Só tem um jeito
— Realmente, por essa não esperava.
— Acha que minha vida é só farra e curtição?
Estávamos no restaurante onde Alan trabalhava. Já conhecia as pessoas de lá, então quando fui chegando, fui cumprimentando a todos.
— Sinceramente, não teria porquê pensar diferente – ela olhava para os lados – Esse lugar é lindo.
— Apareceu até em uma revista especializada. Tem o recorte da matéria lá em casa – disse, atravessando por entre as fileiras de mesas lotadas – E aí, Geraldo!
— Senhorita Alana – ele me cumprimentou com um aperto de mão – Há quanto tempo não te vejo aqui! Muito estudo?
— Um pouco – balancei a cabeça – E por aqui, muito trabalho?
— Sempre – ele deu os ombros, olhando para o lado e acenando para alguém – Aviso Alan que você está aqui?
— Sim, e que estou com companhia – apontei para Catarina.
— Uma bela companhia, diga-se de passagem – ele deu um sorriso cordial – Pode se sentar lá atrás que já vou com vocês.
Andamos até a mesa do fundo, que ficava ao lado do painel de vidro que dava visão para o lado de fora.
— Seu irmão trabalha aqui?
— Ele é o sous-chef daqui – disse com uma pitada de orgulho.
— O que significa?
— Ele seria a pessoa abaixo do chefe, como se fosse um coronel.
— Alguém da sua família serviu às Forças Armadas?
— Minha mãe é major.
Ela olhou para mim, surpresa.
— Sério?
— Sim, senhora – concordei com a cabeça – E a sua?
— Minha mãe é arteterapeuta – ela respondeu rindo – Seu pai também serve ao Exército?
— Não, meu pai trabalha em uma empresa. E os seu?
– Ele tem uma loja de antiguidades na nossa cidade, alegando que nunca quis seguir os preceitos sociais de ter um emprego comum, segundo o que ele mesmo diz – ela deu os ombros, rindo consigo mesmo.
— E como seus pais conseguiram criar uma nerd como você? – perguntei, acenando para Geraldo que logo veio até nós – O da casa, por favor – e quando ele afastou-se, continuei – digo, para pais que parecem tão fora dos padrões, ser uma nerd certinha deve dar desgosto, não?
— Não muito – ela tentava conter a risada – conseguimos nos entender bem, mas...e você? Falando em tomar rumos diferentes, por que você e seus irmão não seguiram o caminho do pais de vocês?
— Alan não se encontrou no Exército e nem na empresa, então resolveu fazer o que sempre gostou que é cozinhar. Já eu sempre gostei da parte da solidão e do desespero que o pensamento te traz...
Alan vinha em nossa direção, e levantei para o cumprimentar, mas sem antes dele olhar em direção a Catarina.
— Esse é o Alan, que tanto falo.
— Espero que bem – ele estendeu a mão para Catarina.
— Um prazer te conhecer, Alan – ela se levantou para cumprimenta-lo – O restaurante é lindo.
— Espero que te conquiste pela comida também – ele deu um sorriso amigável – Até mais tarde Alana, e um prazer conhecer você também, Catarina.
Voltamos a nos sentar, enquanto Alan voltava para o serviço.
— Vocês se parecem bastante mesmo.
— Nem dá pra mentir que não somos irmãos.
Não demorou para que chegasse o prato principal que, logo que foi servido, fez Catarina suspirar alto.
— Gente, isso está divino! – ela exclamou, voltando a comer.
— Espere só até chegar a sobremesa.
Terminamos de comer, e logo veio a sobremesa, o que a fez exclamar alto mais uma vez.
— Seu irmão tem mãos mágicas, Alana.
— Não só ele – dei um sorriso sarcástico e voltei a comer o mousse de limão, enquanto a via ficando constrangido.
— Precisava realmente dessa informação? – ela tentava disfarçar sua vergonha, mas apenas ri.
Ao terminarmos, fui até a recepção do lugar pagar e quando ela fez menção para pegar a carteira, toquei em sua mão.
— Eu faço questão.
— Não precisa, eu pago minha parte.
— Eu tenho desconto aqui, e da próxima você paga.
Ela sorriu e soltou a mão da carteira.
— Tudo bem.
Saímos de lá caminhando, aproveitando o frio que começava a se formar na parte de fora.
— Obrigada pelo jantar de hoje.
— Não tem de quê.
Caminhamos por um pequeno trajeto, até que percebi que ela ria consigo mesmo.
— O que foi? – perguntei, com um sorriso de canto.
— Você sempre faz isso com as pessoas?
— O quê?
— Tenta conquista-las pela boca.
— Acha que estou tentando conquistar você?
Ela deu um sorriso tímido, e mordeu os lábios.
— Diga-me você se sim.
Enfiei as mãos no bolso, parando e virando em sua direção.
— O que acontece se a resposta for sim?
Catarina deu um passo à minha frente, cruzando os braços.
— Perguntaria o por que eu deveria dar a chance de você, uma toxicodependente teimosa e cheia de demônios internos entrar na minha vida.
Mordi os lábios, dando os ombros, encarando-a.
— Eu responderia que eu realmente não tenho bons atributos – comecei a enumerar com os dedos – Eu sou teimosa, respondona, irresponsável, boa parte dos dias estou bêbada ou drogada ou os dois e vivo uma vida imoral, mas em compensação eu estou tentando mudar isso, por mim.
— E isso seria motivos para eu te dar uma chance?
Olhei para os lados, e dei um sorriso tímido.
— Sim.
— E por que você a quer? Você quer ficar comigo pelo desafio de conquistar alguém, pra tentar suprir sua lacuna emocional ou por que realmente está criando um afeto por mim?
Respirei fundo, arqueando uma das sobrancelhas tentando pensar no que ela tinha dito, porém ela suspirou e deu os ombros.
— Entende agora por que ainda não é o momento?
Seu olhar me intimidava, e enquanto estava confusa, imersa naqueles pensamentos que ela trouxe à tona, Catarina colocou uma das suas mãos em meu rosto e o beijou.
— Sabe onde me encontrar quando tiver a resposta.
Ela foi se afastando de mim e caminhando sozinha. Questionei-me como ela conseguia me desarmar com poucas palavras e, enquanto recuperava o fôlego do que tinha acabado de ser perguntado a mim, meu telefone tocou.
— Oi, Matheus.
— Onde está você? Esqueceu do nosso trabalho?
— Desculpe, eu só...Eu já estou indo.
*
— Meu bem, você parece estar longe.
— Desculpe, dona, é que...
— Sabe que odeio que me chame assim.
— Foi mal.
Suspirei fundo, acendendo um cigarro. Ela estava de costas para mim, vestindo-se. Olhei por detrás dos ombros e ela encarava o vão do corredor que saía do quarto para a sala de sua casa.
— Sua cabeça não estava aqui em nenhum momento, Alana.
— Anda acontecendo algumas coisas...
— Nada que gostaria de compartilhar com uma velha amiga?
— Não é nada demais – disse, enquanto tragava o cigarro.
— Mas você está diferente, alguma coisa aconteceu.
— Como sabe?
Ela veio até mim, passando os braços pelos meus ombros.
— Alana, meu bem, sou um pouco mais vivida que você.
— Estou tentando me limpar, só isso.
— E como está indo?
— Estou há uma semana e meia limpa até de álcool. Estou tentando comer mais e melhor, corro de noite, anda me ajudando muto ocupar a cabeça.
— Fico feliz que esteja tomando esse rumo, mas fico triste por uma coisa – ela continuou dizendo perto ao meu ouvido.
— Com o quê?
— Se você resolver ficar com essa garota, não virá mais me procurar.
Olhei para ela de relance, que riu.
— Como te disse, sou um pouco mais experiente que você – e deu um tapinha em meus ombros, se levantando – O dinheiro está na escrivaninha, vou tomar banho.
Suspirei fundo, deixando o cigarro em meus lábios enquanto me vestia. Levantei-me, peguei e dinheiro e saí sem me despedir.
Desde que Catarina tinha feito aquela pergunta, não sabia a resposta dela, e uma pergunta levou a outra, que levou a várias e vi que na minha vida, até mesmo as minhas maiores certezas eram incertas.
Eu tinha certeza de que gostava de ficar loucona, de ficar com várias garotas e de comer. Eu ainda tinha certeza de que gostava de comer e de garotas, mas não sei se eu gostaria de tantas assim e não tenho mais certeza de que eu gosto de ficar louca.
A sensação de torpor que as drogas te proporcionam é indescritível, mas me vi encurralada em um ponto de que se houvesse um abismo, eu me jogaria nele ou recuaria, e nesse momento, vi que teria de recuar.
As coisas não são divertidas como se é quando você está chapada o tempo inteiro. Isso uma hora vai embora e a dor que isso perpetua nas pessoas próximas a você é desagradável, te deprime, te joga para baixo e mais uma vez, em vez de você ir para cima, você se afunda mais pensando que está ficando tudo bem.
E os demônios internos permanecem, se intensificam. Você se vê perdido, e depois vê que você não está tão sozinho assim. Ainda há pessoas que se importam com você e que permanecem até mesmo quando você desistiu de si mesmo.
Agora, a pergunta continuava sem resposta, por mais que eu quisesse tê-la. Quanto mais eu debulhava isso, menos eu sabia.
Eu podia querê-la pelas três coisas, mas uma delas seria a principal. Catarina era bonita, simpática e tinha um sorriso lindo que fazia com que eu esquecesse o fato de que ela séria, cautelosa e por muitas vezes, autoritária.
Lavínia me desconcertava pelo seu toque, pelas suas palavras, seu cheiro, sua voz, e adorava ter o controle. Eu queria tê-la em meus braços e deixar tudo que eu sentisse dar voz, mas e se fosse só isso?
A conquista, a lacuna ou o afeto?
Ao parar no meio do caminho, apagando um cigarro, percebi que não podia continuar se o quebra-cabeça ainda faltava peças. E uma delas, era a principal.
Suspirei fundo e acendi outro cigarro, iria precisar. Peguei o telefone e fiz uma ligação.
— Alô, mãe? Sou eu, a Alana.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Sem comentários
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook: