Tudo o que ela disse
No primeiro dia foi difícil. Eu queria fazer alguma coisa em relação a isso, mas me mantinha firme no que queria. Amanda havia me ligado, mas não me sentia bem ainda para conversar sobre, por mais que eu quisesse ouvir sua voz. Concentrava-me na ideia de que tudo isso era como uma droga.
No segundo dia tornou-se ainda mais difícil. Eu via suas ligações de noite, e quando ia ligar de volta, eu desligava no mesmo instante. Quando não ficava na loja ficava a esmo por aí, caminhando. Não fui à livraria com medo de que, por alguma coincidência, Amanda me visse lá.
No terceiro dia, foi quase insustentável. Eu queria fazer alguma coisa, o mais rápido possível, mas minha cabeça havia me convencido de que tudo que eu fizesse estava errado. Até as músicas do meu MP3 pareciam me machucar de propósito, com a seleção montada especialmente para lembrar do que tinha me deixado levar.
A prova de que sentir alguma coisa a mais estava errado foi posta na minha frente, e ainda assim no fundo eu queria que as coisas fossem diferentes. Eu me culpava pensando de que isso tinha acontecido porque eu não tinha nenhuma atitude e continuava a não ter nenhuma. Eu ficava parada vendo tudo passar, sentindo tudo me atingir, mas não conseguia fazer nada em relação a isso.
Eu não tinha o que fazer se não fosse acabar com tudo aquilo de uma vez e, por mais que na minha cabeça as coisas fossem de um jeito, a realidade parecia outra. Na realidade, o que eu deveria fazer era me afastar. Eu não ia conseguir lidar com o fato de sentar ao seu lado todo dia e dela, sabendo que elas têm alguma coisa de mais a qual não tinha percebido. Isso ia me doer muito, e se doía só de imaginar, não gostaria de pensar caso eu visse.
Sentia-me mal de saber que Luiza manipulou tudo isso em seu bel-prazer, tentando se afirmar de qualquer forma da maneira que lhe convém. Ela era repulsiva desde que ela tinha negado Jude na festa de Sofia, rindo de toda a situação, e sentia raiva de Amanda por achar que ela merecia isso em sua vida, sem perceber no que havia se metido.
Sentia raiva de imaginar ela nos braços de Luiza, uma pessoa falsa a qual não merecia ninguém ao seu lado, muito menos Amanda. Não conseguia imaginar Luiza falando sentimentos falsos para ela e ela, de sua forma pura e inocente, acreditando em cada palavra de sua manipulação que, a cada abraço, sorria de forma vitoriosa, usando Amanda como prêmio em suas conversas.
E sobretudo, sentia raiva de Amanda por ter me proporcionado um sentimento tão bom com seu abraço, com seu sorriso, com o cheiro do seu corpo, com seu olhar tímido, duvidoso por muitas vezes, com o toque de sua mão...
Sentia raiva por desejar tanto uma pessoa, e quando eu a via, não conseguia reagir de nenhuma forma. Ela me tirava as atitudes que eu não tinha, da mesma maneira que me fazia querer tomar atitudes que nunca teria.
Não iria consegui lidar com tudo isso e decidi que a melhor maneira era me afastando de forma permanente, e isso significava uma coisa:
— Eu quero trancar minha matrícula.
— Por que, senhorita HÇŽi yún? – dizia o diretor – Vai sair do país?
— Só não quero mais estudar aqui.
— Mas para fazer isso, teria que falar com seus pais...
— Já sou maior de idade – disse, enfática – Não tenho direito de trancar minha própria matrícula?
— De ter, tem, mas... – ele dizia, passando a mão na barba e me olhando – Já fui informado que você poderia desistir.
— Deixa eu adivinhar – dizia, rindo – Ordens do meu pai?
— Não posso fazer nada – ele deu com as mãos – O contrato daqui é fechado com ele. Qualquer quebra tem que ser ele o notificado.
— Só faltava essa... – dizia, pressionando os dedos entre minha sobrancelha – Então vou parar de vir, só isso.
— Aconteceu alguma coisa na sala para que você quisesse desistir? Podemos...
— Se o senhor não quer me ajudar, então deixa pra lá – disse indo para a porta.
— Senhorita HÇŽi yún...
Fechei a porta sem olhar para trás. Cerrava os dentes, indignada ao pensar que até nisso meu pai tinha poder de decisão por mim. Eu sequer podia desistir das coisas que ele estaria no meu encalço mostrando que as coisas não são assim e que são de como ele quer.
Caminhei com raiva, sem conseguir pensar em nada que não fosse o sentimento colérico que estava instaurado em mim. Até mesmo os meus passos eram pesados, e mal conseguia respirar por conta disso.
Ouvi passos rápidos vindo em minha direção, mas não virei para saber quem era.
— Sei que pediu para que eu te deixasse em paz, mas...
Eu sabia que era Amanda, e por conta disso não virei para olhá-la.
— Já te ajudei no que tinha que ajudar – meu tom era ríspido – Não tem do que se preocupar.
Os passos cessaram, e ouvi sua voz embargada atrás de mim.
— Por que você está fazendo isso?
Parei de andar, mas não olhei para trás, e respondi.
— Eu fui trancar minha matrícula, mas não consegui, só isso.
— O quê? – sua voz estava desacreditada – É sério?
Não disse nada, mas ouvi ela se aproximar de mim.
— Você me viu com a Luiza e ficou com raiva?
As palavras dela atravessaram meu peito, e eu lembrei da sensação que tive ao vê-las juntas.
— É por isso que não quer mais falar comigo?
Suas palavras mexeram em meu coração de uma forma que, por mais que tivesse fugido do que sentia por esses dias, isso acabava trazendo tudo à tona de uma vez.
Senti meu rosto ficar quente e uma lágrima descer seguida de outra, então virei para ela.
— Você vem com uma história de que temos que acreditar em nós mesmo e quando eu tento dar voz aos meus sentimentos, me decepciono profundamente – tentava dizer pausadamente já que o choro se tornava maior – Eu nunca vou ser aceita pelo que eu sou, Amanda.
— Temos que fazer isso por nós para nos aceitarmos do jeito que somos – ela tentava se aproximar de mim, mas eu só conseguia balançar a cabeça, rindo com sarcasmo.
— Ouvir meu coração? – meu tom de voz estava nervoso – Você não sabe o que está em jogo.
— Eu entendo isso mais do que imagina, HÇŽi yún – sua voz também estava embargada, emotiva.
— Como você entende isso, Amanda? – dizia, enxugando minhas lágrimas.
Amanda respirou fundo, e pude ver seus olhos marejados enquanto ela pressionava os lábios, até que disse:
— Porque eu gosto de você, HÇŽi yún. Eu estou apaixonada por ti de uma forma que não consigo mais esconder isso de você.
E por um instante, tudo parou. Não conseguia acreditar no que tinha acabado de ouvir e por alguns segundos, isso ficou se repetindo na minha cabeça.
Fim do capítulo
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