Ela por Lily Porto
Capitulo 2
Não me recordo de já tê-la visto sorrir antes. E se tivesse acontecido, com certeza, teria ao menos, a convidado para tomar um café, um suco, uma água ou olhar a chuva apenas... Que pensamento tolo! Esfreguei os olhos na tentativa de manter meus pensamentos e o meu corpo inteiramente presentes no recinto.
— Vai abrir a garrafa ou ficaremos apenas admirando?
— Gentileza gera gentileza. — Saí resmungando enquanto procurava o saca rolhas.
Ao voltar para perto dela, minhas mãos me traíram. Nunca tremi tanto na vida. Apesar da noite chuvosa, o frio não se fazia presente.
— Se me der licença, — tirou o objeto das minhas mãos — prefiro eu mesma fazer isso. É uma garrafa muito especial para ser finalizada de forma desastrosa.
— Ok! Como quiser.
Como alguém, aparentemente, tão frágil é, ao mesmo tempo, tão mal educado e grossa. Mantive uma distância segura dela, após pegar uma das taças servidas. Ela fazia todo um ritual de degustação, apreciação ou sei lá como chamam.
A noite estava agradável. Abri a porta lateral que dava acesso ao final do beco. O vento cantava suave a melodia de cada gota de chuva que caía. Fechei os olhos deixando o cheiro de terra molhada misturado com o aroma do vinho, que exalava levemente, invadirem minhas narinas e me permitir sonhar por alguns segundos, com aquela mulher que estava dividindo o mesmo ambiente que eu. Ela, que outrora fora a musa inspiradora dos meus sonhos, estando eu, dormindo ou acordada.
O que estamos vivendo agora me parece um déjà-vu. Recordo-me vagamente de já passado por algo semelhante. Ao abrir meus olhos deparo-me com ela abraçando-me por trás. Suas mãos enlaçadas em minha cintura, seu queixo levemente pressionando meu ombro enquanto dizia ser a mulher mais feliz do mundo por enfim ter decidido dividir a vida comigo...
O barulho de algo caindo e quebrando me trouxe de volta a realidade. Ao olhar para trás, percebi que a minha hóspede tentava se livrar do rastro de vidros que acabara de fazer com a bandeja que deixou cair no chão.
— Perdão! Não foi minha intenção. Acrescenta o prejuízo a minha conta.
— Tem coisas que não tem conserto.
Saí porta a fora deixando a chuva molhar meu rosto. Lágrimas molharam a minha face com um misto de angústia e saudade. Não sei explicar o motivo de tais sentimentos, mas me permiti apenas ficar ali, com os olhos fechados, enquanto a chuva lavava as lágrimas que insistiam cair dos meus olhos. Sem que eu soubesse ao menos o porquê de aquilo estar acontecendo.
Não sei mensurar o tempo que passei ali deixando que minha alma de certa forma fosse lavada. Senti dedos entrelaçarem os meus puxando-me gentilmente.
— Que ideia louca! Se precisa de um banho faz como todo mundo: abre o chuveiro ou enche uma banheira.
Em um minuto a chuva molhava-me, no outro eu já estava de volta a cozinha com uma toalha na cabeça e uma mulher histérica falando e gesticulando em minha frente. Confesso que tentei prestar atenção no que ela dizia, mas o contorno perfeito dos seus lábios não me deixou ouvir muito do que ela dizia. Apenas me deixei levar quando, gentilmente, ela me pegou pela mão e foi me guiando pelo corredor estreito que dava acesso ao saguão principal do hotel, e consequentemente, ficava a área de acesso aos quartos.
— Tira essa roupa molhada. Devo ter alguma peça mais quente na minha bolsa. Seca o cabelo quando terminar o banho. Não quero que pegue um resfriado.
Não me cansava de olhá-la, apesar de sua expressão brava. Estar ali no quarto dela, com ela, me causava uma euforia sem tamanho.
— Está me ouvindo? Estou falando com você, Bárbara.
Até meu nome ficava lindo em sua boca. Meu nome... Como ela o sabia?
— Ei! Vamos tomar banho e tirar essa roupa molhada? Você está pingando.
— O que disse?
— Para você ir tomar banho. Sua roupa está ensopada.
— Não isso. De que me chamou?
— Bárbara. Não é esse o seu nome?!
— Sim, mas como sabe?
— Posso saber mais sobre você do que imagina. Agora vamos tirar essa roupa e tomar um banho quente.
— Vem comigo? — Sorri com a minha ideia.
— Claro que não! Você vai sozinha.
Apesar dos meus protestos, não consegui convencê-la a entrar no banho comigo. Ao voltar para o quarto, ela não estava mais. Apenas o abajur iluminava o ambiente. Tornando-o frio e nada acolhedor. Me levando a pensar o quê, de tão especial, a fazia escolher aquele quarto que, na minha opinião, era o pior que existia no hotel. Estava no meio do corredor quando escutei sua voz alterada, parecia discutir com alguém.
— Não importa! Não perguntei de quem se trata. Lhe dei uma ordem e quero que cumpra. — Franziu a testa ao me ver ali parada observando-a, sua voz ficou menos imponente ao completar. — Não se atenha a isso. Só faça o que mandei.
Enfiou o celular no bolso do roupão correndo para perto de mim perguntando.
— Como se sente? Quer alguma coisa?
— Estou bem. Não quero nada.
— Precisa descansar! — tomou minhas mãos em um gesto calmo — Suas mãos estão geladas. Vem comigo.
Me deixei ser levada por ela. A euforia mais uma vez invadia o meu corpo. Meu coração estava descompassado. Estávamos próximas à porta do quarto, quando a penumbra da noite invadiu nossos olhos.
— Vou ligar a lanterna do celular. Droga, não é possível. É muito azar para um só dia. — Sua voz tinha um tom de irritação — Descarregou.
Apertei levemente sua mão na tentativa de tranquilizá-la.
— Vamos andando. Logo estará em seu quarto.
Ouvi sua respiração tão forte que achei que estava passando mal.
— Está tudo bem? — Perguntei preocupada.
— Sim. Só não lido muito bem com surpresas.
— Eu te protejo do escuro.
Se pudesse enxergar através do escuro, diria que sua respiração de alivio veio acompanhada de um lindo sorriso, após entrarmos em seu quarto.
Continua...
Fim do capítulo
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