Posso segurar você?
Amanda chegou pontualmente no horário marcado. Estava quente, mas ainda assim, ela parecia resplandecente, mesmo com a aparência mais despojada. Meu pai não estava em casa, porém minha mãe, que se arrumava, viu que estava de saída.
— Vai almoçar na casa de Jude? – disse ela, trocando um dos brincos.
— Não.
Isso chamou a atenção dela, que virou e me olhou.
— E de quem então?
— É... bem... – olhava para os lados – É de...uma colega de escola.
Eu era uma péssima mentirosa, principalmente no que se dizia respeito a minha mãe. Atrelava-me a ideia de que era uma verdade mal contada, porém ela nada fez além de olhar de volta para o espelho e se arrumar.
— Cuidado.
Concordei com a cabeça e segui para fora, onde Amanda me esperava.
— Vamos?
Subi em sua bicicleta e, sentindo o toque de seus braços cobrindo e me guiando para o caminho que nos levaria ao almoço. Não tinha andado por aquelas redondezas notavelmente distante de onde eu morava, mas assim que eu vi Amanda cumprimentando a alguns transeuntes na rua, soube que estávamos perto de sua casa.
Era um bairro periférico, mas predominantemente familiar, com construções dividindo um curto espaço em dois andares a mais. O barulho de música dos mais diversos estilos se misturava entre si, assim como crianças correndo brincando de bola, ou empinando pipa e, em determinado período, de uma casa de dois andares, paramos na frente.
— Moro aqui, nos altos na verdade – na parte de baixo, parecia ser um pequeno comércio. Ela abriu o portão e, segurando a bicicleta nos braços, subiu a escada de concreto que dava no andar em que era sua casa.
Quando entrei, ao tirar os sapatos e analisar a casa, vi que algo era diferente ali. A decoração, modesta, continha uma simplicidade delicada e não foi de se estranhar o altar para seus santos de devoção. Era diferente de todos os lugares a qual frequentei, e o melhor adjetivo para se dar a aquele espaço era que ele era acolhedor.
Amanda, ao colocar sua bicicleta encostada na parede, parecia ser tomada de timidez por mostrar sua casa e principalmente pelo barulho que vinha da parte externa do lugar.
— Está ouvindo isso? – ela perguntou, seguido de um grito estridente e uma risada alta – É o que nos espera.
— Bem... – disse, levantando uma das sobrancelhas – Parece ser divertido.
Segui ela, que dava passos lentos, e fui ao encontro de onde estava vindo o barulho. Um homem de barriga saliente, calvo e sem camisa estava bebendo cerveja junto a uma senhora de cabelo longo, preso que ria junto a ele. André, seu irmão que logo reconheci, também estava sem camisa, com ela estando no seu ombro, mexia na carne da churrasqueira ouvindo música brega em uma caixa improvisada de som. Era a família a qual ela tanto falava com brilho nos olhos.
O homem que estava bebendo, ao nos ver, deu um largo sorriso, que logo reconheci ser o mesmo que Amanda costumava dar e, com dificuldade, ele se levantou, apoiando-se na cadeira.
— Olha só quem apareceu – ele andava trôpego em nossa direção, vindo segurar no braço de Amanda, que era mais alta que ele – É a moça que veio comer com a gente?
— Ela mesmo – ela ria desconfiada, e olhava para baixo. André ao me ver, acenou de volta, receptivo.
— Pois não se acanhe – ele veio até mim e, ao dar um tapinha no meu ombro, me levou até a mesa aonde eles estavam.
— Qual o seu nome, minha filha? – perguntou a mãe da Amanda, vindo até mim para me dar um abraço, o qual retrai no mesmo instante.
— Hǎi yún.
— O quê? – o pai dela perguntou, cerrando as sobrancelhas.
— Hǎi yún.
— Você bebe, Darium? – o pai de Amanda dizia enquanto bebia sua latinha de cerveja, gesticulando com ela para mim.
— É Hǎi yún, pai – Amanda o corrigia sem parecer grosseira.
— Quem colocou um nome tão difícil em você? – a mãe dela dizia sem rodeios, o que me fazia rir.
— Foi meu pai.
— E tem algum significado? – o pai dela perguntava.
— Traduzindo para português, seria algo como ondas do mar. Tem muito significado para meu pai, ele que fez questão que fosse esse nome... – dei com os ombros.
— Você não quer uma cerveja? – André disse olhando por entre o ombro.
— Não vamos oferecer qualquer coisa pra visita – ele dizia repreendendo com o mesmo tom divertido de antes – Você gosta de uma cachacinha? Amanda – ele apontava para ela – Traz aquela que sua tia Antônia trouxe pra nós.
— Não gosto muito, senhor – respondia rindo da cena cômica entre eles – Eu bebo mais vinho.
— Então, Amanda – ele puxou a carteira e deu uma nota para Amanda – Vá comprar um vinho pra moça.
— Não precisa, senhor eu...
— Já volto – Amanda apontou e, colocando o dinheiro no bolso, saiu em retirada de volta à sala, deixando-me com seus pais e irmão.
— Você é japonesa? – a mãe dela perguntava enquanto servia carne no prato, colocando no meio da mesa.
— Não, chinesa.
— De que parte de lá? – perguntava André.
— Hubei.
— É cada nome difícil... – o pai dela coçava o queixo, pensativo, colocando a latinha de volta na mesa – Mas você é de lá ou só seus pais?
— Eu vim para cá criança, não lembro de quase nada de lá.
— E como foi pro seus pais virem para cá? – o pai dela perguntava, curioso, cruzando os braços para me olhar com atenção.
— Minha mãe estudou um tempo na universidade daqui, mas voltou para China por conta dos meus avós e nesse meio tempo, conheceu meu pai e como ela tinha vontade de voltar e meu pai de montar um negócio, eles vieram para cá...
— Então seus pais tem um negócio aqui? – o pai dela questionava.
— É mais do meu pai do que da minha mãe. Minha mãe passa maior parte do tempo na universidade mesmo.
— Ela faz o que lá? – perguntava a mãe de Amanda, bebendo.
— Ela ministra aulas.
— Olha, Arnaldo, igual ao que a Amandinha vai fazer – ela o empurrava devagar pelo ombro, sorrindo.
— É, você sabia que nossa Amanda vai ser uma doutora?
O sorriso tão genuíno dele me incomodava. O jeito que eles se olhavam, e que riam consigo me deixavam desconfortável e, hesitante, segurando minhas mãos uma com a outras, não consegui passar despercebida por eles.
— E você, o que vai fazer? Já que a Amandinha falou que vocês se conheceram no cursinho – o pai dela voltava a me olhar, mas antes que eu respondesse, vi um cálice de vinho em minha direção.
Levantei o olhar e vi Amanda atrás de mim, com seu sorriso amigável.
— O que eu perdi? – perguntou ela ao sentar do meu lado.
— A moça é uma pessoa muito chique – a mãe dela concordava com a cabeça – Se soubesse que você traria alguém tão importante, Amanda, eu teria trocado a toalha de mesa para que eu usei no meu casamento.
— Amanda concordava com a cabeça, pegando a comida da mesa e eu comecei a beber.
— É muita chiqueza pro meu gosto – André dizia limpando as mãos – Vamos almoçar.
O incômodo persistia na minha garganta. Eles riam, se abraçavam, ouviam música alto e não se importavam com modos na mesa, mas não era isso que me incomodava na verdade e, quanto mais eu bebia, mais tinha certeza de que aquele era um lar onde as pessoas verdadeiramente se amavam. Eu nunca tinha tido contato com uma família que se apoiassem por além das aparências.
No pouco contato com seus pais, vi que ela puxara a doçura e o ar puro de sua mãe que, além de cuidar da casa e ter criado dois filhos, ajudava o marido com o que podia e como podia, sem contar o serviço comunitário que fazia pela paróquia que frequentava e, complementando seu lado doce, tem o lado forte e brincalhão que puxou do seu pai, comunicativo e acima de tudo, presente para a família acima de tudo.
Tais características haviam sido herdadas pelos dois, já que André, uma figura silenciosa como Amanda, compartilhava com ela a cumplicidade que só pessoas muito próximas tinham, que era de apenas poucas palavras ou um olhar, já diziam tudo.
Olhava para as fotos da família que ficavam ao lado da televisão e, segurando o porta-retrato que tinha a foto de Amanda bebê sendo segurada pelo irmão criança, faltando os dentes da frente quando, ao olhar para eles atirando o guardanapo um no outro rindo, tive a convicção de tudo que pensava.
Amanda veio até mim e, com a bochecha levemente corada, perguntou se eu não queria ir para o quarto dela. Concordei com a cabeça e fomos até lá.
Era exatamente como eu imaginava. Ele tinha a cor azul escuro e tinha uma cama de solteiro com a armação de madeira, que tinha vários terços presos nele. Tinha também a janela que dava para a rua e, do lado oposto da cama, sua mesa improvisada de estudos, lotada de anotações e de canto, o rádio portátil que dizia gostar de ouvir música de noite nele.
Sentei na cama, balançando o copo de vinho entre as mãos.
— É a sua cara mesmo.
— Bagunçado?
— Não, é especial – voltei a caminhar pelo quarto, olhando as minúcias do mesmo e colocando o copo na mesa, peguei o rádio, tocando nos seus detalhes com a ponta dos dedos – É o seu companheiro de todas as noites?
— Ele mesmo – ela dizia, se apoiando de costas na janela – Gosto de não saber o que vem na sequência das programações.
Eu podia dizer que estava bêbada, mas a Amanda não seria o tipo de pessoa a qual escolheria mentir.
— Então você gosta de surpresas? – virei para Amanda, que olhava surpresa para mim.
— Bem... – ela pressionava os lábios – Acho que todos nós gostamos.
Caminhei até onde ela estava e, apoiando-me na sacada, olhei para a vista de sua rua.
— O que está achando do dia? – ela perguntava animosa.
— Melhor do que imaginava... – virei para olhá-la – Você deveria ir em casa qualquer dia.
— Eu? – ela ficou notavelmente nervosa, rindo ao morder os lábios – Sério?
— Claro, por que não?
— Seria...Legal, muito legal – ela estendeu a mão em direção ao quarto – Inclusive, pode ficar à vontade.
Há um problema quando você se envolve com alguém a esse ponto. Por mais que a presença da pessoa, o toque da mão na sua ou o beijo dela por um momento ou outro, chega um momento em que você, ao se ver sozinha com ela, lembra da oportunidade que teve de sentir seu toque ou seus lábios de forma mais intensa que habitual.
Isso significa que, diante naquela tarde quente no quarto da Amanda, algo notável em mim fervia junto, que pode ser visto em atos mais...audaciosos.
— Para fazer o que eu quiser?
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Sem comentários
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook: