Não me procure
Décimo dia de abstinência, sendo regulado com cigarro. As lembranças voltam a me perseguir.
— Mamãe, onde está o papai?
— Nana, temos que conversar...
— O que aconteceu?
— Papai não vai mais morar com a gente.
— Por que o papai faria isso, mamãe?
— Papai está passando por um outro momento,
precisa de um tempo para pensar.
— A senhora está mentindo, mamãe?
— Não, Nana...
Nessas horas, não lembramos nada de bom, deitada na cama, vendo as horas passarem.
— Sofia, tenho uma coisa pra te falar.
— O quê, Nana?
— Eu acho que gosto de você.
Senti meu estômago revirar.
— Que porr* é essa, Alana? Você é sapatão?
Ela me xingou e nunca mais falou comigo. Como eu chorei nesse dia...
— Nana, eu acho que gosto de você.
— É sério isso?
— Tudo bem se não gostar, é porque...
— Eu também gosto de você.
Dei um sorriso afável ao lembrar disso. Por onde anda ela, afinal?
— Alana, olha só o que eu ganhei, ingresso
praquele filme, vamos?
— Com certeza!
Como eu ri com as bobagens que fizemos no shopping naquele dia.
— Que história é essa de ser lésbica, Alana?
— Desculpe mãe, eu...
— Acha mesmo que eu vou aceitar uma filha assim?
— Mãe, eu...
Ela deu um tapa tão forte no meu rosto que ainda podia sentir.
— Filha minha não é uma coisa dessa!
— Desculpe, mãe...
— Cala a boca!
Como o Alan ainda tinha coragem de falar que nossa mãe me ama?
— Eu não escolhi isso, mãe, por favor...
— Você vai morar com o seu pai, porque comigo
não mais!
— Por favor, mãe, não...
— Não me toca, sua aberração!
Tudo na minha mente depois disso é um grande vazio, mas lembro de quando eu fui até o meu pai.
— Nana, você sabe que adoraria
que você morasse comigo, mas a Irene não ia...
aceitar você.
— Mas o senhor é o meu pai, meu parceiro
pra tudo, esqueceu?
— Mas ela é minha nova esposa, e estamos
esperando sua irmãzinha.
— Eu só tenho o Alan como irmão, ou
esqueceu dele também?
— Nana, não complique ainda mais as coisas.
— Eu fui expulsa de casa, pai, como o senhor
não pode me abrigar na sua casa?
— Eu tenho outra família agora, Alana.
— Então eu não sou mais parte
da sua família?
O silêncio dele me machucou mais do que se ele tivesse falado qualquer outra coisa.
— Então se foda você e a puta vadia
da sua mulher.
Lágrimas começaram a descer do meu rosto, e por mais que eu tentasse enxuga-las, elas continuavam vindo.
— Alana, o que você está fazendo aqui?
— Nem o papai e nem a mamãe me querem
mais, Alan.
— O que aconteceu?
— Acho que eu não deveria existir...
— Não diga isso, ouviu? Entra e me fala
o que aconteceu.
Levantei e balancei a cabeça, peguei o telefone e liguei para o Matheus.
— Onde você está?
— Eu estou com minha mãe no supermercado, devo chegar em casa em torno de uma ou duas horas.
— Deixa pra lá, depois conversamos.
— Nana, espera...
Desliguei o telefone, respirei fundo, vesti uma camisa por cima da camiseta e sai correndo sem rumo.
Corri por todo o bairro onde morava, e fui embora correndo, mesmo em parte do trajeto ter perdido o fôlego muitas vezes. Continuei o trajeto o mais rápido que pude sem me importar com o que pensaria as pessoas ao meu redor.
Porém, teve um ponto em que não consegui correr mais e parei em frente a uma praça pouco movimentava, e sentei em um dos bancos livres.
— Nana, quero te apresentar uma pessoa.
Essa é a Paula.
— Prazer em te conhecer, Paula.
— Me falam muito bem de você, Alana.
— Sério, e o quê?
— Não quer ir lá fora conversar
um pouco?
— Por que?
— Quero confirmar se tudo que falam
é verdade.
Minha cabeça girava, e minha boca estava seca. Comecei a me coçar, começando por minhas mãos e passando por meus braços, e minha respiração começou a falhar. Tentei respirar fundo, mas o ar parecia sumir a cada vez que tentava respirar.
Comecei a tremer também, então abaixei a cabeça. Sentia como se meu mundo estivesse desmoronando de uma vez todo em minha cabeça.
— Você falou que nunca ia me abandonar.
— Alana, aconteceu, não foi por que eu quis.
— Você é igual a todos mesmo.
As lágrimas voltaram mais uma vez, então me segurei entre os braços, como se estivesse me abraçando.
— Eu não quero uma pessoa como você
na minha vida,
você é um atraso!
— Por que você não vai se foder então,
sua cadela mentirosa?
— É por isso que todos vão embora.
Ninguém vai conseguir ficar perto de uma
pessoa como você.
O choro continuava a transbordar.
— Pai, eu estou com medo.
— Não precisa ter medo de trovão, Nana.
Você já está uma mocinha!
— Mas eu continuo com medo.
— Vou cantar uma música para você
se distrair então, tudo bem?
— “Não procure saber onde estou... – fechei os olhos, ainda com as lágrimas descendo no meu rosto – Se meu jeito te surpreende...[1]”
Continuei cantarolando por um tempo, enquanto tentava conter minhas lágrimas, até que ouvi uma voz ao meu lado, me pegando desprevenida.
— Mas só chove, não é?
Levantei o olhar, e vi que era Catarina. Ela segurava uma garrafa de água e a mochila nas costas, e se sentou ao meu lado.
— Meu pai adora essa música, reconheci de longe – ela ofereceu a água para mim, e aceitei.
— O meu também, por isso eu odeio essa música.
Suspirei fundo, e devolvi a garrafa para ela.
— Você não vai me analisar por isso, não é?
— Eu já disse que não sou sua psicóloga, nem atuo na área – ela puxou uma pastilha do bolso, me oferecendo também – Quer pastilha? É bom pra controlar a ansiedade.
— Mas e se fosse? – peguei uma das pastilhas, mastigando.
— Se eu fosse, nem estaria conversando com você assim, há uma coisa chamada ética – ela apontou com o poste de pastilha para mim – Você só participa de um estudo no qual estou produzindo.
— Por que você não atua na área?
— Não tenho aptidão para lidar com as pessoas, só de estudar o seu comportamento e saber como melhor intervir.
Olhei para ela de soslaio, e ri.
— Depois reclama quando te chamam de cientista maluca.
— Meus amigos também não me viam com bons olhos – ela sorriu, balançando a cabeça – Mas o que importa é que teve um mais maluco do que eu que comprou minhas teses para estarmos desenvolvendo, e que, olha só, está ajudando as pessoas.
— Você tem razão – concordei com a cabeça, pedindo mais uma pastilha para ela – E o que você faz quando não está tentando dominar o mundo?
— Eu caminho, eu desenho, saio para o cinema sozinha...
— Pensei que você namorasse.
— Definitivamente não – ela riu – Eu vivo dentro de um laboratório, como vão achar isso atraente?
— Quando tento falar alguma coisa para descontrair, você me corta.
— Estou no meu ambiente de trabalho, Alana – ela apontou para mim novamente – Profissionalismo.
— Mas agora você não está nele – arqueei uma das sobrancelhas, levantando-as.
Ela sorriu, abaixando a cabeça, e logo levantou.
— Não, não estou, por que?
Meu telefone tocou e vi a mensagem.
— Posso te chamar para tomar um...café então?
— Um café? – ela disse, surpresa.
— Sim – me levantei – Você pode?
— Claro, só precisa me avisar o dia pra que eu possa me... programar.
— Você está livre sábado à tarde então? – olhei mais uma vez pro telefone.
— Estou, mas...Aonde?
— Sabe a cafeteria que fica do lado da parada de ônibus ao lado do banco?
— Acho que sei.
— Pronto, então te encontro lá as quatro e meia, cinco da tarde – disse, andando para trás – Até mais.
— Até – ela continuou sorrindo enquanto me despedi, acenando.
*
Quando cheguei em casa, Alan estava no sofá, assistindo televisão. Sentei ao seu lado.
— Deixei sua janta lá em cima da mesa – ele disse, sem desviar o olhar.
— Como você está, Alan?
— Vou bem.
— E a Valentina?
— Fala que me odeia e que acabei com a vida dela e o pai dela me ameaçou de morte.
— Mas ela está bem daquilo?
— Está tudo bem sim, fiz questão que fosse o melhor.
— Mas que merd*, Alan – olhei para a televisão – Se a mamãe souber disso, acho que ela te mata.
— Não ligo – ele suspirou – Era o melhor a se fazer.
Ele estava sério olhando para a televisão, então encostei minha cabeça em seu ombro.
— Obrigada por tudo, maninho.
Ele virou a cabeça, me olhando de soslaio, e bagunçou meu cabelo.
— Eu não disse que você ia me agradecer uma hora?
Ele encostou a cabeça na minha, e continuamos assistindo televisão, no canal de esportes.
— Desculpe pelas merd*s que eu faço também.
— Quero ver você bem e formada, se possível.
— Isso não é pedir demais já?
— Talvez.
Rimos e voltamos a assistir televisão.
[1] Primeiros Erros (Chove), Kiko Zambianchi.
Fim do capítulo
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Marta Andrade dos Santos
Em: 08/07/2021
É uma luta diária que bom Alana vc está tentando.
Resposta do autor:
torcemos que as coisas continuem assim para melhor ??
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