Te vejo na noite escura
Quinto dia de sobriedade.
— Nana, você está pálida, está bem? – perguntou Matheus enquanto jogava no telefone e me olhava de soslaio.
— Estou ótima.
Suava frio, e sentia minhas mãos trêmulas.
— Está sóbria, não é?
— O Alan pegou todas as minhas coisas, não me deixou nem com um cigarro, que mal um cigarro faz?
— Muitos, Alana – ele olhava para mim e para a tela – Alan ao menos uma vez na vida está dando uma dentro.
O suor descia do meu rosto, e tudo me irritava.
— Passei o final de semana em casa, não sabe a merd* que foi, até maratonei uma série com o Alan.
— Que milagre é esse do Alan não estar na casa da Valentina? – ele continuava olhando para a tela.
Fiquei em silêncio, ainda não era o momento de comentar sobre o ocorrido.
— Ele quis fazer uma programação de irmãos, coisa do tipo na folga dele.
— Entendi. Como ele está?
— Está bem até.
Minhas mãos tremiam, e mordia os lábios devagar. Ele percebeu minha apreensão e colocou sua mão sobre a minha.
— Nana, você tem certeza de que está bem? Não quer tomar um refrigerante, comer algum doce?
— Sim, eu... – disse, me levantando – Só preciso dar uma volta, beleza?
— Tranquilo, vou te esperar na sala então.
Caminhei a passos lentos, quase descompromissados para o outro campus. Subi as escadas e bati na porta.
— Pode entrar.
Abri a porta e caminhei em meio aquelas longínquas mesas. Catarina conversava com um homem mais velho, sério, discutindo sobre algum assunto no quadro. Ela me olhou de soslaio, tentando não perder o foco, e ele me olhou sério, de forma repreensiva.
Ela continuou falando com ele, e eu me sentei em uma das cadeiras vagas. Após alguns minutos, o homem veio até mim:
— No que posso te ajudar, mocinha?
— Ela é uma conhecida minha, professor. Não tem do que se preocupar – disse ela, colocando a mão no braço dele.
— Tudo bem então – ele respondeu olhando para ela – Amanhã discutimos o outro passo do relatório.
— Certo, professor.
Ele assentiu para nós ao sair pela porta. Catarina deu as costas e arrumou suas coisas.
— Aconteceu alguma coisa?
— Tirando o fato de que faz em torno de dois dias que eu não durmo, suo frio constantemente, senti enjoo a noite toda e uma ansiedade do caralh*, nada.
Ela olhou por trás, e se virou para mim.
— Você está em abstinência? – e se aproximou de mim.
— Sim, senhora.
Catarina gesticulou para que eu a olhasse, e abriu meus olhos, os analisando e tocou em meu pulso.
— Mãos macias a sua – comentei.
— Não falei a você que íamos tirar isso aos poucos pra você não ficar assim?
— Não fui eu, foi o meu irmão – disse enquanto ela me analisava – Deve ter conversado com minha mãe sobre isso e agora está nessa política de tolerância zero, revirou até as minhas coisas.
— O problema é que esse momento é o mais complicado e ainda não tinha dado todos os passos com você – ela soltou meu pulso – Mas nada que não dê pra reverter.
— E ainda fala que não é doutora.
— Ainda não sou, mas em breve, espero – ela pegou uma cadeira e sentou em minha frente – Olha só, Alana...Você quer mesmo se livrar disso?
— Não.
— Então não tem como eu te ajudar, você vai voltar a se dopar.
— Pra quê eu tenho que viver sóbria se minha vida é uma merd*?
— Sua vida não é uma merd*, Alana. Você que ainda não superou seus gatilhos emocionais, e pelo visto ainda não quer.
— Acha mesmo que eu gosto de viver assim?
— Você acabou de me responder falando que não quer mudar de vida se é tudo uma meda, agora está falando nesse tom – ela cruzou os braços. Pensei bem antes de falar alguma coisa, mas percebi o que ela tinha dito de fato.
— Mas que merd*, você é boa mesmo nessas coisas.
— A abstinência de nicotina é a pior – ela se levantou, pegando uma prancheta, passando pelos papéis que tinha nela – Sugiro que você não cesse o cigarro de uma vez, pelo menos não agora, mas sim os outros que você chama de MD, LDS, todos nessa classe.
— E o que eu faço com essa vontade de morrer que sinto agora?
— Isso são sintomas físicos, vão passar logo se você fizer o que vou te pedir – ela olhou para mim.
— Faço qualquer coisa.
— Exercite-se, se puder correr, seria ótimo – ela andou de um lado para o outro – Você falou que adora a comida do seu irmão, peça pra ele fazer pratos com bastante frutas e verduras, tome bastante água porque ajuda e...Se cerque de pessoas que você ama e que te amam, você vai precisar.
— Essa última parte é a mais difícil...
— Outras pessoas estão nessa fase do estudo, umas já próximo de completar e vimos que isso ajudou a todas – ela colocou a prancheta na mesa, voltando a se sentar – e mantenha a sua mente ocupada, não esqueça isso. Não é tão fácil, mas não é impossível.
— E tem mais alguma coisa?
— Use o modo de recompensas a seu favor – ela deu com os braços – Depois de um dia difícil, dê alguma coisa de presente a você mesmo, garanto que funciona. Um chocolate, por exemplo, mas não abuse, já que nesse momento, sua mente vai querer trocar um vício por outro.
— Só?
— Sim – ela puxou o papel da prancheta ao seu lado – E leve isso.
Olhei para o conteúdo no papel. Era o que ela tinha me dito, mas com uma frase no final.
— “Não esqueça, você é importante e vai conseguir” – dei um sorriso e voltei a olhar para ela – E se eu não conseguir?
— Tentamos de novo, porque você vai conseguir. Pode não ser agora, mas pode ser na próxima, e na outra...
— Beleza – levantei, guardando o papel no meu bolso enquanto eu caminhava para a saída, com ela atrás de mim.
Quando estava na porta, parei e a olhei de relance.
— Você diz isso para mim e mais quantos?
— Vinte e nove, para ser mais exata.
Encarei-a, e dei um sorriso de canto. Ela cruzou os braços, me encarando de onde estava sorrindo de forma presunçosa.
— Você é durona mesmo.
— Até a próxima, Alana – ela deu as costas e fechou a porta, e assim segui o caminho de volta para minha turma.
*
A sensação da sobriedade era estranha. Era doloroso ver o mundo sem filtro nenhum, sem nada que faça sua sensação de realidade ser distorcida, e tudo era sentido de forma muito intensa, principalmente coisas que eu costumava ignorar.
Como as conversas de pessoas transeuntes que passam ao meu lado, a brisa da noite, o barulho dos carros.
Entrei naquele local mais uma vez, e enquanto andava pelo meio do salão, a atendente me recepcionou:
— Já sei o que veio fazer – ela me cumprimentou e foi até a parte de trás. Não demorou até que ela viesse até mim novamente.
— Ela falou que sabe onde encontrar – e se aproximou de mim. Passei pelo corredor e entrei na sala, que dessa vez estava totalmente escura.
— Lavínia? – e logo ouvi a porta atrás de mim se fechando, assim como as mãos de alguém tocando minha cintura, o que me fez pular.
— Te assustei? – disse ela, passando as mãos por minha cintura.
— Com certeza – respondi, segurando suas mãos.
— Você está bem? – ela perguntou, segurando minhas mãos com firmeza – Sua mão está gelada.
— Efeitos da abstinência, mas vou ficar bem – virei para ela – Por que aqui está tudo escuro?
Ela levou minhas mãos até o seu rosto, que estava descoberto.
— Surpresa – Lavínia disse, com uma voz sugestiva, e colocou as mãos em meu peito, me empurrando para trás. Caí em uma cadeira, e ela se sentou em cima de mim.
Toquei o seu rosto mais uma vez, com as pontas do meus dedos, até chegar a sua boca. O toque macio dos seus lábios contra meus dedos me arrepiava, e sentia sua respiração quente se aproximar.
Suas pernas roçavam contra as minhas, e suas mãos deslizavam pelo meu corpo. Ela passou seus lábios sobre o meu rosto, e passava as mãos de volta em meus ombros, puxando-me mais para si, e sua respiração quente se aproximou ainda mais de mim.
Tudo era intenso demais, já que como não conseguia ver nada, a única coisa que conseguia me concentrar era no seu toque, e no meu toque contra ela. Ela tateava com a ponta dos seus dedos pelo meu rosto e pelo meu pescoço, cravando suas unhas contra ele. Segurei sua cintura com firmeza, e voltei a sussurrar em seu pescoço.
— Até quando vai fazer isso comigo?
— Até que você me beije.
Suspirei fundo ao ouvir aquelas palavras, segurei em suas pernas, levando-a devagar contra a parede, no qual ela foi me guiando. Aproximei meu rosto ao dela e, ao sentir suas mãos novamente tocando meu rosto, encostei meus lábios contra os dela.
Ela passou os braços em meu pescoço, puxando-me para que ficasse colada a ela e assim, ela continuou tocando meus lábios, e com isso, a beijei.
E foi o beijo mais intenso que tinha dado até então. Eu ofegava enquanto a beijava e ela fazia o mesmo, como se nós duas estivéssemos entrando em ebulição naquele momento. O toque rápido e intenso de sua língua contra a minha me motivava a fazer aquilo de forma ainda mais voraz, enquanto segurava sua perna, que passava por minha cintura.
Ela continuou o beijo, segurando meu pescoço e arrastando suas unhas contra ele. Sentia meu corpo arrepiar, e a excitação aumentar cada vez mais.
Quando nos separamos, ela estava ofegante, mas mesmo assim me puxou pela camisa para me beijar novamente, de forma mais intensa que da última vez. Sentia que, se continuasse daquele jeito, iria acabar de outra forma, mas parecia que era o que ela queria.
Passei as mãos pelos seus quadris, e ela me levou de volta para a cadeira. Quando ela se sentou em cima de mim novamente, segurou minhas mãos para trás e começou a beijar meu pescoço, arrastando os lábios sobre ele e beijando com firmeza, descendo mais a boca.
Suspirei alto por conta daquele ato, e ela pareceu ter gostado, já que continuou fazendo ainda mais, chegando até a minha cintura, porém, antes de que pudesse descer, ela subiu novamente.
— Isso fica para a próxima – disse ela, rindo, enquanto voltava a me beijar.
— Vai me deixar desejando você até a próxima? – sussurrei para ela.
— É a minha garantia de que você volta – Lavínia disse, se levantando de onde estava.
— Você é uma safada – exclamei enquanto me levantava, mas, antes que pudesse me levantar de fato, ela me empurrou de volta na cadeira.
— Você ainda não viu nada – e tocou meus lábios mais uma vez.
— Quando poderei ver você de fato? – perguntei, ao tentar me levantar mais uma vez.
— Não acha divertido não saber a identidade de alguém?
— Você sabe como eu sou, e eu não sei nada de você, não é justo.
— Então fazemos assim, da próxima eu falo um pouco sobre mim e você sobre você, combinado?
— E quando será a próxima vez?
Ela abriu a porta, deixando o feixe de luz vir de fora, vendo seu rosto reluzir sobre a máscara festiva preta que usava.
— Quando você se sentir à vontade para aparecer, pode me procurar – e saiu.
Fiquei alguns segundos ali, pensando no que ela tinha me dito, então ao sair, caminhando pela rua, lembrei onde tinha ouvido a mesma frase. Balancei a cabeça, rindo comigo mesmo, deixando minha imaginação ir longe.
Fim do capítulo
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