou dar aula. Pode pedir que ele me encontre na sala?
Era o fim de uma era. Lecionei farmacologia naquela universidade por 13 anos, achei que nela eu era intocável. A fedelha me tirou um legado. E eu ainda teria que enfrenta-la em sala de aula. Caminhei pelos corredores como quem caminhava para a forca. Ao entrar na sala, o silêncio incomum aumentava minha tristeza, aquela empolgação e admiração à minha presença não estavam mais ali, aquela sala de aula não era mais o meu palco.
-- Meus caros, eu vim aqui só para me despedir de vocês... Eu quero dizer que foi uma honra compartilhar e aprender com vocês, e desejo muito sucesso na vida acadêmica de todos...
E quando minha voz embargou, e eu não consegui falar mais nada, me deparei com uma cena linda: todos os alunos de pé, assim como ex-alunos da disciplina, alguns já formados, alunos da residência, ex-orientandos do grupo de pesquisa, lotaram a sala, e um caloroso aplauso se espalhou pela sala. Não me contive, deixei as lágrimas caírem e saí da sala sob o som dos aplausos incessantes que continuaram pelo corredor até o meu laboratório. Acho que me legado não estava perdido afinal.
Depois daquela emoção toda, tudo que eu queria era compartilhar com Marcela o que acontecera, na verdade, eu esperava a presença dela, depois de ver tantos rostos de ex-alunos conhecidos. Com receio, liguei para ela, provavelmente ela estaria no internato, mas, eu precisava tanto ouvir a voz dela... Liguei, e rapidamente a ligação foi recusada, um SMS seguiu:
-- “Não posso atender agora”.
Nem era uma mensagem personalizada, era uma resposta automática. Eu nem sei descrever como aquilo se assemelhava com um soco no estômago. Foi naquele momento que tive a certeza de que algo estava quebrado entre nós, dificilmente seria colado, ou refeito.
Naquela noite, Marcela me ligou, e foi a minha vez de agir friamente.
-- Oi, desculpa não ter ligado antes, internato deveria se chamar de infernato. Mal tive tempo para comer hoje.
-- Oi. É o que todos falam, mas logo passa.
-- Tudo bem com você? Como foi seu retorno a sala?
-- Foi uma despedida. Não sou mais professora de farmacologia.
-- Menos alunos chatos te enchendo... Você pode se dedicar mais a pesquisa, dar mais aulas no mestrado e doutorado.
-- Não é assim, Marcela. Foi uma disciplina que eu construí...
-- Todos sabem do seu valor, sei que rolou uma homenagem para você não foi?
-- Você soube?
-- Pessoal da minha sala divulgou, a professora Clarisse organizou.
-- Você não pensou em ir, estar presente para me apoiar?
Segundos de silêncio no telefone.
-- Luiza, você sabe que interno tem que chegar antes de todos...
-- Tá, entendi Marcela.
-- Está chateada? Luiza, eu estou na enfermaria cirúrgica, hoje foi dia de neurocirurgia, eu não podia me atrasar...
-- Sua colega, a Mariana, estava lá. Ela está com você no rodizio, não é?
-- Ah, então Luiza, era pra eu me ferrar com o staff da neurocirurgia para bater palmas para você...
-- Marcela se você não pode fazer nada para melhorar meu dia, acho que é melhor você ir descansar do seu infernato.
-- Achei que ouvir minha voz era suficiente para melhorar seu dia...Bom, era o que eu ouvia antes... quando começamos a namorar.
-- Eu também achava, agora nem sei mais o que eu acho, Marcela.
Desliguei o telefone e amarguei o presságio do fim.
***********
A semana correu, com poucas trocas de mensagens apáticas de ambos os lados. Eu não tinha energia sequer para conversar com meus amigos, eu só sentia e ressentia as últimas semanas. O inevitável final estava para acontecer, até receber um convite inesperado:
--"Festa de open house, hoje, te espero.”
Será que restava alguma esperança? Ah o amor... Somos mesmo muito idiotas quanto esse tal amor toma de conta. Escolhi a melhor roupa, deixei minhas armaduras de lado, e voei no destino da localização enviada.
-- Professora Luiza! Seja bem-vinda a nossa humilde residência! - Milena abriu a porta – Mah! A professora Luiza chegou.
Tudo bem, era a casa dela, mas aquela intimidade daquela residente com Marcela despertava o meu lado mais ciumento, eu não tinha exclusividade sobre os apelidos da Marcela, mesmo assim, ouvi-la pronunciando o “Mah” era um grande gatilho para o monstro do ciúme que habitava em mim.
Marcela se aproximou de mim com um sorriso, abraçou-me rapidamente, e depois conferiu meu visual:
-- Vejo que a professora caprichou no look...
-- Tenho tentado impressionar uma certa interna de medicina, que por acaso, mora aqui.
Ela sorriu, mordeu os lábios e perguntou:
-- O que você quer beber? Temos: cerveja, vodka, e... Alguma coisa colorida que a Milena improvisou, eu não sei bem que sabor tem...
Sorrimos, olhando para o conteúdo do copo.
-- Vou ficar com a cerveja mesmo, é mais seguro.
-- Boa escolha! Vou lá pegar a mais gelada que eu achar!
Marcela parecia leve, a vontade. Observei-a cumprimentando as pessoas, gargalhando, com colegas e muitos rostos desconhecidos para mim. Olhei em volta e me senti deslocada entre os convidados, não pela diferença de faixa etária, alguns residentes tinham a mesma idade que eu, senti-me fora daquele novo mundo que parecia totalmente familiar a Marcela, foram poucas semanas que passamos afastadas, e eu tive a sensação que perdi meses da vida dela.
-- Aqui! Não é a sua cerveja preferida, mas, pelo menos está daquele jeito: trincando!
-- Está ótimo!
Abri a cerveja e brindei com ela, que bebia a tal bebida estranha preparada por sua colega de quarto.
-- O apartamento é mesmo muito perto do hospital, é pequeno, mas, parece bem arejado... – Comentei, tentando engatar uma conversa.
--Eu te falei! Nem gasto com transporte, dez minutos e já estou no hospital. Vem, vou te mostrar o resto do apartamento.
Segui Marcela pelo apartamento, no meio das pessoas, enquanto ela se desdobrava em atenção aos outros convidados. Até chegarmos ao seu quarto. Olhei em volta, o espaço apertado, com muitas roupas espalhadas pela cama e algumas caixas no canto. Aproveitei da proximidade e beijei seus lábios suavemente, ela correspondeu, mas quando nossos olhares se cruzaram depois do beijo, ela se afastou emendando outro assunto:
-- Parece minúsculo né? Mas, é que ainda não consegui um guarda-roupas usado para comprar, só tenho essa cômoda que não cabe todas as minhas roupas, amanhã vou ver em uma loja de móveis usados...
-- Deve ser uma trabalheira tirar tudo isso da cama todas as noites. – Comentei meio sem graça.
-- Ah, não estou dormindo aqui, estou dormindo no quarto da Milena esses dias.
Arregalei os olhos, franzi a testa e bufei.
-- Luiza, para... Eu disse que estou dormindo no quarto da Milena esses dias, não falei que estou dormindo com a Milena... Ela mal dorme em casa, nessas semanas deve ter dormido uns quatro dias no máximo, ela está em plantão...
-- Sabe, Marcela, você não precisa passar por isso, amontoar suas roupas, dormir em um quarto minúsculo e sem conforto, ou dormir no quarto de outra pessoa... Tem espaço de sobra lá em casa...
-- De novo esse assunto? Já falamos sobre isso, não vou ficar dependendo de você, estou economizando tempo e o dinheiro do transporte, além do mais...
-- É, eu sei, você não confia mais em mim... Eu me lembro desse detalhe.
-- Não é um detalhe...
-- Ok Marcela, eu entendo. Mas, dormir com a Milena...
-- O que? Acha que não sou capaz de dormir na mesma cama com uma mulher sem trans*r com ela?
Marcela cruzou os braços e continuou discursando irritada:
-- Parece que você não me conhece, Luiza. Pra quem sabia dos meus maiores medos e inseguranças que eu compartilhava com a “Bruna”, me surpreende essa desconfiança.
-- Não é desconfiança... É que, estamos tão distantes, parece que tem um fosso entre nós, esse monte de gente aqui, eu nem conheço, sinto que estou te perdendo... Passei dias de cão afastada da sala de aula, pagando por algo que fiz, e eu me senti muito só, não senti que podia contar com você... Sempre ocupada...
-- Não coloca a culpa em mim não, Luiza. Não é o meu tempo que está nos afastando...Mas, por que diabos você está falando disso agora? Fazem dias que não nos vemos e no meio de uma festa na minha casa nova você quer ter uma DR?
-- E quando nós vamos conversar? Marcela, de repente você está inacessível pra mim! Nem por mensagem conversamos mais! Já fazem semanas que você se mudou e eu estou conhecendo sua nova casa junto com todas essas pessoas que estão há quanto tempo em sua vida? Quinze dias?
--Ai Luiza! Não acredito que você está reivindicando direitos sobre a minha casa...
-- Eu sou sua namorada! Ou não sou mais? – Minha voz já embargava.
-- Não acredito... Eu achava que estávamos tentando recomeçar, mas essa sua mania de controlar tudo, de manipular... É mais forte do que você, não é? Tem que ser tudo do seu jeito, seus problemas são mais importantes do que os meus...
-- Marcela não seja injusta. Nunca coloquei meus problemas acima dos seus...
-- Ah não? Acabou de se queixar que não estive do seu lado, por que eu estava sem tempo para você... É o que você faz, manipula me fazendo sentir culpada por não poder estar do seu lado.
-- Te fazer sentir-se culpada? Só disse que senti sua falta! Eu precisei de você!
-- Luiza, dói! – Marcela gritou. – Dói estar perto de você, por que eu lembro que vivemos uma mentira nesse ano em que ficamos juntas! Nenhuma das decisões que tomei em prol do nosso namoro foram isentas, eu decidi influenciada pela “Bruna”. Será que você não percebe que temos uma relação desigual de poder aqui? Você é uma mulher experiente, realizada, tem dinheiro, me deu uma bolsa de pesquisa, foi minha orientadora... Se não bastasse tudo isso, ainda achou um jeito de ser um grilo falante, em forma de perfil fake...
As palavras de Marcela, carregadas de mágoa, tinham uma conotação que até então eu não enxergava. Fiquei inerte ouvindo o desabafo dela:
-- Eu me afastei sim, por que eu precisava me reconhecer, saber até que ponto eu estava vivendo minhas escolhas ou as suas escolhas pra mim. Você é uma mulher tão forte, que não tem noção do quanto você domina esse relacionamento... Eu só me rendi, Luiza. Entrei no seu mundo, na sua pesquisa, na sua rotina, na sua casa... Mas, e quanto a mim? Eu quero conquistar meu espaço, com meu esforço. E apesar de ser inexperiente em relacionamentos, quero ser capaz de acompanhar o ritmo que eu julgo ser o compatível na minha situação de estudante...
-- Mas... Marcela, eu nunca quis te forçar a nada... Foi natural...
-- Luiza, eu não disse que fui forçada, mas, para algumas coisas, acho que apressei muito meu tempo, e agora estou perdida, não sei quantas vezes fui eu a decidir sobre um plano, uma ideia e quantas vezes eu só deixei me levar por você, em todas as suas personagens...
Se tivesse algum lugar para sentar naquela bagunça de quarto, seria útil. Por que aquele desabafo de Marcela fez minhas pernas tremerem.
-- Não acho que eu e você somos capazes de reconstruir nossa história, não agora. – Marcela enxugou as lágrimas. – Eu te amo, Luiza, mas, algo foi quebrado dentro de mim, e você tem culpa nisso e eu também tenho. Eu te amo, como provavelmente eu não ame ninguém mais na minha vida, mas...
-- Não diz isso, Mah... – Eu já estava tomada em um pranto dolorido.
-- A gente foi longe demais para voltar tantos passos atrás, Luiza.
-- Marcela, nós podemos fazer dar certo, eu te amo, a gente se ama, eu sei que podemos.
Segurei as mãos de Marcela, suplicando que ela nos desse mais uma chance.
-- Luiza, eu tenho certeza que você já tem mil planos para nosso futuro. E eu só percebi que meus planos estavam todos limitados ao que você aprovaria, ou concordaria, eu não sei se teria coragem de ir contra sua vontade para fazer algo que eu quisesse muito... Por exemplo, tentar residência em outro estado...
-- Marcela... Nunca interferiria nas suas escolhas para sua carreira...
-- Não intencionalmente, mas de alguma forma eu me sentiria culpada em nos separar por uma escolha minha.
Os segundos seguintes de silêncio tinham o sabor que eu pressentia nos últimos dias: amargo.
-- Eu sinto muito por ter te violado dessa forma, Marcela. Nunca imaginei fazer tanto mal, a alguém que eu amo tanto...
Caminhei em direção à porta, quando Marcela segurou meu braço.
-- Eu preciso de um tempo, Luiza. Eu preciso de espaço. Acho que nem estou conseguindo separar a culpa, se é minha ou sua. Só preciso me reencontrar, quebrada e perdida como estou, sou incapaz de te amar e dar o que o nosso amor precisa.
Acenei em acordo, e Marcela tomou minha boca, o beijo foi salgado pelas nossas lágrimas, mas foi quente, ao contrário de como ela me tratou nos últimos dias. O amor estava ali, a paixão estava ali, ainda que nublada pelas mágoas e incertezas sobre o nosso futuro.
Fim do capítulo
Com alguns anos de atraso, voltei!
Minha gratidão a Cristiane por ter recuperado meu login dessa conta. Muito obrigada!
Agora a gente conclui essa novela, minhas queridas! Preparem para os últimos capitulos (dessa vez é verdade).
Abraços a todas e espero que apreciem o novo conto, já postado : O Efeito Órion
Boa semana!
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