Enquanto você dorme
— Vira, vira, vira!
Já íamos para o segundo dia de festa em casa. Haviam pessoas que nunca tinha visto na vida transitando pela nossa pequena casa, e as garrafas de bebida se amontoavam junto as bitucas de cigarro, entre outras coisas.
O som já havia incomodado os vizinhos, e as garotas não paravam de chegar. Alan visivelmente não estava bem, mas não podia falar nada sobre.
Estava sentada no sofá improvisado da nossa casa, em um momento de total torpor. Alan virava um barril de cerveja, ficando todo molhado, enquanto os amigos dele gritavam, carregando-o no colo. Perguntei-me se fariam isso se conhecessem Alan como eu conheço.
Devia ter beijado umas três garotas diferentes, convidadas de convidados dos convidados. Uma me chamou para ir ao quarto com ela, mas acabei recusando.
Estava chapada demais para pensar em outra coisa.
Minhas mãos seguravam uma garrafa de cerveja, que esquentava, e na outra um cigarro. Já tinha bebido tanto que qualquer cerveja que bebesse teria o mesmo gosto.
Alan estava de coração partido, e tentava colar de qualquer forma, por pelo menos um momento. Ele também sabia que não poderia ser feliz assim.
— Alana, tenho uma coisa para te falar.
— O quê?
— Nunca confie em mulheres.
Uma das garotas da escola tinha dado um fora colossal nele na frente de toda a turma, mas mesmo assim, ele não estava mentindo.
— Alan, posso conversar com você?
— Claro, o que aconteceu?
Somos parceiros desde sempre, é o que ele dizia. E desde então, ele sempre cumpriu sua promessa, assim como eu cumpria a minha a ele.
— Somos cúmplices, esqueceu?
Pode contar comigo pra tudo.
— Nana?
Uma voz de longe me chamava, no meio da minha imersão de pensamentos.
— Alana?
Pisquei algumas vezes, e vi que era um dos amigos de Alan.
— Posso me sentar aqui com você?
— Claro, Nando, à vontade.
Alan e Fernando eram grandes amigos desde a faculdade. Fernando era uma pessoa calma e simpática, mas vivia ouvindo comentários maldosos do círculo de amizade de Alan.
— Você está doidona, sua cretina.
Com ele, eu podia ser sincera.
— Vai se foder, Nando.
Olhei para ele de soslaio, e voltei a beber.
— Alana, meu amor, você sabe que eu te adoro, mas até eu ando preocupado com você, e olha que sou uma bicha festeira.
— Está tudo sob controle, não precisa se preocupar.
— Meu bem, você tem uma vida toda pela frente – ele falava com atenção – Não dá pra ver você se acabar por causa de gente que não te valorizou.
— Gente você diz todos que eu amei um dia, né?
Olhei para ele mais uma vez, e voltei a fumar. Ele se aproximou de mim, colocando as coisas que segurava no chão, segurando minhas mãos.
— Se eu superei, você consegue superar, você sabe.
— Nando, mas eu...
Encarei o chão, mas ele continuou falando.
— Tudo bem curtir de vez em quando, a senhora é humana, mas a sua vida é regada a curtição o tempo inteiro. Isso não é só curtição, isso é um vazio, e outra, o seu irmão já sabe o que você anda fazendo.
Levantei o olhar e cerrei os olhos.
— O quê?
Ele deu com os ombros, olhando de forma sugestiva para mim.
— Merda... – balancei a cabeça negativamente.
— Sim, senhora.
— Que merd*, Fernando.
Não conseguia encarar ele, mas mesmo assim, ele passou as mãos no meu cabelo de forma afável.
— Querida, não esqueça que você tem amigos que te amam, ouviu?
Levantei a cabeça, e o abracei com força.
— Valeu, Nando.
— De nada, querida. Sabe que qualquer coisa, se quiser conversar, estou aqui.
Voltei a beber, mas, ainda encarando o chão, me levantei.
— Vou dar uma volta.
— Vê se não some.
*
— Me veja uma cerveja, por favor.
— É pra já.
Andei de um lado para o outro. Era meio da noite, mas ainda estava lotado. A multidão que se concentrava de um lado para o outro, aguardando a atração principal que foi chamada no interfone.
Homens se aglomeravam ao redor, gritando suados um ao lado do outro. Fiquei de escanteio, ao lado do palco.
Ela apareceu, usando uma fantasia toda colada no corpo, como a Mulher-Gato. A multidão ia à loucura com seus jogos de pernas, e logo ela chamou um dos homens da plateia, puxando pela gravata, fazendo uma performance como a música pedia.[1]
Ela o sentou, e com o chicote em mãos, bateu nele. Ela o dominava, e ele gostava daquilo. Ela voltou a rebol*r, de cima para baixo, bem em frente a todos eles, e passava as mãos sob as pernas, se instigando, e quando o homem da cadeira tentava tocá-la, ela o chutava com as botas de bico fino dela. Ela dominava toda a multidão, que se aglomerava apenas para ter a oportunidade de olhá-la.
Quando a música acabou, ela se afastou, e as cortinas se fechavam. Bebi a cerveja, e andei pelos lados, indo me sentar em um dos outros sofás. A multidão se dispersava, e uma das garotas dançavam em meio a um pequeno aglomerado de rapazes, que pareciam lobos analisando um cordeiro.
Bebi um pouco mais, e coloquei a cabeça para trás, no encosto do sofá.
— Está esperando alguém?
Quando levantei a cabeça, vi que era Lavínia, que já tinha mudado de roupa.
— Sim, mas ela acabou de chegar.
Ela deu um sorriso presunçoso, e colocou seu drinque na mesa em frente ao sofá.
— Sabe que não é a única pessoa que vem atrás de mim, não é?
— Sei sim.
Brindei com minha garrafa em seu copo, enquanto voltamos a beber.
— Ainda está no trabalho?
— Digamos que estou no meu intervalo – ela respondeu, se aproximando de mim – O que te trouxe até aqui?
— Dar mais desgosto a meus pais, suponho.
— Você se considera um mal exemplo?
— Um péssimo exemplo que chora por mulher no banho – disse, rindo – Entre outras coisas inapropriadas.
— O que seria mais inapropriado do que ser uma dançarina de boate que lida com homens excitados o tempo inteiro? – ela perguntou, rindo, encarando-me diretamente diante da luz neon da boate.
Aproximei-me dela, ficando a poucos centímetros do seu rosto, e ela não afastou nenhum centímetro para trás.
— Eu saio com mulheres casadas que bancam minha vida mundana – sussurrei para ela – E não sinto um pingo de remorso dos seus maridos.
Ela cerrou os olhos, e tocou em meu queixo.
— Todos nós temos segredos.
— E qual é o seu? – perguntei.
Ela se aproximou de mim, e colocou as mãos em meu rosto, sussurrando em meu ouvido.
— Trocaria todos esses homens excitados que me procuram se toda a noite tivesse uma garota como você.
Lavínia se afastou de mim, e levantou mais uma vez o drinque, brindando.
— Você fala isso para mim e mais quantas?
— Porque você não tenta descobrir? – e colocou a mão sob a minha, encarando-me bem de perto.
— Lavínia, vamos? – disse uma das dançarinas do local.
— Com licença, mas acho que minha folga acabou – e se levantou.
— Como faço pra saber isso? – questionei-me, sem deixar de tirar os olhos dela.
— Sabe onde me encontrar – e deu uma piscada para mim, indo embora junto com a dançarina.
Olhei para ela andando de um lado para o outro, dando uma olhada rápida para trás com seu sorriso presunçoso. Sorri de volta e me levantei, indo noite afora para a festa que ainda me aguardava em casa.
[1] WAP (feat. Megan Thee Stallion), Cardi B, Megan Thee Stallion.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Marta Andrade dos Santos
Em: 03/07/2021
Nossa Alana está no fundo do poço.
Resposta do autor:
Alana gosta de brincar com o perigo ????
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