Capítulo de hoje promete fortes emoções...
Procura e destrua
Eu não sabia se deveria agir diferente com a Amanda depois do nosso final de semana. Se era um pretexto para que eu pudesse dar um passo a mais no contexto relação a outros olhos, no quesito deixar claro para outras pessoas, que não sabiam do apreço que tínhamos uma pela outra.
Ao chegar na frente da escola, vi Amanda conversando com seu amigo. Era o momento de testar o que vinha em meus pensamentos, e arrastei minhas mãos sobre os seus ombros, indo em encontro ao abraço que deferia nela.
— Hǎi yún! – ela dizia animada, segurando meus braços e os mantendo junto a ela. Silvio, seu amigo, levantava as sobrancelhas com um ar sugestivo ao nos ver naquela situação.
Ela levou sua mão a minha, e entrelaçou seus dedos ao meu.
— Se importa? – Amanda perguntava timidamente.
— Nem um pouco – segurei sua mão com afinco, e ela virou para beijar meu rosto. Silvio continuava com seu sorriso malicioso, olhando para os lados.
— Então, vamos? – ela balançava minha mão para que entrássemos assim na escola.
Era tudo bem se você saísse com garotas, contando que fosse às escondidas e ninguém soubesse, ou imaginasse e não quisesse saber. Deixar translúcido o fato de você demonstrar afeto a outra garota é uma história totalmente diferente, principalmente quando você estava em um ambiente escolar de mãos dadas com alguém.
Aquilo era o sinal claro de que havia algo a mais entre vocês a ponto de que todos os demais que vissem iriam ter a confirmação disso e claro, isso incomodava a muitos olhos que nos encarava a torto e direito, seja com repreensão, com asco ou somente curiosos, envoltos de comentários silenciosos passados de um ouvido a outro.
Claro que, ao chegar na sala, a reação não seria diferente das demais, com exceção de Luiza que ao nos ver, deu uma longa risada mergulhada de ironia.
— Gostei de ver, Hǎi yún. Chutando as portas do armário.
Revirei os olhos, olhando para o outro lado e procurando evitar Luiza. Ainda não tinha engolido o que estava acontecendo entre ela e Jude mais uma vez, mas Amanda, sempre solícita, conversava com ela.
— Mas o que tem demais? – dizia Amanda, sentando-se ao meu lado, e voltando a segurar minha mão.
— Você não tem medo da repreensão?
— Do que, por exemplo? – Amanda perguntava, curiosa.
— Ora, homofobia, agressão física, psicológica, comentários maldosos.
— Eu sei me defender – ela dizia confiante – E meus pais dizem para eu nunca ter vergonha de ser quem eu sou.
— E você, Hǎi yún? – Luiza dizia, esticando-se para me olhar mais de perto.
— Diferente de certas pessoas, Luiza, eu não tenho medo de mostrar quem eu sou.
Era a minha deixa, que caiu suavemente para que ela desse os ombros e bufando, voltasse a mexer no telefone.
Amanda passou o braço sobre meu ombro e, apoiando a cabeça em meu ombro, sussurrou com um quê sorridente:
— Ainda estou pensando no nosso final de semana.
Mordi os lábios e olhando para ela, sugestivamente, sussurrei de volta, próximo a seu ouvido.
— Eu também. Será que é pedir muito outro desse?
— Espero que logo.
Ela beijou meu rosto e passou a ponta dos dedos devagar sob ele, e não pude me conter em não sorrir com sua atitude, entrelaçando meus dedos ao seus e com minha cabeça apoiada em seu ombro, ficamos durante toda a aula assim.
*
Era um costume que se perpetuou durante todo o período de aula e fora dele. Eu a encontrava na frente, entrávamos juntas na sala, ficávamos a aula juntas mesmo que só Amanda estudasse e eu desenhasse em período integral, ela me levava até em casa e ia embora. No final de semana, a programação não era diferente, só mudando o lugar onde ficávamos.
Não era como um segredo para a família dela, e parcialmente nem para minha, o que tornava o convívio, salvo quando meu pai estava em casa – o que era difícil – bem tranquilo.
No intervalo da escola, estávamos sentadas de forma costumeira nas escadas em frente ao depósito. Amanda conversava com Luiza e eu, no degrau abaixo em meio a suas pernas, desenhava ou ouvia música. Mas naquele dia, eu esqueci o aparelho na sala.
— Ei Amanda, você pode ir na sala comigo? Esqueci meu MP3.
— Claro – ela respondeu se levantando – Já volto.
Não gostava de passar por grandes multidões sozinhas. Deixava-me sufocada, e evitava ao máximo isso. Amanda, como já sabia disso, sempre me acompanhava, segurando em meu braço.
Porém, quando passamos por algumas das pessoas no intervalo, ouvimos certo murmúrio, que Amanda pareceu ter ouvido, já que parou de andar no mesmo instante e olhou para o pequeno grupo de pessoas da outra turma.
— O que você disse? – ela perguntou séria, de forma que poucas vezes tinha visto.
— Eu disse “lá vai as sapatonas.” – o garoto dizia com os braços cruzados, encarando Amanda com superioridade.
A fisionomia de Amanda mudou. Ela estava séria e sobretudo, com raiva.
— Amanda, deixa isso pra lá... – puxei sua mão – Ele só quer brigar.
— Eu quero saber o que estou fazendo que incomoda tanto você – ela se aproximava dele, sem soltar minha mão.
O clima tornava-se tenso. A pose de Amanda era ameaçadora, mas não o suficiente para que o garoto, que parecia se divertir com a situação, respondesse no mesmo tom.
— Façam essa sem vergonhice na casa de vocês, não na frente dos outros – ele apontou contra o próprio peito – Acha que eu sou obrigado a ver isso? Não sou. Cambada de aberração.
Mas Amanda continuava firme, imóvel.
— Vai procurar o que fazer em vez de tomar conta da nossa vida.
Meu corpo tremia, já que eu sentia que aquilo não acabaria bem. Amanda não tinha o ímpeto de briga, mas quando uma coisa a tirava do sério, era difícil ela voltar atrás.
Não era uma questão de ego, e sim sua honra. Como ela dizia, se sua família aceitava, não seria outra pessoa que falaria o contrário. Ela levava as pessoas que amavam bastante a sério.
— Ei, o que está acontecendo aqui? – Luiza chegou ao ver o amontoado de pessoas ao ver nossa discussão.
— Veio a gorda pra fechar a panelinha – outra garota dizia atrás, tomada de maldade.
— Como é a história, seu pinto pequeno? – ela falava furiosa, e as pessoas ao redor ovacionavam.
— Lucas, deixa pra lá... – uma das garotas atrás dele o segurava, mas ele se desvencilhou do seu braço com força.
— Deixar pra lá? – ele gritava as palavras em nossa direção – Acha mesmo que eu vou ter medo de mulherzinha?
E empurrou Amanda pelo ombro, que não se mexeu. Procurei intervir, mas Luiza me segurou, e ele continuava empurrando Amanda com o olhar colérico, mas ela não se mexia. Seu tempo de trabalho braçal tinha lhe dado uma força acima de muitas pessoas que conhecia.
Mas o garoto em questão desviou o olhar para mim, e quando o fez, passou a língua nos lábios, mordendo devagar.
— É, pelo menos uma dessas dá pra comer.
Enojada com o que ouvi, abaixei a cabeça, e no momento que o fiz, foi o suficiente para não perceber com exatidão o que aconteceu.
— Briga, briga, briga!
O coro das pessoas ao redor soava assim que víamos Amanda, que derrubou ele no chão, e socava a cara dele furiosa, colérica, tomada pela raiva.
— O que está acontecendo aqui? – Lorena vinha no fundo e junto com Silvio, segurava Amanda, sem sucesso até que Luiza e mais outra pessoa interviu segurando-a.
— Se eu sonhar que você mexeu com a Hǎi yún ou com qualquer outra pessoa, eu arrebento a sua cara, eu te arrebento todo, tá ouvindo? – ela gritava enraivecida – Eu quebro a sua cara, só assim para você respeitar os outros!
— Calma, Amanda – ela segurava Amanda pelos braços – Não vai acontecer nada, calma.
Ela ofegava raivosa olhando ao redor e o rapaz, com o lábio cortado e um dos olhos inchados, era levado pelos amigos para fora.
— Circulando, vamos! – Silvio dizia, gesticulando para fora.
Amanda respirava profundamente, parecendo voltar a si e eu via a toda aquela situação atônita.
— Que porr* foi essa? – dizia Luiza também ofegante, olhando ao redor com as mãos na cabeça.
*
Esperávamos na sala de espera da direção. Amanda estava apreensiva olhando para os lados, passando a mão no pescoço e suspirando profundamente, procurando assim se concentrar. Procurei tranquilizá-la encostando a cabeça no seu ombro, como costumava fazer, e acariciar sua mão.
— Acha que vou ser expulsa? – ela comentava em tom urgente para mim.
— Não, claro que não.
— Não sei o que me fez fazer isso... – ela suspirava pesado – Sério, eu não sou de fazer isso.
— Sei que não, mas ele foi nojento e desrespeitoso – dizia tentando acalmá-la – Se não fosse você, seria eu.
Os garotos da outra sala saíram, todos de cabeça baixa, sem dizer nada. Quando nos viu, o diretor gesticulou para que entrássemos.
— Boa tarde meninas – ele apontava para as cadeiras – Eu gostaria de conversar um pouco sobre o que aconteceu...
Amanda concordou com a cabeça, e eu respondi dando os ombros.
— O que as levou a esse entendimento com o colega? – ele dizia em tom brando, mas eu sabia aonde isso ia nos levar.
— Desentendimento? – respondia em tom sarcástico – Só pode estar de brincadeira...
— Amanda, você é uma das nossas alunas destaque – ele apontava com as mãos em sua direção, assim como pegava uma tabela em um papel – Por ter as melhores notas e, bem, a senhorita Hǎi yún tem o histórico de atraso e infindáveis faltas, e...
— O que você quer dizer com isso, diretor? – Amanda perguntava para ele, cruzando os braços, com o olhar sério.
— Sinto que essa... – ele pensava antes de falar – Proximidade afetiva entre vocês esteja causando problemas.
Exatamente como eu imaginava.
— Mas nós não fizemos nada diretor, ele que chegou nos atacando – Amanda se justificava – Tem pessoas de prova disso.
— Mas você o agrediu, Amanda – ele dizia no mesmo tom – E as pessoas viram.
— Até por que tudo bem ele falar que vai me comer e me olhar como um objeto, e não tem problemas deles nos xingarem e falarem o que bem entende, não é? – destilava as palavras na direção do diretor, que recuava.
— Claro que não, senhorita Hǎi yún, mas...
— Diretor, o máximo que faço com Hǎi yún é nos abraçarmos, por que isso incomodaria?
— É que, Amanda... – ele deixava o ar escapar pela boca – Sua demonstração de afeto incomoda os demais que não veem isso com bons olhos, entende?
— E o que temos a ver com isso? – eu me pronunciava ainda mais alto – Alunos fazem o que bem entende aqui e as erradas somos nós por andar de mãos dadas ou coisa do tipo?
— Hǎi yún Wang, eu não sou inimigo seu e nem da Amanda Silva, mas um aluno foi agredido – ele se apoiava na cadeira rotatória – Eu preciso zelar pela integridade dos meus alunos, você precisa compreender isso.
Eu iria blefar. Por favor, Amanda, entre nessa.
— O que estou entendendo é que eu não posso ficar com minha namorada no mesmo ambiente acadêmico, mas outras pessoas que namoram, tudo bem?
Amanda me olhava embasbacada, mas nada dizia além de, com certo ar de confusão, concordava com a cabeça.
— Não tem problemas você demostrar seus sentimentos por sua... – ele cerrava os olhos para olhar para Amanda – Companhia...
— Namorada, diretor – olhava sério para ele.
— Tudo bem, namorada – ele dizia rendendo-se – Mas o problema é que um aluno foi agredido. Amanda rasgou a sobrancelha dele e parte do lábio inferior. Por mais que ela tenha seus motivos, eu preciso ter respaldo para isso. E quando os pais desse garoto virem até mim?
— Que ele fale que mexeu com quem não devia – respondi, cruzando os braços – E se for o caso, eu que assumo a culpa se isso for pra não ocasionar problemas para a Amanda.
— O quê, Hǎi yún? – Amanda perguntava apática, sem entender exatamente o que acontecia ali.
E segurei sua mão, com firmeza. Ela olhava confusa, mas ao cruzar seu olhar com o meu, voltou a olhar para o diretor.
— Eu não vou expulsar você, Amanda – ele se apoiava na mesa, aproximando-se de nós – Já deixei claro que você é uma das nossas melhores alunas, e já tive a conversa com membros da classe de vocês que deixou evidente que quem puxou a briga foi o Lucas.
— E o que isso quer dizer?
— Que eu o suspendi – o diretor se levantou, gesticulando para que fizéssemos o mesmo – E que vocês estão liberadas.
— Obrigada, diretor – Amanda voltava a sorrir, e esticava seu braço para o cumprimentar – Desculpe pelo ocorrido.
— Hǎi yún – ele voltava a me olhar, sério – Se você tivesse metade dessa motivação para estudar, nem precisaria se preocupar com provas.
— Mas eu já não me preocupo – sorria ironicamente enquanto o cumprimentava – Eu agradeço pelo tempo estimado, diretor.
— Só tomem cuidado, tudo bem? – ele disse ao fechar a porta.
Quando saímos, caminhando para a saída, Amanda parou ao meu lado e segurando minha mão, perguntou:
— Hǎi yún?
Suas bochechas estavam parcialmente vermelhas, e ela encarava o chão timidamente, antes de voltar a me olhar.
— Eu sou sua namorada?
Olhei atenta para ela, que me olhava curiosa, segurando minhas mãos.
— Eu...
— E aí, Amanda – Luiza e Silvio vinham atrás de nós, assim como outros conhecidos de turma – Não foi expulsa não, né?
— Não, deu tudo certo.
— Me conta o que aconteceu – Luiza dizia pulando em seu pescoço – Cada pessoa diz uma versão diferente.
Ela estava entre seus amigos. Suspirei e sai caminhando para fora.
— Hǎi yún, me espera... – Amanda dizia, tentando se desvencilhar dos demais.
— Não se preocupa, nos falamos depois – respondi com um meio sorriso, e voltei caminhando para casa, sozinha.
Fim do capítulo
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Marta Andrade dos Santos
Em: 09/09/2021
Nossa mundo medíocre esse .
Resposta do autor:
infelizmente é uma realidade que ainda vivemos... :(
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