Já se apaixonou por quem não deveria?
— Acho que você está indo muito bem, Nana.
Estava almoçando com Alan na folga dele. Ia pra terceira semana de sobriedade. Não que fosse tão fácil como parece ser...
— Alana, larga isso!
— Você não manda em mim!
— Você vai se machucar...Olha aí, tudo quebrado!
— Tenta me impedir então...Alan, me solta!
— Você acha?
— Meu Deus, eu odeio minha vida!
— Isso vai passar, eu te garanto...
— Eu quero morrer.
— Para de falar merd*, eu estou aqui contigo.
Ele abaixou o garfo, e balançou a cabeça.
— Acho sim.
Concordei com ele e voltamos a comer.
— Está até ficando mais em casa, o que aconteceu?
— Odeio ter que falar isso, mas acho que o Matheus tinha razão, eu preciso tirar um tempo pra mim.
— Em relação a...?
— Garotas, sair com duas ao mesmo tempo toma muito de mim.
— E decidiu o que fará? – ele perguntou olhando de relance, voltando a comer.
— Não, o que eu faço?
— Perguntou pra pessoa errada – ele deu um sorriso irônico – Não sou o melhor conselheiro pra você, mas...
— O quê?
— Acho que você sabe o que quer fazer, só está com receio.
— O que te faz achar isso? – perguntei, apontando o garfo para ele.
— Porque conheço você – Alan deu os ombros – Sabe o que fazer, mas sempre quer que alguém confirme o que você quer.
Olhei para os lados, e concordei com a cabeça, voltando a comer em silêncio. Alan olhou de soslaio, e quando terminei de comer, levantei-me.
— Eu já vou.
— Sei disso, até mais tarde.
*
Bati na porta uma vez, duas vezes, ninguém atendeu.
— Catarina?
Mais uma batida na porta.
— Sou eu, Catarina.
Mais uma vez, ninguém atendeu, até que eu entrei. Ela estava de cabeça baixa em meio a uma pilha grande de livros, seu computador e outra pilha de papéis.
— Catarina?
Quando ela levantou a cabeça, sua cara estava péssima. Parecia que ela estava há noites sem dormir ou sem conseguir descansar.
— O que aconteceu?
Ela balançou a cabeça, tentando se espertar.
— Alana?
— Eu tentei falar com você e não consegui, o que aconteceu?
Catarina se levantou, ajeitando os óculos.
— Alana, você não pode mais vir aqui.
A notícia pegou-me de surpresa, tanto quanto suas palavras.
— Como é? Mas por que?
— Fui chamada na ouvidoria – ela começou a empilhar os papéis – Desvio de ética, mais uma vez.
Ela pegou os papéis e voltou a andar na sala, e me levantei indo atrás dela.
— Como assim, Catarina? Explica o que aconteceu.
— Você quer mesmo saber o que aconteceu? – ela dizia de forma ríspida.
— É claro que eu quero.
Catarina parou, e virou para mim, tentando manter-se firme.
— Meu orientador achou minha conduta com alguém que está em análise inadequada, e queria me afastar do trabalho. Meu caso foi até a ouvidoria, mas eles concordaram em me manter se você fosse desligada do estudo.
— O quê? – disse em um tom indignado – Mas isso não faz sentido, não tem nada a ver.
— Alana, esse é um mundo dominado por homens velhos e heteros, eu tenho que rezar na cartilha deles se quiser fazer alguma coisa.
— Agora você vai ter que se submeter ao que não quer?
— Alana, essa pesquisa vale muito para mim – ela voltou a virar para mim – É minha porta de entrada para coisas maiores.
— E isso significa não me ver mais?
Catarina hesitou, respirando fundo.
— As coisas não são tão simples como eu gostaria que fosse.
— Isso não responde minha pergunta, Catarina.
Ela mordeu os lábios, hesitando mais uma vez.
— Eu não quero ter que responde-la.
E se virou novamente, caminhando. Ela parou em frente a uma mesa e começou a separar os papéis.
— Então é isso?
Ela não respondeu nada. Minhas mãos começaram a tremer, e minha voz ficar embargada.
— É só isso?
Catarina parou de mexer nos papeis, e colocou as mãos na mesa.
— Eu não posso permitir que todo esse processo químico que ocorre em meu corpo seja maior do que a racionalidade.
E me olhou de soslaio.
— Isso não me diferenciaria de um viciado qualquer.
Pressionei os lábios, sentindo que as lágrimas iriam descer.
— É, você tem razão – disse, tentando segurar as lágrimas que desciam do meu rosto – Meu problema é esquecer que as coisas sempre terão um fim.
— Alana, espera...
Já tinha ouvido isso outras vezes. Andei pela sala a passos rápidos, e coloquei o embrulho em cima da mesa.
— A propósito, isso era pra você.
E fechei a porta. Ainda caminhando rápido, com o coração acelerado e apertado, desci as escadas e liguei para Matheus.
— Matheus, me encontra no nosso ponto de encontro, pode ser?
*
— Eu falei que você ia se magoar, porr*, mas não precisava ser rápido assim.
— Eu odeio mulher – disse, tragando o cigarro – Não quero mais saber disso.
— Já ouvi isso da última vez.
Estávamos sentados nos fundos do mercadinho dos pais dele, onde costumávamos ficar no fim da tarde quando não tínhamos aula.
— E o que você quer fazer?
Comecei a me coçar enquanto ele falava, o que o fez olhar cerrado para mim.
— Eu não sei – voltei a tragar o cigarro – Tudo que eu mais queria era ir embora daqui.
— Seus problemas vão te seguir pra qualquer lugar, Alana – ele puxava o vape dele – Temos que resolver isso conosco.
— E o seu caso mal resolvido?
— Isso não diz respeito só a mim – ele disse em um tom sério – Você sabe disso.
— Sei bem – voltei a fumar, batendo o cigarro no joelho.
— E a Lavínia?
— Não acho que o que esteja acontecendo seja justo. Tenho que falar a real para ela.
— Você sabe que, por mais que gostamos de várias pessoas, sempre tem uma que gostamos mais.
— E você saberia me responder qual?
— Por que você não me responde?
Paramos de falar e nos entreolhamos. Ele começou a rir, e eu continuei séria.
— Vai se foder, Matheus.
*
A coceira permanecia, mas mesmo assim fui até a boate onde Lavínia trabalhava. Mônica, a atendente, olhou para mim de cima a baixo.
— Gata, coceira de pico?
— Como você sabe?
— Conheço bem essa vida – ela deu uma piscadinha para mim – Hoje a Lavínia não vem, pediu dispensa por esses dias.
— Por que?
— Alegou que não estava bem, como o patrão gosta dela, deu o tempo possível.
Mordi os lábios, com a ideia do Matheus tomando mais forma.
— Mônica?
— Sim, meu bem?
— Você já viu o rosto dela alguma vez?
— Já sim, querida, por quê?
— Como ela é?
— Bem diferente do que você imagina – ela deu um sorriso – Mas você veio só vê-la?
— Era...Obrigada, de qualquer forma.
— De nada, meu bem.
Acendi um cigarro e segui caminhando. Isso não faz sentido, por que as duas se ausentaram ao mesmo tempo? Que coincidência cretina, minha cabeça não parava de montar as mais variadas teorias em relação a isso, e nenhuma delas acabava bem.
Sentei em um dos bancos disponíveis, abaixando a cabeça e grunhindo baixo. Minha cabeça não parava por nenhum momento, e minha coceira pelo corpo piorava, assim como o suor frio. Não conseguia me manter em mim por nenhum momento.
— Alana, você só vai conseguir superar
quando se permitir chorar.
— Minha mãe disse que chorar é
pra gente fraca.
— A fraqueza é o primeiro sinal da
grandeza.
— Eu me odeio – murmurei grunhindo comigo mesmo – Odeio todo mundo também.
Olhei para a brasa do cigarro, batendo com ele no banco.
Peguei a ponta quente e empurrei contra minha pele.
No começo doeu, incomodou, mas depois veio o prazer. Aquilo não doía perto do que eu realmente sentia por detrás de tudo.
Não era só sobre garotas, ou pela família. A conjuntura toda era um ponto perfeito para o caos se desenrolar. O mínimo movimento era o suficiente para que degringolasse tudo que estava pronto para vir à tona.
Eu não deveria me envolver com ninguém, não era certo. Ninguém precisava de mim na vida, e a cada momento, isso se mostrava mais claro.
Nunca serei grande, e nunca serei nada.
Depois que a ferida se mostrou latente em minha pele, acendi e voltei a fumar novamente como se nada daquilo que passou na minha cabeça existisse. Assim a vida deveria seguir, até o seu fim, premeditado ou não.
Ao chegar em casa, vi que Alan não estava, então fui até o seu quarto e até o seu esconderijo. Sim, ali estava, pronto para ser consumido.
Peguei e ajeitei um tanto no cartão, e olhei para aquele conteúdo branco à minha frente.
Nada mais importava. No final das contas, nem mesmo eu importava mais.
Fim do capítulo
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