A realidade é cruel, não?
Quando acordei, vi que estava em um lugar diferente.
O lugar era quente, reconfortante e cheirava bem. Ao ver onde estava, vi que estava em uma cama com um grande edredom sob mim, me aquecendo.
Barulhos vinham de algum lugar. Olhei para os lados, e uma luz vinha de um abajur que estava no outro lado do quarto, sob uma escrivaninha com pilhas de papéis em cima e uma cadeira afastada ao lado. Minha cabeça estava pesada, e quando tentei me levantar, a senti girar, logo voltando para a cama.
Voltei a olhar para os lados, mas não tinha nenhuma foto que identificasse a pessoa que morava ali, e após isso, ouvi passos se aproximando do quarto. Pisquei os olhos algumas vezes ainda tentando me adaptar com a claridade, até que vi alguém empurrando a porta com os ombros, trazendo duas xícaras nas mãos.
Era Catarina.
Ela me olhou de relance, e colocou as xícaras na escrivaninha ao lado. Usava uma camiseta larga e gasta, o cabelo molhado e os óculos pesados, que se afastavam do seu rosto. Catarina sentou-se ao meu lado e encarou-me séria.
Estava grogue o suficiente para não consegui formular alguma palavra.
— O que eu te falei?
Balancei a cabeça e revirei os olhos, olhando para o lado.
— Eu não sou a dona da razão, mas sei reconhecer quando estou certa, diferente de você.
— O que aconteceu? – perguntei, sussurrando. Ainda estava fraca.
— Você teve uma overdose, só isso – ela pegou a xícara e colocou em minhas mãos – Pega.
— É sério? – disse, tentando me apoiar na parede e me apoiar.
— Sim, senhora – ela pegou a outra xícara e assoprou a fumaça que saía.
— Eu não lembro de nada, cara... – pressionei os olhos, com minha cabeça ainda girando.
— Você chegou na boate onde eu estava com uns amigos, parou no meio do salão e desmaiou – ela deu um gole e voltou a olhar para mim – E antes que a situação piorasse, pegamos você de lá e trouxemos.
Franzi o cenho e bebi o líquido, que tinha gosto de remédio. Fiz uma carte e voltei a balançar a cabeça.
— Que vergonha... – disse comigo mesmo – Eu só faço merd*.
— Você tem sorte de não ter convulsionado, Alana. Se não estaria no hospital uma hora dessa, ou até mesmo coisa pior – ela deu os ombros.
— E o que eu fiz?
— Se vomitou e desmaiou de novo – ela levantou uma das sobrancelhas e voltou a tomar o chá.
— Mas que merd* – a vergonha ficou resplandecente em meu rosto – Não acredito nisso.
Puxei o edredom para ver como estava, e tomei o choque inicial de ver que estava vestida com outra roupa e limpa. Olhei para a Catarina, que me olhou de forma como se tivesse acontecido algo óbvio.
Pressionei os lábios e abaixei o olhar, voltando a beber o chá amargo.
— Só fiz o que deveria ser feito – ela batia devagar a borda da xícara nos lábios – E não ia te deixar ficar suja e na minha cama.
— Desculpa – balancei a cabeça novamente, sentindo o enjoo voltar – Eu só faço bobagem.
Ela não respondeu nada, voltando a beber o chá quente. Olhei para o interior da xícara, tentando recobrar a linha de raciocínio da noite.
Eu tinha mandado Catarina se foder depois de uma tarde agradável, abandonei Matheus, que tanto pediu para que eu evitasse fazer o que fiz, fui até o trabalho de Lavínia e desmaiei, sendo socorrida de uma overdose pela garota que avisou que isso iria acontecer, e que eu mandei se foder rindo ainda.
Parecia que eu era fadada a afastar todos ao meu redor mesmo.
Senti o fio de lágrima descer do meu rosto e respingar direto no chá, assim como o outro que veio subsequente, e todos os outros. De repente, a mão de Catarina veio ao encontro da minha, afagando-a. Olhei para ela, que continuou olhando para baixo.
— Você precisa de ajuda, Alana.
E voltou a olhar para mim, então pressionei sua mão, continuando a deixar as lágrimas escaparem.
— Eu sei.
— Mas você precisa aceitar a sua própria ajuda.
Fiquei em silêncio, e ela continuou segurando minha mão até que terminou seu chá e se levantou.
— Termine seu chá, vai te ajudar e tente dormir um pouco.
Ela saiu pela porta, e eu terminei o chá, colocando de volta na escrivaninha. Recostei a cabeça no travesseiro, sentindo a vergonha moral pesar mais do que qualquer ressaca que eu tivesse tido, até que consegui voltar a dormir.
*
Quando acordei, já era de manhã. Podia ouvir os passarinhos cantando do lado de fora assim como a claridade que entrava pelas frestas da cortina. Levantei me sentindo bem melhor a ponto de que pude me levantar e, ainda meio trôpega, caminhar pela casa.
Era um pequeno apartamento, com uma cozinha acoplada com uma sala que não tinha televisão, apenas com uma estante de livros e umas pinturas colocadas ao lado, com uma dedicatória nelas endereçadas a Catarina. Abaixo das pinturas, havia um tapete com almofadas dispostas no chão. A pequena cozinha tinha uma mesa para duas pessoas, e um pano de prato cobria o conteúdo que tinha ali.
Levantei o pano e vi que ali tinha uma garrafa de café, leite e pão. Olhei para a geladeira e vi um recado pendurado nela.
Deixei café para você.
Quando sair, tranque a porta
e coloque a chave no vaso de
plantas.
C.
Arqueei as sobrancelhas e fui até a mesa, servindo meu café. Mesmo com um pouco de enjoo, estava com uma fome imensa. Depois que terminei o café e arrumei as coisas, procurei por minhas roupas, que estava em um saco perto da porta de saída, junto com minha carteira e meu telefone, que estava descarregado.
Lembrei que ela falou que morava perto da praça onde já a encontrei mais de uma vez e, após pegar minhas coisas e fechar a casa, colocando a chave no local indicado, desci as escadas e caminhei sem rumo específico, até encontrar um ponto de referência e voltar para a casa.
Quando cheguei em casa, não tinha ninguém. Fui até a parte de fora e coloquei minhas roupas para lavar, voltando para o meu quarto, me jogando na cama e indo dormir profundamente.
*
— Alana?
Abri os olhos e vi que era Alan.
— E aí.
— Por onde você estava? Fiquei preocupado, te liguei e você não atendeu.
— Quase morri, mas não foi dessa vez – me levantei, indo até ele, dando um tapa em seu ombro.
— O Matheus me ligou perguntando se você tinha voltado para a casa – ele disse logo atrás de mim – De quem são essas roupas?
— Uma garota me emprestou – disse, dando os ombros. A última coisa que ele podia saber foi o que aconteceu na noite anterior.
— Você está saindo com alguém?
— Nada demais, acho – fui até a geladeira e peguei água – Que horas são?
— Já é de noite, trouxe janta para você, está ali na mesa.
Fui até a mesa e me servi. Essa era uma dos ótimos benefícios de ter um chef de cozinha como irmão.
— Matheus falou com você? – disse enquanto comia.
— Sim, também estranhei.
Dei um sorriso contido.
— Vão fazer as pazes?
— Por mim, sim, por ele, não sei.
— Você não tem jeito, Alan – ri e voltei a comer.
*
— Pode entrar.
Caminhei pelo laboratório até encontra-la na frente do computador, em meio a papéis. Ela olhou de soslaio e voltou a digitar, até que olhou mais uma vez e virou a cadeira em minha direção.
Peguei o embrulho e coloquei em suas mãos.
— Espero que aceite meu pedido de desculpas.
Ela abriu o embrulho e deu um sorriso genuíno.
— Não precisava, Alana...
— Por favor, aceite.
Antes da aula havia passado na padaria e pedido uma fatia do bolo de morango para viagem. Ela colocou o bolo em cima da mesa e se levantou.
— “Desculpe por ter vomitado em você” – ela disse, lendo o papel que estava colado no embrulho – E uma carinha triste.
Ela continuou com o sorriso genuíno.
— O que foi? – perguntei, envergonhada.
— Esse é o pedido de desculpas mais fofo que recebi – disse ela, passando por mim – Vou pegar uma colher.
Quando ela voltou, me recostei na mesa. Ela pegou um pedaço e depois de fazer uma cara satisfatória, apontou com a colher para mim.
— Você não quer dividir isso comigo?
— Sério?
— Por que não? – ela voltou a dizer, colocando a colher em minha direção.
Sentei ao seu lado e dividimos o bolo. Vê-la comer o bolo animada me fez sorrir de alguma forma, e enquanto ela percebeu que eu a olhava, pressionou os lábios e com um sorriso contido, voltou a comer.
— O que foi?
— Ver você sorrindo assim é muito fofo.
Ela bateu a colher na mesa, a leves batidas, e voltou a comer, ainda sorrindo.
— Vai se foder, Alana – ela devolveu a colher para mim.
— Está aprendendo rápido – apontei com a colher para ela e voltei a comer, enquanto continuava a vendo sorrir.
Fim do capítulo
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