Capitulo 13 - Contra fatos, não há argumentos…
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Era sexta feira e eu tinha de um lado Ulisses me convocando para uma balada open e do outro Fernando me pressionando sobre o aniversário das gêmeas Nayane e Nataly que eu prometera ir. Para evitar chatear um deles acabei passando na festa das gêmeas e depois fugi para a balada que já estava maravilhosa pelas fotos que Uli me mandava. Fer me acompanhou, atraído pelo open bar e tudo aconteceu muito naturalmente e rápido demais.
— Bora dançar, solta essa cintura, garoto! — Ulisses abraçava o primo de Micaela roçando em sua cintura descaradamente e eu ria por dentro achando engraçado a forma como Fernando se esforçava.
— Eu tô tentando, mas essa música é muito rápida!
Eu achava fofo como ele sempre nos acompanhava nesses eventos, sem preconceito algum. Talvez por ter convivido com Micaela ele passou a entender mais a dor e sofrimento que muitos tinham ao viver sua sexualidade plenamente. Eu poderia dizer que ele era como um anjo da guarda para mim, estava sempre disposto a me ajudar no que eu precisasse. Foram tantas as vezes que ele me socorreu, seja para trocar um pneu, fosse para simplesmente deitar em seu colo e chorar pela madrugada chamando por ela. Eu tinha muito a agradecer ao Fer e poderia considerá-lo tranquilamente como meu melhor amigo.
— Fer, assim! — Eu puxei sua cintura e fiz um movimento que deixou ele claramente desconfortável. — Ahh, então quer dizer que comigo você trava e com Uli você se solta?
— Porr* Isa, você é mulher… E gostosa pra caralh*!
Ele deu um pequeno grito com o beliscão que dei em sua cintura. Atrevido!
— Tô zuando pô, mulher de prima minha pra mim é homem. — Sua gargalhada foi interrompida dessa vez pelo soco que Ulisses deu em seu ombro. Apesar de que meu amigo não faria nem cócegas ao troglodita do Fernando, mas fez algum efeito por que imediatamente ele passou a acariciar o braço e pedir desculpas olhando em minha direção. Eu permaneci quieta, talvez quieta demais… Por muito tempo naquela noite.
A balada foi ficando vazia e parada, mas no dia seguinte não tinha aula, as provas tinham acabado e ninguém iria trabalhar. Isso foi o suficiente para estendermos a festa para casa do Uli. Os pais tinham viajado para casa dos avós e meu amigo aproveitou para chamar um carinha que ele flertava abertamente na balada, ele prometeu que mais alguns amigos iriam e no final das contas estávamos somente nós quatro. Quando percebemos os gemidos nada discretos que os dois soltavam ao se beijarem nos entreolhamos e seguramos o riso, cientes de que estávamos sobrando ali, foi quando decidimos seguir para um bar lgbt no centro da cidade. Acho que Fernando era mais do que simpatizante, no fundo ele deveria ter alguma curiosidade em sua sexualidade, mas não admitia… E eu também não achava justo pressioná-lo, cada um no seu tempo. Encontramos alguns amigos de Ulisses e nos juntamos à eles e foi aí que tudo ficou confuso e estranho demais.
— Vira… Vira… Vira…
Eu sou muito inocente às vezes, como não percebi que começar a beber às oito da noite e ainda estar fazendo “vira” as quatro da manhã, não me faria bem? Só posso ser muito ingênua e a voz da Micaela me dizendo isso constantemente não me saía da cabeça. Me levantei possessa por não ter controle sobre minha própria consciência, aquele período de TPM (Tensão Pós Micaela), começava sempre nos meus períodos férteis. Puramente hormonal e puramente irritante.
— Vambora Fer?!
Saí sem nem olhar e só quando cheguei próxima ao carro percebi ele se despedindo de uma garota. Ele veio até mim um pouco agitado, mas eu estava bêbada demais ou egoísta demais para dizer alguma coisa… Mas ele fez questão de dizer.
— Caralh* Isabella! Você é muito egoísta às vezes, eu tava quase conseguindo o telefone dela… Porr*!
Ele fez um gesto em direção ao bar antes de entrar no carro e bater a porta com força. Confesso que fiquei meio estática com a forma como ele falou comigo, ele nunca fora grosso comigo e era sempre uma babá perfeita cuidando de mim e fazendo o que eu precisava, quando precisava. Sua explosão sincera e totalmente com razão me causou um mal estar maior ainda do que eu já estava. Entrei no carro com o rabo entre as pernas e me sentei em silêncio, mas logo pedi:
— Me perdoa?
Ele me olhou claramente arrependido por ter sido grosseiro. Estendeu a mão pra mim e nos desculpamos sem nada dizer. A escuridão do carro, minha carência latente, aqueles fios negros que me lembravam tanto ela. Porque não? Desconfio que ele tenha pensado a mesma coisa, por que no segundo seguinte estávamos nos beijando como dois desesperados, sem rumo ou prumo. Nossas bocas se trombavam, o volante pressionava minha costela, mas eu só pensava em afogar de uma vez aquela dor e saciar aquele tesão maluco que me perseguia mensalmente me tirando qualquer força de vontade de esquecê-la. Já tinha beijado outros homens, cis e trans… Mas nunca havia trans*do com um deles. Como seria? Nem tive tempo de questionar muito, aproveitando a rua deserta e a árvore gigante que nos cobria da luz de um poste da rua fomos para o banco de trás como dois rinocerontes, ou seja, nada sexy ou delicado. Ele tinha camisinha, felizmente! Quando o vi vir em minha direção ainda puxei o ar para dizer, quase desistindo… Acho melhor ficarmos só nos beijos! Mas ele estava afoito, tinha perdido uma noitada por minha causa e eu já tinha começado, não achei justo parar e estava bastante curiosa sobre como seria um sex* hétero.
— Eu nunca fiz isso antes.
Minhas palavras o atingiram com força, ele travou por uns segundos e pareceu hesitar.
— Se você não quiser…
— Eu quero… — Quer saber? Foda-se! Pelo menos poderia dizer que essa experiência já tive.
Foi rápido, eu estava de saia e ele puxou minha calcinha que por sinal nunca mais encontrei, e apenas abriu o próprio zíper da calça jeans que usava. Eu refleti por alguns segundos ali… sobre o quão fácil era para o homem não precisar tirar tudo para ter alguns minutos de prazer e isso me distraiu, pois quando senti ele já estava entrando em mim, me arrancando um gemido dolorido que talvez o tenha confundido com prazer. Para minha sorte e alívio foi mais rápido do que eu imaginava, em poucos minutos ele terminou. Foi um prazer mecânico, após a ardência inicial eu senti alguma coisa e estaria mentindo se dissesse que não, mas admito que preferiria ter continuado somente nos “amassos”, sex* hétero definitivamente não me atraía como quando estava com garotas. Anotado! Mas o mais intrigante era que após ELE ter terminado, tudo terminou mesmo. E fiquei tentada a perguntar para ele se e comocontinuaríamos, porque a impressão que eu tive foi de que era só aquilo mesmo. Minhas amigas sempre comentavam sobre esse egoísmo cultural masculino, onde o sex* era todo baseado no início da ereç*o do homem e no finalmente quando eles atingissem o orgasmo. Minhas experiências com mulheres de certa forma me “mal acostumaram” por que o sex*, desde quando fora com Micaela, era uma coisa cíclica e sem um “fim” exato, simplesmente acontecia e às vezes mais de uma vez seguida.
Minhas reflexões apesar de breves foram o suficiente para perceber que ele ainda estava em mim de certa forma recobrando o fôlego e eu cogitei que talvez fosse assim que eles se recobrassem e então dessem continuidade, mas sinceramente eu estava buscando palavras para dizer que para mim já havia sido suficiente. Obrigada. Eu tinha um carinho muito grande pelo Fer, motivo pelo qual acreditei que aquilo não seria nada demais, contudo olhar em seus olhos e me lembrar dela antes, durante e depois do ato, de certa forma me incomodava muito. No final das contas, quanto mais eu fugia daquele karma chamado Micaela, mais eu acabava num labirinto infinito de possibilidades. Não que ela não povoasse vez ou outra quase sempre a minha mente, durante minhas relações com garotas, mas era diferente… Não sei explicar, mas… O arrependimento era menor.
— Você está be…
— Vou chamar a polícia!!!
Antes que ele pudesse completar a frase uma senhora muito baixinha gritou do lado de fora, batendo com uma força descomunal na janela do motorista. Usava uma chave ou algo metálico e nosso susto foi tão grande que em um salto Fernando estava no banco da frente e eu loucamente procurando minha calcinha que havia caído no limbo. Ele deu a partida no carro comigo ainda de quatro tentando alcançar algo embaixo do banco do passageiro, então quando arrancou foi um vexame que felizmente o único espectador era meu anjo da guarda/babá/amigo de trans*. Capotei tanto que no dia seguinte minha mãe me questionou sobre os roxos que eu tinha carimbado nas pernas e braços.
— FERNANDO! — Gritei alto quando ele fez uma curva em alta velocidade.
— Se segura!!!
— Pelo amor de Deus a mulher não vai correr atrás da gente, para esse carro!
O freio gritou e eu caí entre o banco do passageiro e do motorista. Possessa! Sem calcinha! Humilhada! E ainda por cima insatisfeita! Se ser hétero era ter aquilo, eu agradeceria aos céus todos os dias por ter nascido lésbica.
— Caralh*, cê tá bem? — Ele me ajudou a sentar no banco da frente, meu ego tinha ficado com a senhora, com certeza absoluta. Suspirei um pouco arrependida.
— A gente não devia ter feito isso. — Eu fui a primeira a dizer, mas não a pensar. Isso eu tinha certeza.
— Eu sei.
— Foi horrível. — Eu estava arrependida até a alma.
— Desculpa.
— Não… Digo, é que eu… — Eu nem sabia por onde começar. Aquilo de repente pareceu TÃO errado, em tantos sentidos que eu não conseguiria enumerar. Talvez a senhora fosse um espírito maligno enviado por uma Micaela de outra dimensão, para nos amaldiçoar pelo que fizemos. Essa suposição pareceu tão provável que dias depois quando compartilhei o pensamento com Fernando ele sequer chegou a discordar. Foi surreal e eu nem era fã de ficção científica ou viagens de teorias da conspiração.
— Eu não queria ter sido tão… — Ele disse devagar, numa tentativa de se desculpar, mas ele não devia, por que foi com consentimento.
— Não é isso. Eu só… não gostei. — Eu tentei relevar o fato de que nós nem estávamos tão no clima assim, nem em um local mais confortável, eu já havia trans*do com garotas em lugares nada adequados, porém era impossível ignorar o fato de que o que eu sentia ao beijar uma garota já era o suficiente para me excitar em níveis que me faria ignorar totalmente esses detalhes.
— Eu não tava nos meus melhores dias também… Aquela rebol*ção com Ulisses danificou meu quadril…
Eu olhei para ele e a gargalhada me veio tão forte que ele se assustou. Tive um acesso de riso que me tirou o fôlego e olhar para sua cara me fazia querer rir mais ainda, quando eu conseguia controlar voltava a rir histericamente, em um frenesi inacreditável e bizarro.
— Ah sim, por que senão sua performance teria sido sensacional, né? — Comentei quando consegui acalmar os espasmos.
— Besta! — Ele me empurrou pelo ombro e começou a rir também se lembrando da senhora que apareceu do nada. Da minha queda lendária e por fim da minha calcinha fugitiva.
Inacreditavelmente essa noite não havia mudado em absolutamente nada o que sentíamos um pelo outro. Continuávamos melhores amigos e melhores confidentes. Eu ainda era a sua melhor ouvinte para quando ele precisava desabafar sobre as patricinhas que o dispensavam e sobre a maluca assassina de cachorros que o perseguia de vez em quando, assim como ele era o melhor colo que existia quando eu precisava simplesmente chorar a dor de um passado que jamais voltaria.
Semanas depois ele me confessou que foi extremamente difícil falar com Micaela depois do que tinha acontecido entre a gente, ele se sentia culpado… Um traidor. Seu amor pela prima era tão grande que por diversas vezes ele se sentia responsável por mim em um nível inexplicavelmente estranho e quando ele me deu a mão no carro aquilo de repente pareceu certo, mas ao mesmo tempo errado. Em um surto de tesão, carência e adrenalina nós fizemos o que fizemos. Se gostamos? Fernando admitira que havia sido bom por que era comigo, ele me achava atraente e tinha afeição por mim. Contudo disse que assim que terminou se sentiu enjoado como se tivesse acabado de trans*r com algum parente. Disse que provavelmente se sentiria da mesma forma se trans*sse com Micaela, por exemplo. E eu entendi que seu afeto por nós duas ultrapassava qualquer laço sanguíneo. Ele era uma ótima pessoa. Não é a toa que Micaela o amava tanto e eu também não ficava atrás, o amava igualmente.
Prometemos então nunca mais tocar no assunto e principalmente não contar para ninguém, não gostaríamos que as pessoas tivessem a impressão errada ou criassem expectativas que não existiam. Foi um episódio isolado e como não voltaria a se repetir, não havia necessidade de ser lembrado.
Mas o destino é um humorista ácido e cruel.
***
— O QUE VOCÊ FEZ, SEU FILHO DE UMA PUTA!!!
Micaela avançou cegamente em direção ao primo como um touro enraivecido. Fernando aceitava com semblante arrependido, os socos que ela lhe dava. A morena era no mínimo trinta centímetros mais baixa e quarenta quilos mais magra. Era um pinscher raivoso contra um labrador dócil e submisso.
— Micaela! — Isabella se sentou na maca, tentando chegar até eles, que se afastavam cada vez mais do leito que estava.
— Parem com isso, vocês estão em um hospital! — O enfermeiro/médico estava perplexo com a audácia daquelas pessoas que não respeitavam o espaço hospitalar. — Saiam agora ou eu chamo o segurança!
— Maldito! Eu pedi para CUIDAR dela… Não TRANSAR com ela, seu maldito desgraçado eu vou acabar com você!
A morena ignorava qualquer outro ser vivo daquela sala, seu alvo era Fernando. Ela estava irascível.
— Mica, por favor, me escuta… — Isabella puxava o aparador de soro, tentando alcançá-los, enquanto o Enfermeiro desaparecia pelo corredor, plausivelmente buscando por ajuda. Fernando acuava-se em um canto, totalmente calado. Arrependido, aceitando toda a raiva e ira que Micaela lhe lançava. Ambos ignoravam ela e os outros três pacientes do recinto que assistiam à tudo com interesse mórbido.
— Eu jamais deveria ter confiado em você… Maldito! Você… Você… Cara, você sabia de tudo! Sabia o que eu sentia, como pôde fazer isso comigo?
Ela foi agarrada pelo segurança que entrou na sala sem hesitar. Levantou-a no ar enquanto ela continuava desferindo pontapés e socos na direção do primo que havia perdido toda a capacidade de falar ou se defender. Isabella viu a morena sair carregada da sala, as lágrimas banhavam seu rosto transtornado e em nenhum momento sequer ela lhe dirigiu um olhar ou alguma palavra. Isabella mantinha-se em pé graças ao soro que segurava, por que a tontura que sentia estava a ponto de derrubá-la por nocaute.
— Deve ser algum engano… — Ela sussurrou para o amigo. Não queria acreditar, não podia acreditar.
— Mano, você lembra… Eu USEI camisinha! Com certeza deve ser algum erro, Isa!
— Eu tive uma prima que engravidou tomando pílula e usando camisinha, sabe?
Isabella e Fernando olharam de imediato para a senhora que dizia isso em voz alta para o marido acamado que claramente não estava ouvindo nada. Ambos se calaram diante da intromissão da mulher, deixando para discutir sobre o assunto quando estivessem a sós.
— Fer, por favor… Vai ver como ela está, por favor?! — A preocupação com Micaela eliminava qualquer chance dela se preocupar com a suposta notícia.
Ele saiu apressado, mesmo estando por dentro amedrontado por enfrentar a mágoa e ira da prima. Encontrou-a discutindo com um dos seguranças.
— Me toca novamente que vocês vão ver o que é escândalo! — Ela gritava para o homem de quase dois metros de altura.
— Mica, vamos conversar… Não é isso que você tá pensando!
Os olhos negros foram direcionados para o parente, a raiva consumindo toda a possibilidade de tratar sobre o assunto de forma minimamente cordial.
— Não é o que eu tô pensando? Além de me trair você quer me tratar como uma imbecil que não sabe como seres humanos se reproduzem?
— Não é isso! Cara, aconteceu… Não foi intencional, eu juro pela minha vida… Nós NÃO estamos juntos!
— Tá, me faz um favor?
— Cl… Claro, mas… como assim?
— Esquece que eu existo! Intencionalmente, beleza?
***
Fernando se dirigiu até a sala onde Isabella estava, sua expressão desolada e angustiada denunciava que a conversa com a morena não havia sido nada boa.
— Eu preciso ir atrás dela, onde ela está hospedada??
— Seus pais estão aí! — Ele soltou extremamente assustado com a situação e ignorando sua pergunta inicial.
— O quê? — Ela sentou-se na maca, já sem o soro conectado ao braço. — Como eles souberam?
— Ulisses e Camila. Eles também estão lá fora. — Ele aproximou-se e segurou em sua mão. — Isa… Eu juro que não fiz por mal, me perdoa! Se você estiver mesmo… Você sabe… Eu faço o que você quiser!
— Meu Deus… O que eu fui fazer? — A ficha da garota começava a cair, os olhos encheram-se de lágrimas, no exato momento que Silvia entrava na sala com o mesmo segurança em seu encalço.
— Filha?! Filha, meu amor o que aconteceu? Você tá bem? Tá ferida? — A mulher apalpava o rosto e corpo de Isabella buscando ferimentos e fraturas.
— Mãe… — Isabella desatou a chorar, caindo em um pranto inconsolável.
— Não é permitido mais de um acompanhante por paciente, senhora!
O segurança ao reconhecê-los cruzou os braços impaciente.
— EU SOU A MÃE DELA!
Alguns bate bocas depois e Isabella se perguntava, enquanto sentada no banco de trás do carro dos pais, em que momento exatamente sua vida começara a desmoronar. Teria sido na morte do pai no aniversário de dez anos… Ou talvez no momento em que se percebera apaixonada pela enteada da sua mãe, vulgo meia irmã… Também poderia ser no momento em que seu cérebro inocente cogitara a possibilidade de ter um relacionamento com essa meia irmã e isso não soar errado aos ouvidos das pessoas… Poderia ser o instante em que o padrasto flagrara o “pecado” entre elas… Ou quem sabe quando ela percebera em choque que mesmo após anos longe, seus sentimentos continuavam os mesmos por Micaela. Como cereja do bolo, ela lidaria com a consequência de uma noite carente e isso definitivamente era uma imensa “cereja”, que de fato ela ainda não fazia ideia, do quão aquilo poderia afetar sua vida de muitas maneiras.
— Eu vou marcar uma consulta com a minha ginecologista, filha… Fique tranquila, talvez seja apenas algum engano. A sua última consulta com Dr. Rogério foi poucos meses atrás, não foi? E caso o resultado seja mesmo positivo… Vai dar tudo certo! Por sorte Fernando é uma ótima pessoa, não vai se negar em assumir o bebê. Nós vamos te ajudar, meu amor… Você não está sozinha, não é Fábio?
Silvia tagarelava enquanto Fábio apenas concordava com a cabeça, ambos totalmente alheios ao caos que se instalava aos poucos na mente e coração da garota que seguia em silêncio, sem pronunciar sequer um suspiro. O coração quase paralisado diante da avalanche de acontecimentos e informações.
— Eu já imaginava mesmo que vocês dois tinham alguma coisa… — Isabella podia sentir o sorriso de Silvia naquela frase. Sentiu raiva da mãe, um sentimento totalmente novo para ela. — Mas só não entendo por que não assumiram o namoro para nós… Você sabe que apoiaríamos vocês. Não é Fábio?
— Claro, o Fernando é uma ótima pessoa mesmo. Eu conheço meu sobrinho, sei que a mãe dele também não vai se opor em ajudar… Vai ficar tudo bem, Bella. E caso vocês pensem em se casar, saibam que eu ajudarei no que for.
O asco que todas aquelas palavras geradas pelos dois causavam em Isabella lhe trouxe uma nova golfada de enjoo. Que ela fez questão de não segurar e ver satisfeita o desespero do padrasto por sujar o assoalho do carro.
— Para o carro!
— Você está passando mal, filha? Amor, melhor voltarmos ao hospital!
— Vou fazer o retorno, Bella! — E ele deu o sinal para retornar ao lugar que ela recebera a notícia mais impactante da sua vida.
— Não! Só para o carro, por favor…
Assim que o padrasto parou ela desceu, indo para o carro de trás que os seguiam desde que haviam saído do hospital. Fernando nada disse quando ela abriu a porta e entrou, apenas religou o motor e ultrapassou o carro dos pais de Isabella que olhavam um tanto confusos, mas sem questionar absolutamente nada, afinal era Fernando.
— Eles nem ao menos se importam em disfarçar a satisfação… — Ela comentou com o amigo, a voz embargada, o coração mais uma vez dilacerado.
— Eles estão felizes… Por você estar grávida?
— Talvez... Afinal, antes uma gravidez não planejada do que me ver namorando uma mulher. — Ela tombou a cabeça no vidro fechado do carro.
— Vamos pra minha casa, você toma um banho, minha mãe não vai fazer perguntas… Daí, eu te levo onde ela está hospedada, tudo bem? — O carinho que ele demonstrava ao oferecer a ajuda e apoiá-la apenas lhe trouxe uma tempestade em seus olhos. Não conseguia parar de chorar. Apenas assentiu com a cabeça agradecendo baixinho.
Estavam quase chegando ao hotel onde, segundo Fernando, Micaela estava. Isabella usava uma camisa do amigo, dobrada até a altura do cotovelo, e uma calça de ginástica da mãe que ele roubara do varal. Ela cruzava e descruzava os braços, a todo instante, ansiosa demais em recuperar a confiança de Micaela para que no mínimo ela ouvisse o que realmente acontecera.
— Isa… Sobre você poder estar grávida… — Ele fez uma pausa enquanto estacionava o carro. — Eu apoio qualquer decisão sua.
— Eu sei. — Ela pegou na mão do amigo, ciente de que agora eles estariam ligados, caso realmente decidissem dar continuidade ou não aquela possível gravidez. — Nós temos tempo, vamos pensar com calma… Agora eu só quero mesmo resolver esse mal entendido.
— Eu tô me sentindo um lixo, cara… — Ela assustou-se com o pranto daquele homem de quase um metro e noventa. Fernando abraçava o volante e descarregava toda tensão e ansiedade que tentara segurar enquanto também era atingido pela turbulência que fora aquela noite. Afinal de contas ele apenas queria a felicidade da prima e de sua melhor amiga, mas o fato era que seu erro de uma noite poderia trazer uma ruína sem volta à vida dos três.
— Você está muito longe de ser um lixo… — Ela acariciou desajeitadamente seus cabelos negros. Apertou seu ombro tentando trazer-lhe algum conforto. — Nós dois quisemos, Fer… Foi totalmente consentido e não tem motivo para nos sentirmos culpados.
— Mas ela é MINHA prima.
— E daí? Por acaso tem uma lei que te proíbe de trans*r com a garota que ela ficava cinco anos atrás? — Isabella aumentou o tom de voz nitidamente revoltada com a situação, o limite de suas emoções atingindo patamares perigosos.
— Ela nunca vai me perdoar…
— Que seja! Se ela não te perdoar eu também não a perdoo! Afinal ela foi embora e também não se importou em me prometer nada, dessa forma cobrar é totalmente injusto! — Ela abriu a porta do carro, com raiva. — Qual quarto?
Ele engoliu em seco e também saiu do carro, enquanto lhe passava as orientações de como passar pela recepção sem ser anunciada. Não correriam o risco dela não atendê-los. Eram quatro e quarenta e sete da manhã, com certeza pelo avançado da hora haveriam poucas pessoas na recepção, assim como a morena também poderia estar dormindo.
— Tem um elevador à esquerda… Eu vou falar com a recepcionista, você passa e já entra!
— Ok! — Sua adrenalina a deixava totalmente alerta para não cometer erros ou sentir medo.
Enquanto Fernando distraía a recepcionista ela furtivamente passou, andando calmamente até o elevador. Fingindo saber onde ia, porém assim que a porta se abriu ela percebeu que o aparelho somente operava com o uso de um cartão magnético. Bufou desesperada e saiu procurando as escadas do local. A porta trava fogo que dava acesso as escadas se abriu normalmente e ela se perguntou se o uso do cartão realmente era segurança ou se só faziam para parecerem seguros. Subiu sete andares a passos rápidos e agradeceu ao Ulisses ter praticamente a obrigado fazer academia com ele.
Assim que chegou ao andar ela desacelerou os passos, tomando fôlego e coragem. Parou em frente a porta e bateu três vezes. Não precisou esperar muito e logo uma Micaela de pijama apareceu.
— Você está de óculos?! — Foi a primeira coisa que ela disse, quando a olhou. Forçou sua mente a voltar horas atrás e confirmar suas suspeitas, a morena não estava de óculos na festa. Provavelmente usava lentes. Mas em qual momento da vida ela passara a usar óculos e por que Deus fazia ela ficar ainda mais perfeita usando aquele acessório que muitos odiavam, era o que Isabella se perguntava sem desviar os olhos dos seus. A armação combinava, totalmente com ela… Meu Deus ela é tão sexy, que não vou conseguir pronunciar nada além de obscenidades.
— Isa? O que tá fazendo aqui?
Só então Isabella reparou como seus olhos estavam vermelhos e molhados. Micaela olhou pelo corredor, talvez procurando por Fernando, mas logo a encarou de volta, os olhos negros e profundos transmitindo toda tristeza e decepção que ela estava naquele momento.
— Mica, por favor vamos conversar… Me deixa entrar?
— Melhor não… — Ela parecia estar em dúvida se a deixava ou não. Talvez consciente de que se deixasse estaria mais próxima do seu perdão.
— Nós NÃO estamos juntos! Acredite… Somos amigos, muito amigos… Só! Depois que você… — Ela parou chocada por novamente não conseguir falar abertamente sobre aquilo. Sua partida ainda lhe machucava, de uma forma que não fazia ideia.
— Você não me deve satisfações, Isa. Eu entendo que tenha seguido sua vida. Eu também segui a minha…
Isabella se perguntou se aquele comentário havia sido proposital para atingi-la de alguma forma, independente das opções ela havia conseguido. A interiorana de sentiu tentada a jogá-la para dentro do quarto e exigir que Micaela dissesse exatamente quais pessoas a fizeram “seguir” a vida. Claro, ela não havia sido nenhuma santa tampouco, contudo sabia que se Micaela tivesse a capacidade fértil que seu primo tinha, provavelmente haveria muitas Micaelas e Micaels povoando a capital neste momento.
— Não estou lhe dando satisfações, estou tentando explicar um mal entendido. O Fernando não merece essa culpa que você está impondo…
— Ah, não? — Ela ajeitou os óculos e cruzou os braços se encostando ao batente da porta. Gostosa maldita!
— Claro que não! Mica, foi um caso isolado… Nós estávamos no carro e…
— Por favor! Me poupe dos detalhes. — Ela fez um gesto com as mãos fazendo Isabella se calar. Ora, quem ela pensava que era?
— Você está sendo extremista demais, nós não…
— Sabe o que não seria nada extremo? — Micaela a interrompeu novamente enquanto se aproximava cada vez mais e Isabella instintivamente dava um passo para trás. — Se amanhã vocês aparecessem casados… Então mais um filho seria ainda mais perfeito para completar a família perfeita… E vocês morariam em uma casa perfeita, no bairro mais perfeito dessa cidade estúpida, vovô e vovó bateriam palmas toda vez que seus netinhos perfeitos chegassem, junto com o casal mais perfeito… Almoços perfeitos, feriados perfeitos…
Ela encurralou Isabella contra a porta oposta do corredor, os braços apoiados na parede enquanto destilava toda sua raiva. Não apenas por ela ter trans*do com seu primo. Não. O ódio de Micaela por Isabella ser quem era e a morena ser quem ela era, formava uma imensa parede entre as duas. Duas mulheres. Duas pessoas iguais. Que de certa forma em sua concepção impedia que elas tivessem essa vida “perfeita” que a morena tanto almejava. Naquele momento ambas compartilhavam mais do que saudades e sentimentos conflituosos, elas dividiam o mesmo entendimento de que jamais seriam suficientes uma para outra, exatamente por ser quem eram. O preconceito que Micaela carregava em seu próprio coração, cravado em sua alma, por tantos anos vivendo com pessoas que a reprimiam, oprimiam… a afastava cada vez mais da liberdade de poder viver quem ela era em sua cidade natal, próxima aos seus. Por isso se refugiava em São Paulo, pois lá não enfrentava tantos dedos apontados quanto na cidade em que nasceu. Ali era seu inferno. E Isabella infelizmente fazia parte dele.
— … vocês foram feitos um para o outro, são perfeitamente o casal mais per…
— Para… para com isso. — Isabella tocou em seu rosto, do mesmo jeito delicado que sempre fizera, correu os dedos por sua pele… Calando Micaela imediatamente, também como sempre conseguira.
— …
— Não machuque a gente mais do que já nos machucaram, Mica… Eu sei que dói, me doeu por todos esses anos e sei que vai doer por muito mais, então não precisa se esforçar, os outros já nos fizeram sofrer o suficiente.
— Não… — Os olhos da morena transbordaram, seus ombros agora baixos mostravam toda vulnerabilidade por ela. — Não faz isso… — Sua voz dizia, mas seu corpo não lhe obedecia, estava a milímetros dela, os corpos já se beijavam, através das roupas.
Micaela choramingou sentindo o corpo de Isabella através do pijama fino. Os seios fartos espremidos entre elas, macios e quentes. As mãos da interiorana percorriam seu pescoço e rosto, enquanto a morena tentava em vão se desvencilhar, não mostrando muito empenho no entanto, o perfume de Isabella a inebriando, roubando todos os sentidos racionais que impediriam algo semelhante de acontecer.
— Eu senti… — Os olhos azuis prendiam os olhos negros, que hipnotizados acompanhavam os lábios, lendo e bebendo cada palavra. — … tanto a sua falta. — A boca rósea e macia se aproximou deixando Micaela exposta, vulnerável, submissa. Automaticamente entreabriu os lábios, mas a caipira desviou beijando-lhe o queixo, depois a mandíbula, até chegar ao pescoço e fazê-la quase dobrar os joelhos com os arrepios que lhe atingiam ao sentir a boca quente e delicada lhe explorar de forma tão devassa. Gem*u entregue, sem se importar onde estavam, seu sangue fervia em uma intensidade assustadora, ao qual ela havia esquecido totalmente como era diferente com ela. Era tudo… intenso demais, certo demais. Seu coração disparou quando agarrou-a pelos quadris e puxou-a para cima, em um movimento rápido. As pernas de Isabella rodeando sua cintura, o olhar azul surpreso, mas ao mesmo tempo excitado, a morena entrou no quarto carregando-a com facilidade nos braços. Fechou a porta com o pé e Isabella não pôde visualizar muito do lugar, logo sentiu o colchão macio em suas costas e o corpo moreno sobre o seu. A luz parda do abajur ligado ao lado da cama, os lenços amassados sob a mesa de cabeceira, demonstrando que a noite havia sido difícil para ela, tanto quanto para Isabella.
— Também senti sua falta… — A voz da morena estava rouca, quase falha, a emoção a deixando ansiosa e trêmula.
Isabella sorriu, um sorriso que Micaela guardaria por décadas em seu coração, como o sorriso mais lindo que já recebera em toda vida. A morena sentiu seu rosto ser puxado para baixo e os lábios foram tomados com paixão e desejo por ela. Seus dedos apertaram com força o lençol branco, enquanto entreabria os lábios e recebia a língua macia em sua boca, a outra mão sob a nuca de Isabella, puxando-a ainda mais para si. Os quadris se tocavam ansiosos e saudosos, insinuavam-se involuntariamente, em uma dança afrodisíaca que as inebriavam. Os gemidos de ambas ultrapassavam os níveis permitidos e elas não haviam nem mesmo se despido. As bocas se sugavam, mordiscavam e lhes arrancavam palavras e frases desconexas, o limite já ultrapassado. Micaela desabotoou a camisa azul clara que ela usava, sabia que deveria pertencer ao primo, era quase um vestido para ela. A fusão de tesão e raiva a cegaram e ela puxou os botões finais com força, lançando os pequenos objetos pela cama e pelo chão. Isabella arfou excitada, os seios nus apontados para morena, implorando por ela. Os mamilos enrijecidos foram torturados pelos dedos e depois atacados com volúpia pela boca sedenta que a fizeram gritar surpresa com o desejo assolador que atingiu-a dando-lhe o orgasmo mais precoce e intenso que já tivera. Ofegante e arrepiada ela sentia o corpo tremer e contrair-se, enquanto Micaela parecia disposta a esgotar-lhe todas as forças e quando tentou retirar a blusa de seu pijama sentiu a morena segurar-lhe as mãos. Quis insistir, mas Micaela levou seus braços acima da cabeça, e em um movimento virou-a de costas… sua calça saiu com uma facilidade absurda por suas pernas. Gem*u entregue quando sentiu a boca da morena percorrer suas coxas, nádegas e um tapa forte ecoou pelo quarto, fazendo Isabella gem*r e gotejar em sua intimidade. Seus joelhos foram afastados, sentiu-se exposta e não odiou nem um pouco, a língua de Micaela descobrindo e provando cada centímetro dela, de forma totalmente singular que jamais permitiria se fosse com outra pessoa, mas imploraria para que a morena repetisse sempre que pudesse. Era ela. Com Micaela não haviam dúvidas, questões ou tabus, simplesmente havia um consenso mútuo e inteiramente favorável que as guiava de forma intensa e cega.
A morena a mordiscou sentindo a própria calça do pijama encharcada, estava com raiva e ao mesmo tempo com um desejo animal, seu coração implorara por aquela oportunidade, ter seu corpo nu sob o seu, amá-la e dizer um milhão de vezes o que gostaria de ter dito anos atrás, contudo estava fora de si, havia chorado por horas ciente de que a havia perdido para sempre, mas a confusão tomava suas emoções e suas faculdades mentais, ela sabia que jamais poderiam ficar juntas, não viera para o interior com intenções ilusórias de manter qualquer relacionamento, contudo não poderia mentir dizendo que não criara esperanças quanto aquilo. O turbilhão de pensamentos a maltratavam e desesperada ela despiu-se antes de escalar seu corpo e sentar-se sobre as nádegas macias, a cada investida de quadril gemia com os dentes cerrados, jogou os óculos para o chão, os dedos entrelaçaram os cabelos castanhos da outra enquanto ela abaixava-se e mordia-lhe a nuca com vontade sabendo que aquilo marcaria-lhe a pele no dia seguinte. Desceu encaixando-se em sua coxa esquerda, ao mesmo tempo em que afastava ainda mais a outra perna para o lado até fazê-la dobrar o joelho de forma submissa, os dedos explorando-a sem pudores, enquanto rebol*va intensamente contra ela, os gemidos confundindo-se, o desejo escalando patamares nunca antes alcançados, a umidade dela fazendo seus dedos entrarem e saírem com facilidade e velocidade, os lençóis massacrados pelas mãos desesperadas por agarrarem-se a qualquer lugar seguro, pela ciência de estarem próximas ao precipício que era o ápice.
— Eu… — A morena grunhiu rouca quase confessando o que lhe ia no coração e o orgasmo intenso a calando fazendo-a tremer e lacrimejar enquanto vislumbrava encantada o corpo abaixo de si também vibrar e contorcer-se em mais um orgasmo intenso e longo desta vez. O silêncio e a calmaria reivindicaram seu espaço, trêmulas elas aguardavam os batimentos cardíacos voltarem ao normal.
Isabella ofegava, os cabelos cobrindo-lhe parcialmente o rosto, ainda de bruços o corpo brilhava sob a luz do abajur, suado e dourado, em uma imagem que Micaela lamentou profundamente não ter uma câmera em mãos naquele momento para registrar tal preciosidade. Memorizou cada detalhe do seu corpo, enquanto depositava um beijo cálido em sua nádega e depois em suas costas. Em uma intimidade que somente elas poderiam descrever. Então a porta do quarto se abriu em um único movimento e a morena não foi rápida o suficiente para impedir que Júlia falasse mais do que deveria.
— Amor, eu vim assim que me ligou, mas os táxis daqui são absurdamente lentos. Meu… — Ela calou-se em um engasgo assim que direcionou seus olhos para a cama e para as duas mulheres que tinham reações semelhantes e ao mesmo tempo totalmente diferentes.
— Amor? — A voz de Isabella soou enforcada e enjoada. Seu rosto estava franzido em uma expressão ao mesmo tempo confusa e decepcionada.
— Eu posso explicar…
Júlia fechou os olhos amaldiçoando todas as gerações de taxistas que a fizeram demorar mais do que gostaria pela volta quando Micaela a telefonara em prantos. Viera o mais breve possível e com certeza não rápido o suficiente, porém o tempo que levara foi o bastante para elas se “entenderem”, mas não o tanto que precisavam para não serem flagradas por ela chamando Micaela carinhosamente, causando obviamente todas suposições erradas, mas nem tanto, sobre as duas.
— Desculpa, eu vou sair para conversarem melhor, ok? — A mulher desculpava-se com as mãos unidas, o corpo já quase do lado de fora do quarto.
A morena levantou-se depressa, procurando os óculos e a calça do pijama, Isabella já em pé, quase vestida, apenas com a camisa aberta revelando parcialmente os seios e fazendo a morena desconcentrar-se sobre o propósito de explicar sobre Júlia.
— Isa… A Júlia, ela não…
— Você não me deve satisfações. — A sua voz soou baixa, calma e controlada. Uma maré pesada contra todo discurso que a morena preparara em segundos.
— Eu só quero explicar. — Tentou se aproximar.
— Micaela. — Parou-a com uma mão, enquanto abotoava desajeitadamente os botões que sobraram com a outra. — Eu não preciso de explicações, mas gostaria de lhe fazer uma pergunta, posso?
— Claro! — Os olhos negros estavam ansiosos, ela não mentiria em absolutamente nada.
— Sua amiga está hospedada nesse quarto também?
Confusa a morena apenas balançou a cabeça, não entendia onde ela queria chegar. Isabella apenas assentiu de volta, lançando um olhar rápido para única cama de casal do quarto, fazendo Micaela entender o grande erro que acabara de cometer.
— Não! — Estendeu a mão em sua direção, mas Isabella desvencilhou-se com calma, mais uma vez mostrando que não era a adolescente de anos atrás.
— Obrigada por ter vindo. Apesar de tudo foi importante para mim… Mas, por favor… Não volta mais, tá? — Os olhos azuis pareciam duas piscinas frias e estáticas. Ao mesmo tempo sua voz soava tão calma e quase carinhosa. Micaela recebia suas palavras como pequenas agulhadas pelo corpo, não encontrava a própria voz para responder ou arguir.
Ela recolheu os sapatos e a dignidade de forma lenta e calculada, aproximou-se da porta e tocou a maçaneta, mas olhou para a figura parada ao lado da cama, que estática observava tudo em silêncio, as lágrimas já companheiras daquela noite varrendo mais uma vez o rosto petrificado pelo destino inevitável. Suspirou fundo e suavemente disse:
— Eu fui absurdamente apaixonada por você… — A palavra “fui” ecoando dolorosamente pelo quarto. — Na minha inocência eu era capaz de enfrentar o mundo pelo que sentia e talvez realmente enfrentasse. Mas a sua hesitação em ter a mesma coragem em me amar é dolorosa demais, você não faz ideia do que é ler em cada movimento seu, atitude e palavra… O fato gritante de você ser uma lésbica assumida, mas optar abertamente não assumir uma única pessoa na sua vida. Eu nunca entendi e sinceramente nem quero mais entender. Eu jamais vou ser o que você espera que eu seja e vice versa.
Micaela soluçou deixando o pranto ganhar todo seu corpo, sentia-se uma criança sendo analisada e mesmo Júlia tendo todos os métodos profissionais em expô-la sempre que podia sobre seus sentimentos conflitantes, ela jamais se sentira tão dissecada e analisada. Abraçou-se tremendo, o coração em frangalhos, por antecipar algo que já era previsto desde o primeiro beijo que trocaram. Estavam terminando. Pela primeira vez em todos aqueles anos, sentia o imenso peso do ponto final dito de forma tão calma e franca. Isabella tinha tanta razão no que falava que Micaela não se atreveria a mover um músculo sequer e poder ser confundido com uma argumentação.
— Eu desejo com toda a minha alma, que você seja feliz…
O pranto havia cessado fazia alguns minutos, a pele do rosto esticada pelo ácido das lágrimas, a porta havia se fechado atrás da pessoa que ela mais amara em toda sua vida já fazia algum tempo. Júlia abriu a porta lentamente, depois de ver pela recepção uma Isabella cabisbaixa sair do hotel e entrar em um carro preto que a aguardava na entrada, ela subiu angustiada se amaldiçoando por talvez ser o motivo da saída da outra.
— Ah gatinha… — Júlia correu até ela, os olhos encheram-se de lágrimas por ver ela tão vulnerável, quase em carne viva. Abraçou-a com cuidado, fazendo ela sentar na cama, trouxe seu corpo para perto e ninou-a sem nada dizer ou questionar, acariciava os cabelos negros, murmurando suavemente uma canção que sua mãe lhe cantava na infância quando ela sentia medo de dormir sozinha.
Ficaram assim por horas, até ver a luz do dia entrar pelas frestas da janela.
***
Eu assoprava o café quente da xícara ridícula do São Paulo ao qual Fernando torcia. Recolhi minhas pernas e me aconcheguei na poltrona do quarto. Fernando estava deitado de costas em sua cama, os braços cruzados atrás da cabeça, pensativo. Ambos estávamos há algum tempo refletindo sobre os últimos acontecimentos dos últimos dias. Dos anos. Da vida. Nada dizíamos, era desnecessário. Após sairmos do hotel, estranhamente calma eu apenas pedi que ele parasse em uma farmácia vinte e quatro horas. Comprei exatamente todos os testes de gravidez disponíveis na prateleira. De todas as marcas. Há três dias eu realizava pelo menos três testes pela manhã. Todos positivos. Eu e Fernando… Estávamos realmente grávidos. Não saberia dizer o impacto que aquelas linhas causavam na gente, toda vez que apareciam. E assim seguíamos, pela oitava vez naquele dia, nos entupindo de cafeína e arrependimento.
Suspirei desolada, disposta a fazer algo que intimamente não sentia que queria, porém não poderia ser egoísta em pensar somente nos meus sentimentos.
— Fer… — Comecei hesitante, ia propor finalmente, mas ele se sentou de supetão, o rosto muito sério.
— Vamos morar juntos?
Fim do capítulo
Já começo me desculpando pela demora ^^
mais uma vez o trabalho me pegou de jeito!
Espero que estejam gostando da história, não será muito longa como o
MPVC versão um, mas tem coisa para acontecer ainda.
Um beijo, um queijo e inteh o/
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HelOliveira
Em: 15/07/2021
Que história linda, eu não li a primeira, mas.estou com o coração apertadinho por essas duas, erros por cima de erros, essa da Isa transar com Fernando e ainda estar grávida me pegou de surpresa e confesso fiquei triste.
Parabéns e até o próximo
Resposta do autor:
Oiiee, obrigada pela leitura e por comentar s2
Minha esposa teve o mesmo sentimento kkk É uma tristeza mesmo, mas momentos tristes podem ser o vislumbre de um futuro melhor... ou não HAHA >~<
Beijos e tem cap novo!
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patty-321
Em: 12/07/2021
Ah autora vc É má. Essas duas nunca irão ficar juntas desse jeito, quem sabe na outra encarnação. E erro em cima de erro. Me causam emoções bem conflitantes, mas oh estória boa. Parabéns.
Resposta do autor:
Hahahaha o Destino é que é... eu só conto a história u.u kkkk Mas concordo viu, erros sobre erros, aaahhh o drama sapatônico.
Beijinhos e tem cap novo!
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FENOVAIS
Em: 11/07/2021
Desta vez não tive como não comentar. Puta que pariu! Parabéns Isabela. Você é absurdamente idiota e burra. Não tenho respeito algum pelas escolhas e atitudes dessa guria. Vai ser idiota assim no inferno.
A Mika também tá com sua cota nas tampas. Torço fervorosamente (apenas da história de cartas marcadas) para que ela fique com a Júlia. Não porque a Mika esteja mais certa, mas por ser a que cometeu uma quantidade se erros em prol de uma ideia/sonho/objetivo mais "nobre".
Enfim, o serumaninho do Vale não tem 1 segundo de paz, kkkkk. A raiva é diária.
Até o próximo capítulo.
Obs.: parabéns pela escrita.
Resposta do autor:
Hehehehehe amei sua sinceridade! Minha esposa pensa o mesmo kkkk só que no caso ela quer esganar a Mica mesmo. Acho que ambas erram, erraram e vão errar ainda...
Ser humano é complexo né, ele tende a defender seus propósitos de uma maneira burra às vezes hahahaha como mtas partes são baseadas em histórias que presenciei ou vivi, super entendo todas as partes, mas não exímo nenhuma de culpa tampouco hahaha
beijoooo, muito obrigada pelo comentário e por acompanhar s2
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Bibiset Em: 08/05/2023 Autora da história
Caçando sarna… ^_^