Capítulo 22°

Alice

            Passar a semana inteira sem encontrar Virgínia foi uma tortura. Mas aproveitei para colocar minhas coisas da faculdade em ordem. O que não me faltou foi tempo disponível para pensar em como as coisas estão diferentes em minha vida nas últimas semanas.

            Anna estava passando a maior parte do tempo com a tia Iara o que fez com que as únicas vezes que nós víssemos fosse na faculdade. O namoro das duas apesar de ser escondido se torna mais sério a cada dia. Por falar em sério, Miguel, Rick e Cadu estavam saindo juntos. Aparentemente a trans* de uma noite não foi apenas isso e os três têm se visto com mais frequência do que esperávamos.

O que me faz acreditar que eu sou a única sem alguém para amar. O que não é bem verdade. Afinal tenho Virgínia, mesmo que seja apenas um caso indefinido. Saber que ela passou a semana inteira se dedicando apenas a campanha me deixa imensamente orgulhosa do seu empenho e dedicação, mesmo que isso tenha significado horas ao lado de Amélia.

            Depois de contar os meus receios a respeito da mulher para minha amiga, Anna fez uma verdadeira pesquisa sobre sua vida. Não posso negar que ver toda a beleza dela me chamou muita a atenção e ao invés de diminuir minhas inseguranças só fez com que elas aumentassem. Mas é como Anna me disse, Virgínia e eu não temos nada sério. Desde então tenho tentado não criar muitos cenários sobre como as duas acabam se beijando em um dia qualquer no final de expediente.

- Alice. Você está bem? – Bernardo questionou me fitando.

- Sim. Eu me distraí. – confessei sorrindo.

- Percebi. Está assim por conta do Matheus?

- Não, maninho. Não tem nada a ver com o Mat.

- Entendi. A mamma mandou te chamar para o jantar.

- Já estou descendo.

- Certo.

            Ele saiu me deixando sozinha. Desci alguns segundos depois. Ocupei meu lugar á mesa e começamos nossa refeição. Que teve como sobremesa uma deliciosa torta de limão, que era a favorita do Arthur.

- Torta de limão? O que estamos comemorando? – Bernardo indagou.

- Estamos comemorando a melhora nas notas do seu irmão. – a mamma falou sorridente.

- E por que eu nunca ganho prêmio por ir bem? – sua voz saiu em um tom de chateação.

- Mas não é só pelas melhoras das notas. E sim pelo final do castigo dele.

- Tudo bem, não vou mais reivindicar meus direitos nessa casa. – foi impossível não rir da cara dele.

            Minhas mães estavam felizes, felizes como há muito não ficavam. A harmonia da casa era completamente diferente de quando estavam brigadas. A vó Helena me ligou algumas vezes no decorrer da semana apenas para ter certeza de que as duas haviam se acertado e comemorou quando eu confirmei que sim.

- Passou bastante tempo em casa nos últimos dias. – lá estava a Doutora Isabella tentando arrancar algum coisa de mim.

            Desde pequena eu entendia que ela usava sua lábia como advogada para fazer com que eu confessasse as coisas. Me lembro de uma vez quando eu tinha apenas 6 anos e brincava de bola na sala de casa com a mamma, coisa que ela já havia deixado claro que não era para fazermos. Acabou que eu usei muita força e acertei sem querer o jarro preferido dela. A mamma disse que ela não notaria, e eu acabei acreditando nisso. Mas bastou ela chegar do trabalho e perguntar sobre o jarro. Falamos que não sabíamos o que havia acontecido, mas ela era esperta e sabia que se me questionasse sem a presença da mamma eu acabaria confessando. E foi isso que aconteceu, fiquei de castigo uma semana. No início parecesse até uma conversa normal, até que de repente ela consegue arrancar coisas sem que você perceba.

- Tinha algumas coisas da faculdade para colocar em ordem. – ela me fitou. – Como está a empresa? – mudei de assunto assim que a mamma se junto a nós.

- Bem, contratei uma pessoa para ocupar meu lugar. – sorriu largo.

- O que pode ter custado mais caro do que deveríamos pagar. – a mammy argumentou.

- Mas tem valido a pena. Hoje é sexta à noite e eu estou em casa desde cedo.

- Verdade. – concordei. – Então isso explica a felicidade de vocês.

- Exatamente. – concordaram.

            Apesar da empresa ser o patrimônio da família eu não tenho tanto interesse em continuar o legado. Quero fazer meu nome, abrir meu próprio negócio. Mas nunca tive coragem de contar isso as minhas mães. Afinal vai que no futuro eu acabo mudando de ideia e vou ter causado um stress sem necessidade.

- Anna tem andado pouco aqui. Aconteceu alguma coisa?

- Não. Ela só está ocupada. – dei de ombros tentando parecer o mais normal possível.

            Nem quero imaginar a confusão que vai ser quando o romance delas vier à tona. Anna já havia me dito que a mammy deixou claro para a tia Iara que não aprovava as duas juntas quando as viu na festa de aniversário da mamma. Eu não entendo de onde vem toda essa caretice de dizer que a idade é algo tão importante em um relacionamento.

            Amor é amor, não é como se a gente viesse com um botão que desliga o interesse por alguém. Esse tipo de coisa não é algo que conseguimos controlar. Acho que o ser humano adora rotular e complicar tudo. Seria tão mais simples apenas cada um cuidar da sua vida e deixar as pessoas livres para amarem quem quiserem.

            A única coisa boa da semana ter passado tão rápida, foi o fim das fofocas envolvendo meu nome. Matheus ainda tentou me ligar algumas vezes, talvez para explicar as novas fotos, mas eu preferi não o atender, assim era melhor. Se ele estava disposto a tentar se moldar de volta ao armário era uma questão única e exclusivamente dele. Mas não sou obrigada a sujar minha imagem para limpar a dele. Meu celular tocou e a foto de Anna apareceu. Pedi licença e me afastei indo atender na varanda.

- Olha quem deu o ar da graça. – provoquei.

- Não começa com o drama. Só quero saber como você está?

- Morrendo de tédio.

- Que tal a gente sair amanhã?

- E sua namorada?

- Ela vai ter que trabalhar até tarde. Então temos tempo para sair, apenas nós três. Se o Miguel largar o trisal dele.

- Não é!?Você acha que eles ainda estão ficando?

- Certeza, o gay sumiu. E a Virgínia alguma notícia?

- Até agora nada, acho que ainda está trabalhando. – comentei e minha mente criativa mais uma vez fez uma cena de beijo aparecer na minha cabeça.

- Não adianta nada você ficar se remoendo. Que a Amélia é linda nós já sabemos, que você e a fotografa não tem nada sério é um fato. Então para de ficar criando noia.

- Você me lembrar tudo isso ajuda bastante. – resmunguei.

- Deveria namorar logo de uma vez. As fofocas já diminuíram. Só precisam ter cuidado.

- É talvez você esteja certa.

- Eu sempre estou. Mas agora preciso ir. Beijos.

- Beijos.

            Encerrei a ligação e fiquei pensando no que Anna falou sobre pedir Virgínia em namoro, mas me lembrei de sua recusa quando eu brinquei dizendo que poderíamos namorar. Suspirei deixando o celular de lado. Talvez não fosse apenas por todas as fofocas, mas sim por ser algo que ela não queira no momento.

- Problemas?

- Oi, mamma. Talvez.

- Quer conversar?

- Sim. – sorri e ela me estendeu uma taça de vinho, sentado ao meu lado em seguida.

- Isso tudo é por conta da Virgínia?

- É. – suspirei tomando um gole do vinho. – Não conta nada para a mammy. Não preciso que ela fique surtando.

- Não vou contar, porém se ela perguntar vou dizer por alto o que se trata. Você sabe que acabamos de fazer as pazes, imagina o que ela faria comigo se soubesse que estou escondendo alguma coisa dela.

- Tudo bem. Se ela perguntar, você começa dizendo que não sou mais virgem, aí ela muda de ideia e não vai mais querer detalhes. – sorrimos cumplices sabendo que seria exatamente o caso.

- Mas para eu dizer isso tem que ser verdade. É verdade?

- Sim.

- Uau! Parece que foi ontem que você me perguntava se tinha alguma coisa errada por ainda ser virgem. E pelo visto eu tinha razão, só faltava a pessoa certa.

- Não vai perguntar se foi com o Matheus? – questionei confusa.

- Como eu já disse antes, um dia, já tive sua idade. E se bem entendo como funcionam as coisas, acredito que sua primeira vez foi com a Virgínia. – eu acenei concordando. – Você se sentiu pressionada por estar na casa dela? Ela te forçou de alguma forma? – questionou com um tom mais preocupado.

- Não! – desatei a rir lembrando o quanto ela tentou escapar de mim. – Na verdade fui eu que tomei a iniciativa. – confessei.

- Foi bom?

- Sim.

- Olha, ela é sua primeira mulher, em todos os sentidos. E paixões assim são avassaladoras.

- É isso que estou sentindo? Uma paixão avassaladora?

- Sim. – confirmou. – Estão namorando?

- Não, depois do que aconteceu com o Matheus achamos melhor não arriscar mais uma fofoca.

- Boa escolha. Espero que ela também sinta toda essa paixão. Nada melhor do que algo reciproco. Mas tirando a conclusão de que ela literalmente invadiu nossa casa, eu acredito que ela sinta o mesmo. Então não entendo o motivo dessa ruguinha bem aqui. – aponto minha testa.

- É tudo muito novo. O sentimento por ela, o meu desejo...você sabe, sexual.

- Entendo, muita coisa para processar. Mas não vai adiantar ficar remoendo isso. Aproveita uma coisa de cada vez. Não se cobra tanto. Como os jovens costumam dizer: “deixa fluir”.

- Você tem razão.

- O que importa mesmo é que você esteja bem e feliz. Ela vai ser alguém muito importante na sua vida. Mesmo que as coisas não saiam como você deseja.

- Aqui está você!

- Oi meu amor, estou indo. – piscou para mim e abraçou a mammy, caminharam em direção a casa.

            Não consegui esquecer a última frase que a mamma me disse, sobre a Virgínia ser sempre alguém importante para mim mesmo que as coisas não fossem como o que eu espero. Acredito que posso afirmar que essa sem dúvidas é a primeira vez que me apaixono de verdade. Então de fato Virgínia sempre será alguém especial e importante. O que me resta é torcer para que as coisas terminem bem entre nós. O cansaço dava os primeiros sinais, decidi que já era hora de dormir. Antes me surpreendi com Virgínia me ligando. Atendi me atirando na cama.

- Oi.

- Oi. Atrapalho?

- Nunca. Estava apenas me organizando para dormir. E você? Muito trabalho?

- Sim. E amanhã tem mais. Vamos fazer as fotos em uma fazenda em Ouro Preto.

- Legal! Amélia vai?

- Sim. Ela fez questão. Não sei se por não confiar no meu potencial. – brincou.

- Pode ser por qualquer outro motivo, menos esse. – comentei tentando disfarçar meu ciúme.

            Conversamos por alguns minutos, mas confesso que imaginar Amélia e Virgínia no mesmo ambiente por dois longos dias me deixava muito incomodada. Mas vou tentar ao máximo não pensar sobre isso. E deixar as coisas fluírem tal qual a mamma disse.

            Na manhã seguinte acordei depois das nove. Escutei o barulho vindo da piscina e fui até a janela. Os meninos e o Gabriel jogavam bola. Vi minhas mães conversando com a tia Mile e o tio Isaac. Decidi tomar banho e me juntar a eles.

- Olha ela!!!

- Bom dia. – sorri sentando ao lado da tia Mile que tomava sol.

- Bom dia. Não sabia que íamos passar o dia juntos, teria acordado mais cedo.

- Não foi nada combinado. – tio Isaac comentou.

- Como sempre, eles apareceram sem ser chamados.  – a mammy provocou.

- Você está bem? – tia Mile me fitou. Aquele olhar me questionava se eu estava bem depois do que havia acontecido com o Matheus.

- Estou sim. – tranquilizei-a.

            Aceitou minha resposta e apenas tocou minha mão. Mudou de assunto conversando sobre irmos fazer compras em uma loja que havia sido inaugurada recente. Ficamos boa parte da manhã na área externa. No final da tarde decidi que era melhor descansar já que iria sair a noite.

            Comecei a me arrumar assim que Anna me mandou foto pedindo opinião sobre qual roupa deveria usar. Depois de ajuda-la fui para o banho e comecei a minha maquiagem.  Escolhi um short jeans curto, uma blusa de renda preta, e por cima um blazer branco. Escolhi alguns acessórios para completar o look. Virgínia me ligou e eu senti o frio na barriga que já era costumeiro.

            Ela me fitou ao ver que me arrumava para sair. Mas me pareceu não se importar com o fato de eu sair sozinha com os meninos. O que de alguma forma me deixou um pouco decepcionada. Nos despedimos e eu desci, Anna já me esperava na sala.

- Aonde está o Miguel?

- Falou que nos encontra lá. Mas está com cara de quem vai nos dar um bolo e ficar trans*ndo a noite toda. Por falar em trans*r. Você está um crime hoje, quer pegar alguém?

- Nem começa. – revirei os olhos. – Quem eu quero pegar possivelmente está jantando com a chefe.

- Jantando com a chefe, ou jantando a chefe? – fitei-a seria. – Tá! Não vou fazer piadas com isso. Mais um motivo para você ficar com alguém hoje. Vocês não têm nada sério. Nunca falaram que são exclusivas. Então você pode beijar outras bocas.

- Podemos não falar sobre o meu relacionamento não definido? Ainda mais aqui em casa correndo o risco da mammy escutar.– ela gesticulou confirmando.

            Fomos no meu carro, já que eu não tenho intenção nenhuma em beber. Estou indo apenas para me distrair, ao invés de ficar em casa imaginando como deve estar sendo a noite de Virgínia. Chegamos ao pub e o local já estava lotado. Todo final de semana é assim.

- Nossa! Que saudade desse calor. – Anna comentou sorridente.

- Você pode até sentir falta desse calor, mas aposto que não trocaria aquele calor por aquele. – me referi a tia Iara.

- Nunca. Vamos? – me esticou a mão e caminhamos até a entrada.

            Corri os olhos pelo local e ao avistar uma mesa desocupada, caminhamos até ela. Anna pediu cervejas e eu uma água de coco.

- Tem certeza que não quer beber?

- Sim. – confirmei.

- Só para deixar claro, nisso eu não vou insistir. Mas para você ficar com alguém com certeza vou.

- Mas eu não quero. Não antes de entender o que isso significa para a Virgínia. Ela me viu linda, por que eu sei que estou linda. – sorri. -  E nem pareceu se importar com o fato de eu estar saindo sozinha.

- Alice! O que ela fez com você? Lembro bem de sempre que comentava o quanto o seu namoro com o Matheus era saudável que sempre saiam sozinhos, agora você está aqui pedindo que a Virgínia se importe por você sair sozinha?

- Pois é. Meio idiota eu sei. Só que não queria que ela me proibisse ou algo do tipo. Queria apenas que ela se importasse.

- Não tem como saber que ela se importa. Vai ver ela não se sente no direito. Vocês...

- Não temos nada. Eu sei. – suspirei. – Deveria ser mais fácil.

- O quê? Gostar de mulher? – confirmei com a cabeça. – Não é não. Eu por exemplo, estou sendo obrigada a voltar para o armário por conta da sua tia que tem essa paranoia que as pessoas descubram. 

- E por que está com ela ainda?

- Paixão. A gente fica muito burra quando se apaixona.

- Um brinde a isso. – estendi o copo.

            Mudamos de assunto e Anna aos poucos foi se soltando ainda mais.  Miguel não apareceu. Mas isso me permitiu conversar com minha amiga por mais tempo e conseguir tirar algumas dúvidas sobre o relacionamento dela com a minha tia. O que eu acabei descobrindo que ainda não era um namoro, já que nenhuma havia feito o pedido oficialmente.

- O sex* é perfeito, mas tem me tirado a paz essa coisa de ter que me esconder. – confessou. – Faz tempo que não me sinto tão sufocada. E nem é pelo relacionamento é por ter que me esconder.

- Eu imagino. Acho que o Cadu deveria ser o primeiro a saber.

- Fala isso para ela. – afundou na cadeira. – Não sei por que o julgamento da sua mãe tem tanta importância para ela.

- Eu também não entendo. Ontem ela perguntou por você.

- Sua mãe?

- Sim. Acho que ela desconfia que estão juntas.

- Você não pode confirmar.

- Jamais faria isso.

- Eu sei. Sabe o que detesto nisso?

- O quê?

- Aquela linda ruiva. – me mostrou a direção com a cabeça. Olhei para a mesa e de fato a ruiva era linda, pele clara com algumas sardas, cabelos longos e vermelhos. – Ela está me dando mole desde que chegou, mas eu nem vim com alguém e nem posso ficar com ela. – suspirou com pesar.

- Você é idiota. – sacudi a cabeça. – Veio para sair comigo e não para ficar se agarrando com alguém.

- Poderia fazer as duas coisas.

- Em nenhuma das vezes que saímos você fez as duas coisas. – provoquei. – Sempre acabo sozinha.

            Passava das dez quando senti vontade de ir ao banheiro. Avisei a Anna e direcionei para lá. Mas ao passar próximo ao bar uma pessoa se virou rápido demais o que causou o choque dos nossos corpos.

- Nossa! Me des...

- Você por acaso é cega? – a desconhecida falou exaltada.

            Ela se virou em minha direção e eu paralisei. Podia jurar que diante de mim estava Amélia, mas em uma versão mais nova e ainda mais bonita se é que era possível. Os olhos verdes em um tom que nunca vi antes. Os cabelos pretos e caídos nos ombros, o nariz fino e empinado, até a altura parecia a mesma da chefe de Virgínia.

- Você além de cega é muda? – me fitou irritada. – Estou esperando o pedido de desculpa.

- Eu...- não sabia o que dizer. Literalmente perdi a voz. – Sinto muito, não tive a intenção, posso ajudar a limpar ou te comprar uma blusa nova se for o caso.

- Você acha mesmo que sua mesada consegue pagar por essa blusa, Pirralha? – chega! minha educação já foi para o espaço com toda a soberba daquela criatura.

            Me fitava desafiadora e irritada. Parecia um dragão furioso. Mas eu não pude deixar de notar o quanto ela era atraente. Mesmo sendo tão mal educada. Me deu as costas e saiu me deixando plantada e sentindo o cheiro do seu perfume. E eu só fiquei ainda mais indignada por não ter tido tempo de responder sua afronta.

- Maluca. -  comentei baixo e fui para o banheiro.

            Assim que entrei eu a vi na pia tentado limpar a mancha da blusa. Me olhou pelo reflexo do espelho e eu podia jurar que se eu continuasse olhando-a, ela iria soltar fumaça pelas narinas. Entrei na cabine tentando ignorar sua presença.

- Quanta demora. – Anna reclamou assim que eu sentei.

- Você não vai acreditar no que aconteceu. Esbarrei no clone da Amélia.

- Impossível. Espera! Ela está de branco, e possivelmente com uma mancha enorme?

- Sim. Como você sabe?

- Ela está sentada com a ruiva. – virei para olhar e as duas nos fitaram.

- Parece mesmo com a Amélia. Mas ela está bem irritada com você.  

- Eu fiz aquela mancha. Esbarrei nela, e acabou derramando a bebida. Me ofereci para ajudar, mas ela foi muito mal educada.

- Está saindo fumaça dos ouvidos dela, igual nos desenhos animados. – começou a rir.

- Não tem graça. Ela insinuou que minha mesada não daria para pagar a blusa cara dela. E ainda me chamou de pirralha- revirei os olhos.

- Pirralha? Sério? – Anna desatou a rir. - Mas ela é mesmo linda. E continua olhando para você.

- Não me importo. Detesto gente mal educada.

- Tá! Vamos esquecer esse ocorrido.

            Enquanto Anna falava sobre alguma coisa que não me faço a menor ideia do que era, eu continuo sentindo o olhar de ódio da estranha sobre as minhas costas. Algumas vezes até cheguei a olhar discretamente e nossos olhares se cruzavam. E sempre que isso acontecia a ruiva que a acompanhava começava a rir da cara da amiga. Sim, deduzi que são amigas, já que a ruiva não parou de paquerar com a Anna.

- Devia ir falar com ela.

- Nem a pau!

- Mas ela não para de olhar para você. Acho que está interessada.

- Você acha que ela é lésbica?

- Sim. – comentou. – Ou então só está esperando que você pague a blusa de grife dela.

- Anna!

- Vamos fazer assim. Você chama o garçom, manda a garrafa da bebida que você derramou. Em oferta de paz.

- Você acha uma boa ideia?

- Garçom. – ignorou minha pergunta. – Eu quero que leve a garrafa do que aquela mulher está bebendo. – apontou discretamente para a mesa. – Coloca na nossa comanda e diz que é uma oferta de paz da Alice. – me olhou. O homem pareceu confuso, mas saiu indo seguir as orientações da Anna.

- Você é maluca, e vai pagar a conta. Eu nunca daria algo aquela mal educada.

- Eu pago. Mas vamos ver qual será a reação dela.

            Observamos o rapaz levar a bebida para a mesa as duas. E apontou para mim. A clone de Amélia fechou a cara ainda mais. A ruiva sorriu para nós e deu uma piscadela. Em seguida tocou o braço da outra que apenas a fitou sem nada dizer.

- Falei que não era uma boa ideia.

- Claro que foi uma boa ideia. Afinal aí vem ela. -  comentou sem importância e eu me assustei com a informação.

- Alice? – escutei a voz rouca, agora em um tom um pouco mais ameno e calmo.

- Sim. – falei tentando conter minha surpresa.

- Eu só queria dizer que acho que exagerei agora a pouco. – comentou.

- Quando gritou comigo ou quando me chamou de pirralha? – provoquei e ela deu um sorriso.

- A parte de ter gritado, quanto a você ser pirralha é apenas a verdade. – comentou com ar de superioridade e eu odiei. – Enfim, minha amiga me obrigou a vir aqui me desculpar e agradecer pela bebida.

- Que por sinal é bem mais cara que sua blusa. – revidei.

- Nem sei em quantas vidas vai parcelar, mas mesmo assim obrigada. – respondeu e saiu me deixando com ainda mais raiva dela.

- Que tensão sexual.

- Não começa Anna. – resmunguei irritada.

- Ela é linda e conseguiu te tirar do sério.

- Mal educada. Ogra, e feia.

- Amiga, você pode chamar ela de qualquer coisa menos de feia. – Anna gargalhou e mesmo que eu concorde jamais vou dizer isso.

            O restante da noite passou sem mais ocorridos. Já era madrugada quando decidimos ir embora. Assim que entramos no quarto Anna foi para o banho e em seguida capotou na cama. Escutei ela ressonar pesadamente e fui tomar um banho antes de deitar. Foi então que minha curiosidade aguçou e resolvi descobrir quem era aquela mulher tão parecida com Amélia.

            Entrei em seu perfil e fui na parte das marcações. Passei algumas fotos até que encontrei uma de Amélia e da mulher da boate. Na foto as duas estavam montadas em cavalos e sorriam. “Fazenda Cardoso” era a localização, abri e acabei vendo uma foto de hoje mais cedo aonde a equipe de Amélia aparecia inclusive Virgínia. As fotos que estavam sendo tiradas nesse lugar.

- Rebeca Cardoso. Então elas são irmãs. – conclui falando alto.

            Abri o perfil de Rebeca, mas me frustrei ao notar que era bloqueado. Deixei o celular de lado e fui para o banho e em seguida adormeci ao lado de Anna que dormia profundamente.

           

 

 

 

           

Fim do capítulo