É isso o que eles querem
Meus ouvidos ainda zumbiam quando acordei. A claridade que ofuscava meus olhos me incomodava a ponto de que mal podia abri-los. Eu não estava em casa, e não fazia ideia de que lugar era aquele, mas era bastante luminoso, branco e frio.
Quando pude abrir meus olhos, aos poucos, fui compreendendo o espaço aonde estava acomodada. Meus braços, enfaixados por inteiro, estavam presos em uma maca. Vi de relance minha mãe conversando com alguém, mas estava fraca demais, mais uma vez, para poder fazer alguma coisa. Deduzi que estava em um hospital, enfermaria ou algo do tipo e quando uma mulher se aproximou, acabei dormindo de novo.
Ao acordar de novo, já me sentia bem melhor, porém o lugar era diferente do que eu estava anteriormente. Parecia ser mais convidativo, já que não estava mais em uma maca, e sim em uma cama localizada em um simples quarto. Olhei pela janela e não reconheci o espaço verde e bem cuidado que fazia lá fora. Já era de manhã e apesar de estar ainda tonta, me levantei e abri a porta com cautela. Meus braços ainda doíam e queimavam aonde provavelmente estava suturado. Mais uma vez.
Olhei para as roupas que usava. Eram largas e tinham tons neutros, pareciam ser emprestadas de alguém. Olhei com estranheza, mas fui a passos lentos pelo corredor do local.
Havia outras portas fechadas por ali, e dava para ouvir a movimentação de pessoas ao redor. Quando cheguei na espécie de saguão, vi minha mãe sentada com um senhor bem arrumado e ela, ao notar minha presença, veio em minha direção e me abraçou em um tom choroso.
— Minha filha – sua tristeza na voz era evidente – como está se sentindo?
Não queria responder à pergunta. O homem arrumado veio em minha direção e, com um sorriso cordial, estendeu a mão até mim.
— É um prazer lhe conhecer, Hǎi yún. Sou Orlando.
Ao menos acertou meu nome de primeira. Estendi minha mão e ele segurou com delicadeza.
— Por favor, sente-se conosco – ele puxou uma cadeira e a colocou do lado da minha mãe. Olhei para o redor, havia algumas pessoas caminhando por lá, sem dizer nada, entretidas em outras coisas. Pensei, por um instante, se não estava no limbo que Amanda falava para mim que existia.
— Onde é que estou? – perguntei para desencargo de consciência.
— Bem, minha filha... – minha mãe começava a parecer apreensiva – Aqui é uma espécie de...
— Lar de repouso, Hǎi yún – disse Orlando, estranhamente amigável.
Assenti com a cabeça, tentando decifrar o que havia acabado de ouvir.
— O que estou fazendo aqui? – olhei para minha mãe, séria, o máximo que podia ficar já que ainda estava me habituando ao local. Ela colocou a mão sobre a minha, e pressionou os lábios, reticente, ponderando as palavras que iria proferir.
— Achamos que seria melhor você passar um tempo aqui com pessoas que podem te ajudar com o que está passando, bǎobǎo.
Respirei fundo.
— Hǎi yún, conversei com sua mãe e...
— Eu estou em um hospício? – comecei a rir, incrédula – É sério isso?
— Aqui não é um hospício, Hǎi yún, é... – minha mãe começava a argumentar, mas quanto mais eu entendia aonde estava, mais eu ria.
— É claro – me levantei com dificuldade – que você e bàba iam se juntar pra se livrar de mim, me internando e esquecendo que eu existo.
Quis aplaudir, mas com a força que fiz, um dos pontos romperam e o sangue começou a manchar as gazes.
— Senhora Yǎ qín, essa reação é normal...
Minha mãe quis ir atrás de mim, mas caminhei por entre o jardim que ali estava, procurando um meio de sair.
— Bǎobǎo, querida, me escute... – ouvi a voz da minha mãe atrás junto com de Orlando, que deveria ser o dono ou um médico psiquiátrico que iria me prender naquele lugar.
— Vão se foder! – gritei ao me virar para eles – Nem quando eu quero me matar eu tenho paz, e agora vão me jogar amarrada dentro de um cubículo acolchoado até que eu me mate enforcada com a mordaça.
Orlando era alto e sério, manteve uma postura impassível enquanto minha mãe se debulhava em choro que não tocava o meu coração. Os demais olhavam para mim, curiosos pelo escândalo que fazia. Nunca fora de falar, e ouvir minha voz naquele tom me incomodava, então me calei.
— Só estou fazendo o que é melhor para você, minha filha... – minha mãe continuava a dizer, mas passei por ela e proferi a única coisa que desejava.
— Nunca mais quero te ver na vida.
Não havia como argumentar sobre. Provavelmente fui alegada como insana mentalmente e, por não ter controle sobre minha vida, eles assinaram os papéis alegando que tinham controle sobre mim, então não podia sair dali. Era o fim.
Entrei no quarto novamente. Não havia trancas. Joguei as coisas que haviam ali na janela. Minha cabeça começava a borbulhar, e os pontos abriram mais uma vez. Então pensei na Amanda, e em como aquela vez seria a última que eu a vi.
Eu deveria ter ido embora com ela, mas não tive forças para me levantar. As enfermeiras entraram no quarto e viram a bagunça que tinha feito, e olharam os meus braços. Os pontos haviam soltado e o sangue respingava.
Pensei na Amanda novamente, e nela me abraçando dizendo que tudo ia ficar bem. E lembrei do seu sorriso largo no dia quente, enquanto estávamos deitadas na sua cama, o sol entrando pela janela e tocando o nosso rosto, e comecei a chorar enquanto me levavam novamente para a enfermaria.
Fim do capítulo
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