Capítulo 3 – A Cigarra e a Formiga
- Feliz ano novo – Antônia fala, encostando a borda do seu copo na taça da mulher sentada no fundo do salão. Sentiu seus olhos se contraírem em sua direção, meio desconfiada, num olhar de poucos amigos. Ou como se estivesse confusa, por alguém estar falando com ela.
- Feliz ano novo – Alícia enfim responde, ouvindo o tilintar dos vidros – Parabéns pelo show, sua voz é muito bonita – ela aponta com a taça para o palco, onde Antônia estava até alguns minutos atrás.
- Grata, que bom que gostou – Antônia dá uma bicadinha no champanhe – E aí, animada para mais um ano?
- Errr – Alícia resmunga, fazendo uma careta. Antônia ri da resposta.
- Entendi – ela estava sorrindo – 2019 não foi um bom ano ou o quê?
- Não, não por isso – Alícia se cala, pensando numa resposta à altura de seus pensamentos e sentimentos – Só acho que é sempre muito igual, então tanto faz. Amanhã será um dia como foi ontem, entende?
- Não sei – Antônia estava rindo novamente. Apoiou no balcão sua taça, que estava suando – Dificilmente vivo dias iguais. Sou tipo o mar.
- Que poético – Alícia bebe todo o líquido de sua taça, e limpa a boca ao final com um guardanapo – Eu estou mais para barco, ancorado em terra bem firme.
- Mas ainda assim participa da festa de fim de ano da firma! – Antônia fala, em tom de elogio – E olha que essa é uma das mais desanimadas que eu já vi – ela sorri ao ver a mulher levantar uma sobrancelha – É sério, parece um velório. Olha: ninguém está dançando, ou parecendo se divertir!
- E dá para fugir desses eventos sociais? Ou se divertir? – Alícia retruca, fazendo um gesto para o garçom. Pegou outra taça, cheia, que ele trouxe numa bandeja especificamente para ela.
- Eu nem me apresentei, né? – Antônia comenta, depois de alguns instantes de silêncio – Muito prazer, barco ancorado! Eu me chamo Antônia – ela estica a mão na direção da mulher.
- Prazer, Antônia do Mar – Alícia segura em sua mão, gelada por conta do champanhe – Sou Alícia. A dona da festa mais desanimada que você já viu – ela encosta a taça no copo da mulher, antes de se levantar.
- Ei, espera – Antônia se levanta e vai atrás dela, que caminhava rápido em direção à saída de emergência – Desculpe, não quis te ofender, Alícia – ela segura em seu braço, de leve, e o gesto faz a outra parar. Se virou para encará-la, no meio do salão – Por favor, não quero que fique com má impressão de mim. Me desculpe.
- Tudo bem, certamente não será isso que vai estragar o meu ano – Alícia vira todo o conteúdo de sua taça. Limpou o lábio com o dedo indicador – Aproveite sua festa. Ou vá embora e aproveite o seu ano.
Antônia a vê se afastar, e faz uma careta. Percebeu sua gafe de imediato, e agora se aborrecia um pouco, notando que não teria como consertar. Provavelmente nunca mais seria convidada para celebrar algum evento daquela empresa, e deu uma olhada à sua volta para ver o que perdia.
Não era mesmo o melhor dos eventos!
Parou na frente de uma das mesas encostada na parede e pegou um enfeite, que trazia a mensagem de ano novo e o logo da empresa. Aí é que se lembrou que aquela era uma festa promovida por uma das maiores empresas de açúcar do país.
Perto dali, já dentro do elevador, blindada dos olhos alheios, Alícia se perguntava o que faria uma cantora de festa achar que sua festa era desanimada. Tinha se empenhado tanto para aquele evento! Às vezes parecia que era justamente sua dedicação o que estragava as coisas. Acontecia o mesmo na empresa; todas as pessoas se afastavam diante de qualquer tentativa de aproximação por parte dela.
Afastou o pensamento quando viu no relógio de pulso que ainda era muito cedo para aqueles sentimentos de autocomiseração. O ano de 2020 tinha começado só há cinco minutos.
Fim do capítulo
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