E, no horizonte, ele apareceu
Havia se passado uma semana de absoluto silêncio. Não falava na terapia, não falava com o psiquiatra, não frequentava o grupo de apoio, não fazia nada. Comia por obrigação, não havia música e não tinha contato com o mundo de fora. No primeiro dia foi incômodo, mas depois havia me acostumado com isso. Minha mãe tinha deixado alguns livros para me distrair e, relutante, peguei um deles e era o que ocupava a minha cabeça.
Passava mais tempo fora, dentro dos jardins, do que dentro do local. Sentava-me perto das árvores e ali ficava, desde a hora de acordar até a hora de se retirar. Algumas pessoas tentavam falar comigo, mas ignorei todas elas. Não queria contato com ninguém.
Eu repudiava as pessoas, e odiava aquele apoio moral que tentavam me fazer aceitar a todo custo. Se minha presença pudesse passar despercebida, seria melhor assim. Uma hora iriam se cansar e me deixar ir embora.
Era o dia de visitas. Minha mãe foi até lá, mas me recusei a vê-la. Ela continuou sentada do meu lado até a hora de ir embora. Perguntou sobre como eram as coisas, puxou assunto, mas eu não respondi a nada. No final, ela deixou material de pintura e foi embora.
E fora a minha distração além dos livros. Desenhava observação, treinava paisagens e os animais que pousavam ali, ou os que rastejavam. A pequena fonte de água também. Meus braços continuavam enfaixados devido aos cortes recentes.
Em uma certa tarde, no meio do local que havia aderido como meu domínio, já que as pessoas pouco iam até lá, chegou um rapaz que eu já tinha visto outras vezes no grupo de apoio.
Ele sentou ali perto e puxou do sapato um cigarro, acendeu e deu uma longa tragada, espreguiçando-se. Olhou para mim, e colocou o cigarro nos lábios novamente.
— Espero não estar incomodando.
Nada disse. Apenas continuei desenhando, e ele fumando. Ele era magro, tinha a cabeça raspada e usava uma camiseta de mangas cortadas, a orelha com furos que denunciavam que ali tinha vários adornos. O corpo sem pelos mostrava as marcas que percorriam o seu corpo, principalmente seus braços, assim como eu.
— Hǎi yún, não é? Faço parte da terapia em grupo junto contigo.
Assenti com a cabeça, voltando a desenhar.
— Li que, na cultura chinesa, valoriza-se muito o significado do nome. Estou certo?
Continuei apenas concordando com a cabeça.
— O meu nome é Caetano – ele, que estava encostado com a cabeça sob as mãos, me olhava – não tem nenhum significado importante, só que os meus pais acharam legal e colocaram. Tenho também uma irmã que se chama Cíntia. É a minha irmã mais velha.
Caetano continuou a tragar seu cigarro pacientemente, mesmo que eu não respondesse.
—Sobre nomes, eu tenho uma sobrinha, que se chama Catarina. Eu que escolhi o nome dela. Ela já tem onze anos, vai fazer doze e...Ela é como uma filha para mim e isso já está ótimo já que duvido que eu vá ter uma visto minha condição mental – ele bateu o cigarro devagar no chão – e que tenha tentando me matar umas cinco vezes.
Olhei-o pelo papel com atenção, e ele deu um sorriso amigável e voltou a fumar. Quando terminou, virou para mim novamente.
— Não quero atrapalhar nem nada disso, mas, se quiser conversar, sou um bom ouvinte, apesar de falar pelos cotovelos – Caetano dizia ainda amigável e, se levantou.
Terminei meu desenho e, ao escurecer, voltei para o meu quarto.
Naquela mesma noite, ouvi gritos ressoarem no quarto ao lado. A garota ao qual não sabia o nome estava eufórica, falando consigo mesmo e ouvi as enfermeiras se aproximando e indo administrar uma dose a mais nela, que foi parando de falar aos poucos. Ouvi os murmúrios das enfermeiras alegando que ela estava escondendo a medicação para que tivesse uma superdosagem que causasse overdose nela.
Tentei não me chocar com o que acontecia, então foquei nas minhas lembranças com Judite, que sempre parecia saber o que dizer nos piores momentos. Perguntei-me se ela sabia onde estava, e se viria me ver. Provavelmente mal sabia e minha mãe escondia de todos o que tinha acontecido comigo ou onde eu estava. Eu deveria passar mais tempo do que imaginava aqui, já que segundo a psicóloga, se eu não falasse, não iriam saber o que estava acontecendo comigo e eu iria ficar mais tempo em observação, mas conclui que aquilo era para apenas me fazer falar a qualquer custo e dizer tudo a meus pais, para que mais uma vez, eu fosse taxada de caso perdido.
Tentei dormir, mas acabei acordando no meio da noite. Havia sonhado, e fazia tempo que não tinha um sonho. O sonho consistia da Amanda estar na porta da escola me esperando e me levando em sua bicicleta até em casa, e ela se despedindo com um sorriso e seguindo seu caminho. Eu não queria que ela fosse embora, mas quanto mais eu andava atrás dela, mais ela sumia, até que eu ficava sem fôlego de ir atrás dela e acabei acordando.
Meus olhos estavam úmidos, e senti um aperto no peito. Era uma lembrança, e aquilo doeu de alguma forma. Não sabia se fisicamente ou mentalmente, provavelmente os dois. O que sabia era que sentia sua falta mais do que eu imaginava.
Fim do capítulo
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