Ela por Lily Porto
Capitulo 1
Olhar aquela placa só me lembra as inúmeras vezes que a vi passar. Uns dias tristes, outros sorridentes, outros nem tanto, mas ela sempre aparecia, ao menos, duas vezes na semana. Seus olhos negros e o sobretudo claro, parecia sempre estar vindo de uma noite mal dormida, uma festa inacabada talvez.
Apesar de sempre observá-la, nunca ouvi sua voz. Todas as vezes em que, aqui chegou, fora atendida por minha mãe. Depois que a vi duas semanas seguidas, busquei no livro de hóspedes os dias em que se hospedava. O ritual se repetiu. Em uma semana aparecia às terças e quintas, na outra às segundas e quartas. E assim foi até o dia de minha partida. E se mamãe não resolvesse vender nosso primeiro hotel. Naquele beco onde aprendi a dar os meus primeiros passos. Com o passar dos anos, eu não saberia que o tempo não havia sido bom para ela como foi para mim.
Estava concluindo uma planilha de gastos, quando meus ouvidos me traíram ao escutar sua melodiosa voz.
— Boa noite! Gostaria do mesmo quarto de sempre, por favor.
— Desculpa, mas não estamos funcionando no momento. O hotel está mudando a direção...
— Márcia! — me intrometi na resposta que a recepcionista dava a ela — Você poderia ligar para a lavanderia? Preciso que eles enviem as notas fiscais desse mês para finalizar a planilha.
— Dona Bárbara, se puder aguardar um instante, pois estou explicando a senhora que não estamos...
— Não! Não posso! — Sorri nervosa, tentando aparentar uma calma inexistente, diante da euforia de estar frente a frente com ela, não podia perder aquela chance. — Pode deixar que finalizo o check-in da nossa hóspede.
— Mas...
— Não se preocupe, Márcia. Ainda lembro como se faz.
A mulher passou por mim com a expressão de que não estava entendendo nada, ainda assim, não parou de tentar explicar a nossa hóspede que não estávamos funcionando naquele momento.
— Não pude deixar de escutar a conversa, e se bem entendi, você está ocupada com uma planilha. Posso esperar a moça voltar, não quero te atrapalhar.
— Não se preocupe, estou aqui para te servir! Em que posso ajudar?
Ela me olhou desconfiada. Pareceu hesitar por alguns minutos tamborilando os dedos no balcão. Meu coração batia descompassado. Aquele silêncio estava me matando. Vendo que a resposta para a minha pergunta não apareceria, apelei.
— Bom... Já que não posso ajudá-la, só resta-me agradecê-la pelo tempo que nos escolheu como refúgio. Precisarei fechar as portas. Os novos donos querem remodelar o estabelecimento para colocá-lo em funcionamento o mais rápido possível.
— Novos donos? Como assim?
Parece que a minha brilhante ideia surtiu o efeito desejado. O misto de susto e decepção estampados em sua face me diziam que havia conseguido captar sua atenção.
— O hotel foi vendido e hoje será a última noite que as portas serão fechadas como um hotel. Logo aquela placa será substituída...
Não me deixou completar a frase, alegando de forma ansiosa.
— Por favor, reserve o quarto de número treze para mim. Preciso me despedir desse lugar que... — Calou-se com lágrimas nos olhos. Fiz o que me pediu, agora com o peito apertado por tê-la deixado daquela forma.
— Pronto, pode subir. Me desculpa... — sumiu da minha frente como um passe de mágica.
Expliquei para a Márcia que ela já estava liberada. Como tinha admitido uma hóspede em um hotel sem funcionários, caberia a mim ficar com ela. Afinal, os seguranças não tinham obrigação de servir os hóspedes.
Liguei para a minha mãe explicando o que tinha acontecido, e ela apenas desejou-me “Uma ótima noite! Lembre-se de ser gentil com a nossa mais fiel cliente”.
Passava das dez da noite quando o telefone da recepção tocou me fazendo lembrar que não estava em casa.
Minha hóspede, gentilmente, perguntou-me se existia alguma possibilidade de ela conseguir jantar sem sair do hotel. Afirmei que sim, e que inclusive os aplicativos de entrega seriam uma ótima saída para tal. Ao ouvir o seu pigarrear do outro lado da linha acompanhado de um “muito obrigada”, entendi que aquela não era uma boa ideia.
Duas horas depois desliguei o notebook e me dirigi a pequena adega que tínhamos no sótão. Para minha sorte, encontrei por lá abandonada uma garrafa de Bartolo Mascarello Barolo DOCG, Piemonte, Itália – Safra 1985.
— Um belo ano!
Sorri voltando para a cozinha com a garrafa nas mãos. Qual não foi a minha surpresa ao entrar no ambiente a meia luz e me deparar com a minha hóspede recostada a bancada principal, olhando para o vazio a sua frente.
— Não quis te assustar, achei que estivesse sozinha!
Com uma mão no peito e a outra colada a garrafa, inspirei profundamente antes de responder.
— Bom... Já que lhe admiti, precisava ficar aqui para zelar pelo seu sono. Posso ajudar em alguma coisa?
Seu olhar parecia interessado no que trazia em minhas mãos, mesmo ainda empoeirada a garrafa se destacava sozinha.
— Estou com fome, — afirmou cansada, seu hobby entreaberto na altura dos seios não passou despercebido aos meus olhos. Percebi que aos dela também não, mais que depressa arrumou o decote me deixando envergonhada — achei que pudesse encontrar alguma fruta por aqui.
— Achei que já tivesse cedido a tentação dos fast food.
— Não como qualquer coisa a noite. Me tira o sono!
— Temo não poder ajudar. Tenho apenas pão dormido, queijo e essa garrafa — mostrei o objeto — de vinho. Que talvez não te faça bem.
— Hum! Aceito o convite.
— Mas eu não...
Não me deixou concluir, arrancando a garrafa de minhas mãos limpando a poeira do rotulo.
— Algo me diz que a noite será maravilhosa! — Sorriu mordendo o lábio inferior sem parar de olhar para a garrafa agora em suas mãos.
Continua...
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]