CapÃtulo 2 – A Formiga
O dia de Alícia sempre começava antes das seis, quando o despertador tocava, de segunda a sexta. Aos finais de semana acordava no mesmo horário, mas sem querer. Assim que acordava ela já despertava e pulava da cama listando as tarefas do dia. Eram sempre muitos compromissos no trabalho, que a faziam seguir à risca uma agenda apertada e tumultuada.
Alícia é o que chamam de “workaholic”, ou seja, viciada em trabalho. Herdeira de um negócio multimilionário, as Indústrias Formiga S.A, se desdobrava há quase uma vida inteira para se desvincular da imagem do pai, fundador da companhia, falecido há alguns anos.
Por isso, tinha uma média pífia de sono profundo, sofria de ansiedade e com crises fortíssimas de enxaqueca, que ela nunca revelava sentir. Seu trabalho jamais poderia ser a diversão dos outros.
Não tinha planejado uma carreira assim. Quando criança, seu sonho era ser pilota de corrida. Depois que cresceu, e percebeu que seria difícil trabalhar na Nascar, estudou Administração de Empresas, mas queria Antropologia. O pai que pagou a faculdade, e meio que escolheu sua especialização, por isso: MBA em Gestão de Negócios e pós-graduação em Gestão de Risco e Reputação. Pelo menos o que aprendeu naquela época a ajudava de algum jeito, nos dias atuais.
Quando levantava, era cotidiano tomar um banho rápido sempre antes do café, servido pela empregada num cantinho da mesa na sala de jantar, e contava com frutas, cereais, duas fatias de pão com frios e suco de laranja. Café lhe fazia mal, atacava a azia, que a queimava desde o começo do século. As crises diárias amenizaram quando ela cortou a cafeína, mas davam dor de cabeça, então Alícia sempre acabava escolhendo qual mal-estar ia querer para aquele dia.
Tomava o café sozinha, como todos os dias.
Estava com 35 anos, completados no último mês de setembro. Comemorou o aniversário no trabalho: à meia-noite ainda estava envolvida com os números do fechamento; seu trabalho às vezes se assemelhava a uma bomba-relógio! Ao assoprar a fumaça do cigarro, debruçada na janela de sua sala, fez um desejo para que a vida mudasse, de alguma forma. Se sentia esgotada.
Agora, em frente ao espelho iluminado do trabalho, verificava algumas rugas em volta dos olhos, e marcas de expressão provocadas por preocupações constantes (na testa havia duas linhas, como tracejados). Nem mesmo os cremes anti-idade pareciam resolver, e isso porque usava esses produtos desde os 30 (se convenceu bem nova de que estava velha).
Alícia tinha um pouco de preguiça de viver. Sentia que seus dias eram muito longos, tanto quanto as noites, comumente insones. Não imaginava como poderia ser diferente, pois nunca recebia convite para nada de diferente; chamava de “amigo” quem às vezes até se esquecia dela.
Com relação a relacionamentos, teve uma única namorada ao longo da vida. Terminaram porque Alícia foi traída. Atualmente estava solteira por falta de tempo para namorar; gostava de acreditar que sua prioridade era o trabalho, e se alguém aparecesse era possível até ela nem perceber.
Essa era a lógica da vida, na visão de Alícia: nada estava previamente traçado – isso envolvia os acontecimentos, as pessoas e até os relacionamentos. Chamava de acaso o que muitos chamam de destino.
A primeira vez que Alícia viu Antônia foi numa festa de fim de ano da empresa, ela estava se apresentando num show, fez a contagem regressiva, perto da meia-noite. Estava no canto do salão, já preocupada com o ano que nascia, mas seu sorriso lhe chamou a atenção.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Sem comentários
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook: