HERA

Duas batidas na porta interromperam minha leitura. Os arquivos que meu pai conseguiu trazer da família da Lorena até aqui falam mais do Mário do que de Lisandra, as únicas coisas relevantes sobre a mãe da Lorena é a árvore genealógica datando do ano de 1800 D.C. e as certidões de nascimento de todos os filhos que ela teve com Mário. Com exceção da certidão de Lorena, as outras são autênticas. Igor leu tudo, ainda assim preferi conferir todas as informações com meus próprios olhos e passei as últimas três horas lendo arquivos velhos. Não quero arriscar que algo passe despercebido.

- Estão todos aqui. - Igor entrou e fechou a porta assim que acenei com a cabeça.

Queria mais alguns segundos antes de ir, mas a reunião que tenho não pode ser adiada, então joguei dentro da caixa de papelão os arquivos lidos e deixei uma pilha dos outros em cima da mesa.

- Está preocupada, nunca te vi assim. - Ele se sentou no sofá no canto do escritório emprestado por Luís para que eu usasse, e cruzou as pernas na altura do joelho.

- E tem como não estar? - Ele dá de ombros.

- Para de se preocupar tanto, daqui a pouco consigo ver a fumaça saindo da sua cabeça. - Ele suspira quando não respondo. - Ela está segura com a gente, ninguém vai chegar perto dela com a tropa que você arrumou.

- Não é só isso.

- O que é então?

- O pai da Lorena é um vampiro, e um vampiro próximo do rei dos vampiros. - Igor assobiou, mania irritante que não me lembro de quando adquiriu.

- O pai...

- Não, ainda não encontrei ele hoje, mas vou contar quando chegar em casa.

- Isso complica um pouco as coisas. Será que se ele souber que tem uma filha, quer dizer, isso se ele já não souber, vai querer vir buscá-la? - Ele se levantou da poltrona e se serviu com um copo descartável de café. O cheiro delicioso chegou até mim fazendo minha boca aguar.

- Se ele já sabe sobre ela significa que ele nunca teve interesse, a questão é que, quando a notícia de que Lorena é uma híbrida se espalhar, por que isso vai se espalhar, e não sei como o informante ainda não gritou isso para os quatro cantos da terra... - Respiro fundo, contendo a raiva crescente. - Ele vai vir atrás da Lorena com boas intenções ou ruins? Confesso que tinha esperanças de que fosse um lycan, por isso insisti tanto em saber.

- Olhe pelo lado bom, pelo menos sabemos de todas as potenciais ameaças contra ela. Se você não tivesse insistido, provavelmente não saberíamos que o pai dela pode ser um provável interesseiro nos poderes da filha. - Igor caminha até a frente da mesa em que estou e se senta numa cadeira de frente para mim. - Mas, para falar a verdade, acho que ele não sabe dela. Como ele ia saber que a lycan que ele transou ia engravidar, ter o bebê, e a criança ia sobreviver? Nenhum nunca sobreviveu, se ele sabia da gravidez de Lisandra, deve ter pensado que Lorena morreu logo depois do parto.

-Isso não melhora as coisas, só prova que quando ele souber, ele vai vir atrás dela. - Igor fixa seu olhar nos arquivos próximos das minhas mãos. - São inimigos demais para lidar.

-Lorena é a salvação das espécies, podemos usar isso como chantagem contra os vampiros caso venham atrás dela, se querem garantir a sobrevivência da espécie e impedir a guerra, a condição é que não tentem matar Lorena e que não cheguem perto dela. - Nego com a cabeça.

- E quem disse que eles querem impedir a guerra? Pelo que sabemos só as bruxas querem paz.

- Ainda não sabemos a posição dos vampiros nisso, talvez eles também...

- Quando eles souberem que uma híbrida deles está conosco, o que farão? Sabemos que os vampiros protegem suas mulheres tão bem quanto a gente, e se não quiserem Lorena para proteger como uma deles, vão querer os poderes dela. Essas são as opções se não quiserem matá-la. - Igor aproveitou o momento para bebericar o café. - Isso sem envolver o pai dela, porque quando ele souber, é capaz de liderar sozinho para vir buscá-la. - Os vampiros têm tanto cuidado com suas mulheres quanto os lycans. Embora sejam duas espécies diferentes, ambas protegem as mulheres ao extremo, e com os vampiros isso é mais rígido pois a espécie deles vem diminuindo desde muito tempo atrás. As vampiras raramente sobrevivem aos partos, e quando vivem, os bebês morrem. Vampiras são vistas com raridade porque são escondidas e muito bem protegidas para dar continuidade na espécie, são vistas como procriadoras, por isso são valiosas para os vampiros.

Dei a volta da mesa e tirei a camisa social. Pensar em todos esses problemas me deu calor. Sem paciência para mais conversa, Igor saiu comigo para a reunião. Fomos para a sala de conferências em outro andar do prédio no Centro Empresarial, onde uma equipe me esperava.

A sala não é tão grande quanto o salão em que reunimos as equipes, mas não me incomodei com isso, apesar de pequena é própria para a preparação de ataques com equipes específicas menores. Cumprimentei a equipe de trinta seguranças com um aceno de cabeça ao entrar e segui para o centro da sala, onde havia uma mesa redonda grande com um mapa da floresta e do condomínio, sinalizando o acampamento dos inimigos que descobrimos no último ataque.

- Escolhi vocês porque são as pessoas mais preparadas para isso. - Ao redor da mesa se juntaram cinco integrantes da Alcateia Suprema que ordenei que viessem para cá com Miguel (Que hoje troquei o posto de estar com Lorena para estar comigo) e mais vinte e cinco seguranças indicados por Luís. - Não sabemos quantos inimigos terão no acampamento, mas sabemos que mesmo que vampiros sejam a minoria eles são o nosso maior problema. Somente dois de vocês vai estar transformado até chegar ao acampamento, quando invadirmos e a bagunça começar todos tem permissão para se transformar, mas o objetivo é encontrar o líder, só matem se vocês tiverem certeza que é só mais um peão. - Todos concordam com a cabeça. - Miguel e eu seguiremos na forma humana para tentar encontrar o líder, se é que ele vai estar lá, se por acaso ele não estiver Miguel dará um sinal, depois do sinal vocês tem permissão para matar todos com exceção de três, um lycan, um vampiro e um bruxo, que queremos interrogar. - Mais um aceno de cabeça. - Quando cercarmos o acampamento vamos somente observar por um tempo, para saber o comportamento deles, Miguel dará outro sinal quando for para avançar, esperem o sinal, entenderam? - Mais acenos de cabeça.

- Estamos em trinta pessoas, dividi vocês em três grupos. Quando chegarmos lá o grupo três não avançará nem com o sinal, o grupo três vai ficar responsável de avaliar o perímetro para não sermos surpreendidos, se o grupo três ver qualquer coisa suspeita deve nos avisar, queremos evitar baixas. - Olho cada um para enfatizar minha ordem. - O grupo dois e o grupo um vai avançar ao sinal, e enquanto o grupo dois fica responsável pelas barracas montadas no acampamento, o grupo um seguirá comigo e Miguel para o centro do acampamento para procurar um possível líder, entenderam? Miguel vai passar para vocês as divisões dos grupos, então se preparem, durmam, descansem, porque sairemos ao amanhecer de amanhã, os vampiros estarão entocados nas barracas. Alguma dúvida? - Silêncio. - Ótimo. Dispensados.

A sala se esvaziou, restando somente Miguel e Igor comigo.

- Igor, você sabe o que vai precisar fazer certo? - O encaro.

- Perfeitamente. - Ele sorri.

- Certo. - Me preparei para voltar ao escritório quando a porta dupla da sala se abriu e Matheus e o Supremo surgiram com uma renca de Guardas Reais logo atrás. Luís tem estado quase o tempo todo comigo, mas hoje, ele tinha assuntos para resolver com meu pai e estranhei não vê-lo junto. Lucas está ferido desde o ataque, por isso Luís passou a cuidar da alcateia a partir de então. Foi identificado pelo laboratório da alcateia que tinha uma substância desconhecida na faca que usaram para ferir Lucas. Essa substância não é conhecida por nós e nesse momento nossos melhores pesquisadores a estudam. Até termos um resultado acreditamos que Lucas vai continuar afastado, já que ele não apresenta melhoras.

- Como estão as coisas? - Meu pai me olha.

- Vamos atacar ao amanhecer, vão estar mais despreocupados. - Ele concorda com a cabeça. - Sobre a sondagem que Miranda fez na Lorena, temos certeza, o pai dela é um vampiro, e um vampiro próximo do rei. - Ele arrasta uma cadeira do canto da sala para perto da mesa e se senta, pensativo.

- Andei pensando nessa possibilidade... Talvez Mário saiba quem é o pai da Lorena e talvez não a tivesse matado por saber quem ele é e do que ele é capaz. - Já tinha considerado essa possibilidade, mas não comentei.

- Acho difícil, mas não é impossível, sinceramente, duvido que Mário teve medo dele, acho que se ele sabia só quis evitar um confronto.

- É o que pensei, de qualquer forma, temos outro problema para lidar agora. - Os Guardas Reais se espalharam pela sala de conferência olhando as janelas e portas. - O Fundador Sanguinetti está vindo para essa alcateia, como não pudemos comparecer ao evento que costumam fazer todos os anos, estão vindo para cá para um jantar privado conosco, e não duvido nada que queiram conhecer a Lorena. - Apertei os dentes sentindo meu corpo esquentar.

- Diga para não virem, estamos à beira de uma guerra nesse país. Na Alcateia Suprema as coisas estão mais tranquilas, mas aqui não é assim.

- Pensei em fazer isso, mas levantaria suspeitas, pensariam que estamos literalmente os impedindo de conhecerem Lorena. A notícia da sua união com ela já se espalhou para o mundo todo, e estão estranhando que não teve e nem vai ter uma cerimônia para comemorar, estão curiosos. - Massageei a têmpora, sentindo o restante da paciência que me restava se esvair. Normalmente, sou uma pessoa paciente, com qualquer coisa, no entanto, os aristocratas conseguem fazê-la sumir num piscar de olhos. - Precisamos saber o que a família da Lorena acha disso, até agora eles não entraram em contato comigo, mas as outras famílias Fundadoras e aristocratas mandaram e-mails desejando felicitações, já a família dela está em silêncio, e para mim isso quer dizer alguma coisa.

- Está na hora de mandarmos alguém para lá. - Ele concorda.

- Eu vou. - Matheus se pronuncia e o olhamos. - Vocês sabem que sou a pessoa mais adequada para ir e a única disponível que vai conseguir descobrir alguma coisa sobre eles. - Ficamos em silêncio pensando na possibilidade. Matheus tem habilidades que o permitirão saber tudo o que a família da Lorena planeja somente ao chegar perto deles. Não queremos envolver outras pessoas, quanto menos pessoas souberem sobre a Lorena, melhor. Por isso, mandar Matheus é o mais adequado.

- Por mim tudo bem. - Olhamos para o Supremo, esperando a permissão. Ele pensa por um tempo.

- Tenha cuidado Matheus, a família da Lorena respeita a nossa somente por causa do meu título, isso não os impede de tentar te matar pelas mãos de outras pessoas. Vamos mandar um grupo para te escoltar o tempo todo. - Nosso pai o encarou e sustentou o olhar.

- Posso mandar com você oito dos doze que chegaram da Alcateia Suprema, são os melhores em combate e para investigar também. - O asseguro.

- Tenho permissão para matar se me atacarem? - Matheus pergunta e o Supremo confirma com a cabeça. Mesmo fazendo parte da Família Real, também somos punidos de acordo com as leis se matarmos ou ferirmos alguém, principalmente se for da aristocracia ou um integrante de uma Família Fundadora.

- Sim. - Seguiu-se uns segundos de silêncio e Igor pigarreou.

- Sei que ninguém quer tocar no assunto, mas, só eu acho que depois de resolvermos essa questão da guerra, teremos que dar um jeito na família da Lorena? Essa birra deles já faz muito tempo e acho que está na hora de mostrarmos para eles por que somos a Família Real. - Concordei com Igor sem pensar duas vezes.

- Família Fundadora ou não, eles precisam ser colocados no lugar deles, se forem uma ameaça para nossa família, e para Lorena, precisam ser… - Penso com cuidado na palavra que descreve sem violência o que quero dizer. - Corrigidos.

Um sorriso despontou nos lábios do Supremo.

- Eduquei vocês bem.

Fim do capítulo