Esperando pelo sinal
Quando isso acontecia, sempre me recomendavam passar um tempo em casa até que tudo aquilo se tornasse menos visível. Eu já sabia como tudo se procederia: minha mãe via, ficava horrorizada e chorava, falava que ia ficar ao meu lado, meu pai viajava para o mais longe possível dizendo que não tem nada a ver com isso, então alguém me dizia que tinha que ficar mais tempo em casa, relaxando minha cabeça, que eu, teoricamente, estava cansada por conta da pressão do vestibular, sendo que eu sequer estudava, mas tinha que ter uma desculpa pra tudo isso.
Eu realmente estava cansada, mas não sabia do quê. Eu vivia cansada, parecia que o simples fato de existir me cansava e por mais que eu me mantivesse entretida com coisas que eu gostava no decorrer do dia, sempre que eu estava comigo mesmo, eu via que nada fazia sentido e que, quando eu via meu braço enfaixado, sentia que, mesmo que eu fizesse aquilo para me livrar da dor invisível que sentia, a culpa continuava.
Eu sentia um peso para minha família, sobretudo para meus amigos, ou para a única amiga que eu realmente tinha. Por mais que falassem o contrário, sempre achava que estavam fazendo isso porque, no dia que eu partir, não sintam a culpa que eu sinto.
Uma forma cruel de ver o mundo, segundo Jude, mas era a única que eu conhecia. O mundo não era pra iniciantes, ainda mais o meio escolar. Eu pensava que quando tivesse terminado o ensino médio eu iria me livrar dessas coisas, porém ir para o cursinho parecia uma extensão daquilo.
O pior de ir para a escola era gostar de alguém que estudava na mesma sala que você, e senta ao seu lado. Eu não sabia lidar com uma série de fatores na minha vida, mas toda vez que eu chegava ali, esse se evidenciava.
Passei o tempo caminhando a esmo até que não vi outra saída além de ter que ir para a escola. Cheguei na hora do intervalo, e quando vi que tinha que ir para a sala em algum momento, entrei o mais rápido que pude no depósito que ficava na hora do intervalo, quando não queria ficar na sala.
Sentei em uma das cadeiras e respirei fundo, torcendo para que eu não fosse encontrada e, para me distrair, comecei a desenhar alguns dos objetos que tinha ali no meu caderno, mas sem sucesso. Então comecei a desenhar algumas coisas mórbidas que vinham em minha cabeça, perguntando se era realmente normal me sentir daquela forma...
— Estou atrapalhando?
Levantei a cabeça, e vi Amanda, que puxava uma das cadeiras e se sentava ao meu lado.
— O que está fazendo aqui? – desviei o olhar, abaixando a cabeça.
— Eu vi você passando para cá e bem...Queria saber como você estava.
— Não tem do que se preocupar – respondi rispidamente, tentando focar novamente no caderno.
Amanda suspirou alto, batendo os dedos inquietos no encosto da velha cadeira.
— Mas eu me importo com o que você está sentindo.
Levantei o rosto, e vi seu olhar visivelmente preocupado, receoso, que pressionava os lábios quando mostrava estar com medo.
— Não quero te incomodar com meus problemas... – disse, dando os ombros, olhando para o caderno.
— Você não me perturba – a sentia me encarar – De nenhuma forma.
— Você sempre é muito gentil... – respondi, rindo com certo sarcasmo, lembrando da conversa que tive com Jude naquela noite.
E então Amanda, em um gesto ao mesmo tempo firme e delicado, colocou a mão em meu ombro, abaixando a cabeça para me encarar.
— O que aconteceu?
Prendi a respiração por alguns segundos sentindo todo aqueles pesados sentimentos tomarem conta de mim mais uma vez, e soltei o ar devagar.
— Acho que é a pressão que recebo em casa – dizia sentindo minha vista ficar embaçada por conta dos meus olhos marejados – Eu não posso ser eu mesmo porque se eu for, sempre vão me lembrar do que os outros vão pensar de mim. Por que eu tenho que me importar com isso?
Amanda nada disse, esperando que eu continuasse com seu olhar convidativo.
— Parece que isso só vai passar no dia que eu morrer – ri com sarcasmo – Cada dia que passa isso fica mais claro.
E nisso, senti a mão de Amanda segurando a minha. Levantei os olhos, e vi ela próximo de mim.
— Vai ficar tudo bem.
Ela passava o polegar sobre minha mão, acariciando-a.
— Como você sabe disso? – disse, sussurrando, tentando não deixar claro a tristeza em minha voz.
— Na verdade eu não sei, mas vou fazer o que posso para que fique.
E nisso, Amanda sorriu, segurando com mais firmeza minha mão. Era aquele momento em que, movida a aquele sorriso tão reconfortante, você esquece de tudo que te prende e você age conforme o que quer.
Soltei sua mão e a abracei. Amanda pareceu não saber como reagir, mas não demorou para que eu sentisse seus braços fortes e mornos contra o meu corpo, me abraçando com firmeza.
— Obrigada, Amanda – sussurrei para ela.
— Não tem do que me agradecer.
Amanda passava as mãos em minha costa, e me puxava para que eu ficasse colada com ela, assim como arrastava a sua mão logo depois para meu braço, confortando-me. Fechei meus olhos e recostei minha cabeça em seu ombro e ela encostou sua cabeça na minha, e ali ficamos abraçadas por um tempo que nem percebi que passava.
Quando abri meus olhos, vi que Amanda continuava ali, imóvel.
— Não acha que tem que voltar para a aula? – perguntei para ela, baixo.
— Acho que não – ela sussurrou de volta para mim sem abrir os olhos e eu, com um tímido sorriso, voltei a abraça-la.
Fim do capítulo
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