"DISTRAINDO A VERDADE

Enganando o coração”[1]

            Os dias foram passando e a relação de Marília e Isis foi ficando cada vez mais próxima. Quando Marília não estava estudando para a prova da Ordem estava com Isis fazendo programas bobos típicos de pessoas apaixonadas. 

            Sair para jantar se tornou um hábito. Também gostavam de ir no barzinho Ponto de Luz, nas Dunas. O lugar, apesar de ser diague, era super discreto e tranquilo. Tomar cerveja com batata frita vendo a cidade de cima virou uma deliciosa rotina. As idas à boate diminuíram, mas vez ou outra dançavam a noite inteira sem desgrudar uma da outra.

 ***

             Finalmente, havia chegado o dia da prova da Ordem. Beto passou para pegar Marília em casa e foram juntos prestar o exame. Após quatro horas respondendo as dezenas de perguntas, finalmente terminaram e, na saída, compararam os gabaritos e ficaram confiantes com a aprovação. Ali mesmo combinaram de começar a estudar para concurso, mas antes resolveram curtir as férias que não tiveram ao término do curso de graduação.

             Ao saírem da escola estadual onde fizeram a prova, Marília se deparou com Isis que a estava esperando encostada em seu carro que estava estacionado em frente à porta. A baixinha abriu um sorriso lindo demais. Aproveitou e apresentou Beto à namorada. Os dois se deram bem de cara, comentaram sobre as férias que resolveram tirar e, entre uma conversa e outra, combinaram um fim de semana na casa de praia. Iriam chamar alguns amigos para comemorar o fechamento de mais uma etapa de suas vidas.

               Beto as convidou para tomar uma cerveja, mas a morena piscou pra ele e disse que tinha um compromisso inadiável com a namorada.  Se despediram do amigo e se dirigiram para o apartamento de Isis enquanto trocavam carinhos nada ortodoxos durante todo o trajeto.

                 Se amaram muito em meio a beijos apaixonados. Marília estava a cada dia mais entregue. Sentia medo de tantos sentimentos que para ela eram até então desconhecidos, mas não queria sair daquela situação por nada. Apesar de querer viver sua paixão, tinha uma coisa que lhe tirava o sossego. Os boatos de que Isis era bancada por Cibele não saía de seus pensamentos.

             Já era tarde quando perceberam que estavam famintas e resolveram pedir uma pizza. Enquanto comiam, Marília resolveu acabar com a dúvida que lhe rondava.

             - Amor, posso te perguntar uma coisa? Jura que não vai ficar chateada comigo?

             - Ma, como posso garantir que não vou ficar chateada se não sei qual é a pergunta? - Respondeu com aquele sorriso já tão conhecido pela namorada. 

             Mesmo com medo de qual seria a reação da morena, resolveu continuar porque precisava tirar aquilo de sua cabeça.

             - Amor, há um tempo ouvi um comentário nada agradável sobre sua relação com a Cibele. Falar...

             Nesse momento Isis a interrompeu sem demonstrar aborrecimento:

             - Falaram que a Cibele me sustentava. Não foi isso?

             Marília ficou visivelmente constrangida e confirmou com um aceno de cabeça.

           - Ma, você sabe que tenho uma agência de publicidade em sociedade com meu irmão e que o capital inicial veio da herança de nossa mãe. O que aconteceu foi que decidimos expandir nossa atuação e precisamos de dinheiro para investir. Conseguimos um empréstimo no banco, mas a Cibele nos convenceu que emprestaria a quantia e que nós pagaríamos em parcelas sem juros. A oferta foi irrecusável e nós aceitamos. Para não haver problemas posteriores, assinamos um contrato referente ao empréstimo. Tudo certinho. Se você quiser posso te mostrar.

           Marília escutava atentamente a fala da namorada. Já estava envergonhada de ter puxado aquele assunto.  A morena continuou:

             - A dívida foi quitada dentro do prazo estipulado. Não atrasamos uma única parcela. O que aconteceu foi que nesse ínterim eu e a Cibele terminamos e ela espalhou nos quatros cantos da cidade que ela bancava a agência. Na época eu fiquei muito puta, fui tomar satisfação e quanto mais eu negava, mais a mentira se espalhava. Resumindo, ela se arrependeu, me pediu perdão e eu acabei perdoando. Mas, pelo visto, o boato ainda sobrevive.

          A estudante ficou vermelha do constrangimento e pediu muitas desculpas por ter começado a conversa.

             Isis lhe olhou dentro dos olhos

             – Má, não quero nenhum assunto mal resolvido entre a gente. Quero que você me pergunte tudo que quiser saber, como eu também quero poder te perguntar sobre qualquer coisa.

             Elas se abraçaram e selaram o acordo com um beijo apaixonado.

 ***

             As coisas foram se acertando e Marília estava feliz. Isis se mostrava uma namorada apaixonada, cuidadosa e cheia de chamego.

             Enfim, chegou a data da viagem para a casa de praia. A turma de sempre se fez presente, mas dessa vez Isis, Marcos e Beto se somaram ao grupo. Como sempre, o fim de semana foi regado a muita bebida, brincadeiras e sorrisos e o entrosamento dos “novatos” foi super-rápido e natural. Todos se divertiram muito e as meninas estavam tão apaixonadas que saltava aos olhos de todos.

             Elas dividiam uma rede na varanda e enquanto a morena carinhava os cabelos da namorada, ela se aconchegava em seus braços, alheias a conversa das outras pessoas ali presentes.

             - Gente é tanta melação que eu acho que vamos ter que tomar insulina depois desse fim de semana aqui - falou André arrancando gargalhadas de todos. 

             - Pára, bi. Tem rede pra você se agarrar com o Marcos ali do outro lado da varanda. Sua invejosa.

            Marília devolveu a provocação com muito humor, mostrando a língua pro amigo.

 ***

      Após o descanso merecido e antes mesmo do Carnaval, Marília e Beto começaram a se dedicar aos estudos para concurso.

        De início, Isis se mostrou compreensiva com a determinação e dedicação da namorada, no entanto, após alguns meses, começou a reclamar do distanciamento e da redução das saídas das duas. Marília se desdobrava para atender as demandas da morena, mas ela nunca estava satisfeita.

             Isis estava diferente. Começou a sair com as amigas quase todas as noites. Não atendia as ligações da namorada e quando era interpelada sempre dizia que a culpa era de Marília que não queria sair e lhe fazer companhia. Marília tentava entender, mas a situação estava cada dia mais complicada e difícil. Se sentia culpada, mas sabia que era seu futuro que estava em jogo. Por várias vezes tentou conversar, mas a morena não fazia a menor questão de ouvir ou compreender seus motivos.

             Quase toda semana recebia notícias das noitadas de Isis e da presença constante de uma menina chamada Milena nessas ocasiões. Certa noite, André ligou para a amiga para relatar que a namorada estava no bar com uma menina no colo, enquanto conversava com as amigas em uma mesa grande, como era de seu costume.

             Marília quis ir até ela, mas se controlou. Não queria protagonizar uma cena de ciúmes, nem tampouco passar pelas humilhações que Cibele passava. Resolveu pegar o carro da mãe e esperar a morena em frente a seu prédio e então tentaria conversar. Já se aproximava de três da manhã quando Isis chegou acompanhada da garota que, por sinal, era belíssima. Ela era negra, tinha cabelos crespos volumosos e um corpo de curvas marcantes. As duas pareciam bem entrosadas como se não fosse a primeira vez que estivessem juntas.

             Marília tentou sair sem ser vista, mas a morena percebeu sua presença e correu até a janela de seu carro, deixando o próprio veículo com a porta aberta no meio da rua.

             - Pensei que você estivesse estudando? Conseguiu tempo para sair de casa? - Perguntou com ironia.

             - Foi um erro ter vindo até aqui. Aliás, muita coisa tem sido um grande erro. - Marília respondeu já com lágrimas banhando seu rosto.

             - O que você queria? Que eu ficasse em casa até você decidir se poderíamos sair ou não? Me poupe, Marília.

             - Eu não queria nada. Só achei que eu merecia um pouco de respeito e compreensão, mas vi que estava enganada. Vou embora porque não quero atrapalhar sua foda de fim de noite.

             E saiu cantando pneus. Por um instante não lembrava do caminho até sua própria casa. Estava transtornada imaginando que naquele momento, Milena estava na cama com sua namorada. Ou ex. Não sabia mais de nada.

             Estava tão destruída que resolveu não ir direto pra casa. Ligou para André e se encontraram para conversar. Escolheram um posto de combustível que ficava bem próximo à casa de Marília e que tinha uma loja de conveniência que funcionava 24 horas. Marília chegou primeiro e já estava na quarta long neck quando o amigo se juntou a ela.

             - Bi, a Isis é uma fraude. Onde está a história de conversar sobre tudo? Como ela teve coragem de fazer isso e de dizer que ama?

             - Amiga, vai com calma. O álcool não vai mudar nada. Sem querer passar na sua cara, mas a gente sempre soube como a Isis é.

             - Ela estava diferente, Bi. Acreditei de verdade que comigo seria diferente. - Falou em meio ao pranto que não conseguia controlar.

            - Ma, você está perdidamente apaixonada. Eu te entendo, mas eu não acho que Isis tenha mudado não.

             - O que você sabe que não me contou?

            André falou sobre os comentários de que a morena estava mesmo com Milena e que ela não fazia a menor questão de ser discreta. Que todas as noites estavam saindo juntas e frequentando os mesmos lugares que ia com ela.

             A estudante ficou arrasada e resolveu ir pra casa. Precisava pensar o que faria de sua vida a partir dali.

    No dia seguinte, quando Beto chegou para continuarem o cronograma de estudos, encontrou a amiga ainda deitada no quarto escuro e com o rosto inchado de tanto chorar. Ele ficou sem ação no início, mas tratou de animá-la:

             - Acorda bela adormecida. Vai tomar um banho, coloca um biquíni que nosso compromisso hoje vai ser na praia.

             A puxou pelos braços, a empurrou para dentro do banheiro e deitou em sua cama enquanto esperava que ela se aprontasse. Beto a levou para almoçar na praia do Japão, localizada no município de Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza.

        Comeram, tomaram água de coco e Marília narrou os últimos acontecimentos ao amigo.

             - Ma, nunca pensei. Já conheci Isis com você e achava que ela estivesse apaixonada de verdade.  Não poderia imaginar que ela fosse tão egoísta.

              Marília assentiu e disse ia focar no que realmente interessava: passar em um concurso o quanto antes. Conversaram sobre os concursos previstos e combinaram de fazer todas provas que surgissem para as carreiras jurídicas.

                Após um delicioso banho de mar, voltaram para casa e retomaram os estudos que avançaram até tarde da noite. E assim a rotina seguiu. Por dois meses, Marília não saiu de casa, não atendeu às ligações de Isis e proibiu André e Marcos de lhe contarem qualquer coisa sobre a morena.

***

[1]  Antes que seja tarde, Pato Fu

Fim do capítulo