Um feixe de luz adentrou naquele recinto
Ela estava ali, de joelhos em frente a imagem sacra, com as mãos fechadas e a cabeça baixa. A luz que vinha da manhã e entrava na igreja dava um tom etéreo para a imagem que via em minha frente e na medida em que me aproximava de Amanda, via que ela condizia com tudo que sua mãe tinha dito no telefone.
Seu cabelo para frente escondia seu rosto que reluzia das lágrimas que tinham descido por suas bochechas até seu pescoço, e o semblante dela era sério, focado em suas orações consigo mesmo e seus pedidos calorosos para a melhora do seu pai e da condição em que ele se encontrava, tão concentrada que mal percebia minha presença ao seu lado.
Sentei-me ao seu lado e ela, após mais um período ali pensativa, fez o sinal da cruz e sentou ao meu lado. Sua expressão era séria, e suas mãos trêmulas carregando o pequeno terço de madeira em mãos, já gasto.
— Espero que não esteja lhe atrapalhando.
— Não, não está – ela balançou a cabeça negando – Como sabia que eu estava aqui?
— Sua mãe me falou. Vim ver como estava – e afastei uma mecha de cabelo que caía em seu rosto, deixando à vista sua feição que, por mais que fosse séria, também estava amedrontada e cansada da noite em claro.
Amanda continuou em silêncio. Seus lábios estavam trêmulos como suas mãos, e ela deixou escapar um suspiro profundo. Perguntar se ela estava bem parecia idiotice, então deixei meus dedos deslizarem pelo seu rosto, afagando como podia. Ela era a pessoa que por mais que estivesse em uma situação difícil, não se deixaria levar pelos pensamentos ruins por mais tentadores que fossem. Amanda sempre se atém a ideia de que as coisas no final das contas, sempre se resolvem. Alguns diriam que ela é determinada, mas isso provém daquilo que ela chama de fé inabalável, porém até mesmo a figura mais alegre e luminosa tem seus dias ruins, como qualquer um.
— Estou...cansada – ela disse rendendo-se – Ainda nem dormi – e, após dar um sorriso sarcástico, continuou – Deus me perdoe, estou até duvidando da minha religião.
Para Amanda falar algo do tipo, definitivamente tinha algo de errado. Então juntei os pontos já claros, afinal, além de trabalhar e estudar, era uma cristã fervorosa homossexual que namora com uma suicida e seu pai, ente primordial da sua família base de tudo estava em uma situação delicada em um hospital. Era impossível que ela se sentisse bem naquela situação.
E as palavras, por mais poderosas que fossem, às vezes falham, como ali. Respirei fundo e a abracei, mas não como um simples abraço. Era um abraço apertado, como se pudesse projetar todo meu desejo de sua melhora naquele abraço e que ela entendesse que ao envolver seu corpo com o meu, queria que ela se sentisse segura assim como me sinto com ela.
— Eu estou aqui com você – sussurrei para Amanda, deixando minhas mãos correrem por sua costa e por fim, apoiar minha cabeça em seu peito.
Então senti algo escorrer até mim. Era quente, e logo em seguida atrás de outro e pelos braços de Amanda me apertarem contra o seu corpo. Ouvi um soluçar baixo vindo dela.
— Eu...eu senti tanto medo – sua voz falhava – Eu senti tanto medo de perde-lo, assim como eu senti medo de te perder, tudo estava se repetindo e...
Amanda voltou a chorar. Era estranho para mim, mesmo a conhecendo tão bem, vê-la mostrando sua vulnerabilidade, e me vi no inédito papel de ser a pessoa positiva.
— Vai ficar tudo bem, ele já está bem, sua mãe me falou – e beijei sua testa, selando aquelas palavras junto a ela.
Eu não sabia o que havia ocorrido de fato, mas desejava que tudo acabasse bem. O pai dela era uma pessoa graciosa assim como ela e sua família, e era desolador vê-los naquela situação. Amanda chorava copiosamente abraçada a mim e trouxe seu rosto até meu peito, acalentando-a. Encarava a imagem sacra à nossa frente enquanto acariciava seus cabelos e sua costa, afagando Amanda para que nosso contato fosse o suficiente para que ela se sentisse melhor mesmo naquela circunstância.
E vi o que realmente significava um relacionamento: uma troca mútua. Quando um se sente mal, o outro apoia e vice-versa. Quando há crises, se apoiam, não se repelindo e quando um precisa de você, você o ajuda como pode.
Após o período em silêncio, quando Amanda se sentiu melhor, a levei para tomar café e conversamos mais um pouco. Ela disse que iria para casa tomar banho e voltar para o hospital trocar de turno com a mãe.
— Qualquer coisa, pode me ligar. O que eu puder fazer...
— Só de você ter vindo aqui comigo já me ajudou muito – ela respondeu esboçando um sorriso tímido – Obrigada.
— Não tem do que me agradecer – estiquei-me até ela para dar um pequeno beijo em seus lábios – Até mais tarde.
Quando voltei para casa, vi que minha mãe ainda estava. Estranhei, mas nada disse.
— Para onde estava? – ela perguntou para mim ao me ver chegar – Você saiu cedo.
— Fui ver a Amanda – respondi enquanto tirava os sapatos – Ela não estava muito bem.
— Aconteceu alguma coisa? – ela dizia despreocupadamente, tomando chá e lendo um livro.
— O pai dela foi internado. Passou mal pela madrugada, não quis entrar em muitos detalhes.
Ela levantou a sobrancelha, surpresa.
— Que fatalidade – ela virou a página do livro – Desejo melhora para eles.
— Por que a senhora está em casa hoje?
— Estou de folga – ela respondeu a esmo – Dei-me folga. Não quer fazer alguma coisa?
— E o bàba? – perguntei com notável estranheza na voz.
Ela pausou a leitura, colocando o livro de lado e suspirando fundo. Deu mais um gole do chá e voltou a falar.
— Yǒng está muito ocupado fugindo das responsabilidades familiares.
Ela encarou a xícara, pensativa e sentei ao seu lado.
— Quero que você saiba que não me envergonho de quem você é, mas seu pai não sabe lidar com o que foge do controle dele – ela parecia expulsar as palavras de sua boca, urgente – E você se tornou uma pessoa totalmente fora do que ele esperava.
— Bem, eu me esforcei para dar um mínimo de orgulho para ele – servi uma xícara de chá para mim – Mas sinceramente, não deu.
— Isso não é um problema, é só sua personalidade – ela voltou a beber o chá – Sempre soube que você seria diferente de nós.
— Desequilibrada? – disse sarcasticamente.
— Não – ela respondeu séria – Você é mais decidida do que eu fui, ou você acha que era o sonho da minha vida casar?
Minha mãe arrumou o óculos, e me encarou séria como o tom de sua voz. Bebi o chá verde morno sem dizer nada. Percebi que o meu papel seria de ouvinte.
— Eu pensei que eu teria uma vida melhor quando saísse de casa e vivesse longe fazendo o que gostava, mas na minha situação, eu tinha que me casar. Não que eu não gostasse do seu pai no começo. Ele era gentil, espirituoso assim como você, mas depois de um tempo, vi que isso não é suficiente para ser feliz em um casamento.
— Se eu não tivesse aparecido, provavelmente a senhora não teria que levar esse peso.
Ela colocou sua mão sobre a minha, e cerrou os olhos. Senti meu corpo congelar pelo olhar que ela dirigiu a mim.
— Você é a melhor coisa que me aconteceu, Hǎi yún.
Nunca tinha visto minha mãe demonstrar seus sentimentos assim. Na verdade, não demonstramos sentimentos assim tão expressamente, normalmente são em pequenas atitudes, mas ela queria deixar claro a importância que tinha em sua vida.
Não sabia o que dizer, e provavelmente ela, mesmo sendo a maior e melhor detentora das palavras de seu rico vocabulário forjado a dedicação e suor de ininterruptas horas de estudo também não.
Segurei sua mão e a pressionei, firmando que eu entendia o que ela me dizia e concordava em dizer que eu queria dizer o mesmo.
— E quero mostrar isso chamando a família da Amanda para passar uma noite conosco.
— Definitivamente é uma péssima ideia – disse quebrando o momento – Se o pai tiver, vai ser um desastre.
— Yǒng não estará aqui até semana que vem e mesmo se ele estiver, conversarei com ele a respeito.
— O bàba só ouve a si mesmo, mãe. Sério, deixa isso de lado...
— Eu faço questão – ela disse insistindo – E é uma boa maneira de estreitar laços, visto a relação entre vocês duas.
Dei um sorriso confuso, tomado pelas ideias desastrosas que rondavam a minha cabeça ao imaginar toda aquela situação acabando em uma briga homérica caso meu pai estivesse participando.
Mas se minha mãe fazia questão de firmar ainda mais a cumplicidade de mãe e filha, era algo que não podia negar já que ela, com suas palavras, fazia tanta questão.
— Quando as coisas melhorarem, falarei com ela para vermos um dia.
— Ótimo – ela deu um sorriso satisfeito e voltou a tomar seu chá – Agora, marquei de fazermos algumas coisas hoje, como ir na livraria, no salão, e vamos fazer umas compras.
— Mas, mãe...
— Nada de “mas, mãe.”
Era sua maneira de dizer que iria dedicar seu dia todo na tarefa árdua de ser minha mãe e figura de exemplo, então nada mais disse, além de pensar que o fato de sair um pouco com ela seria bom. Terminei meu chá e levantei-me.
— Estarei no meu quarto existindo e quando for pra sair, a senhora me avisa.
Ela balançou a cabeça positivamente, voltando a imersão do seu livro e eu, para meu lugar preferido da casa.
Fim do capítulo
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Marta Andrade dos Santos
Em: 23/09/2021
Espero que Hai Yun não tente conta a própria vida novamente.
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