Acidentes acontecem
— Alana?
— Sim?
— Por que você está de óculos escuros no meio da aula?
— Estilo – respondi ao Matheus, que estava encostado na minha cadeira.
— Alana, você pode me falar a aplicação da ética kantiana no exemplo que seu amigo acabou de dar?
— Eu não faço a mínima ideia, professor – respondi, dando os ombros – Não estava prestando atenção.
— Gosto da sua sinceridade, mas da próxima vez eu vou tirar meio ponto seu.
— Que seja – voltei a rabiscar meu caderno.
— Você tomou alguma coisa antes de vir para cá? – Matheus sussurrou para mim.
— Como você adivinhou? – dei um sorriso para ele.
— Não vou falar mais nada – ele deu com as mãos – Você sabe o que faz da vida.
A aula acabou, dando início ao intervalo. As pessoas se dispersaram, e o vento frio batia em meu rosto, logo coloquei minhas mãos por dentro da jaqueta e caminhei pelo campos junto com Matheus. Saquei um chiclete do fundo do bolso e o mastiguei, olhando meus passos no chão.
— Tenho que passar na biblioteca, temos uma resenha para entregar semana que vem, lembra?
— Na verdade, não lembro, mas a minha dupla vai cuidar disso, não é? – dei uns tapinhas no ombro dele, que me olhou com reprovação.
— Cara, sabe que eu...Não estou muito a fim.
Ele continuou me olhando com reprovação, com os braços cruzados.
— Vamos para a biblioteca, agora.
Matheus me empurrou até a biblioteca, segurando por minha jaqueta. O efeito ainda estava presente, então o mundo ao meu redor se distorcia, com rostos engraçados e murmúrios distantes.
Chegamos até lá, e enquanto Matheus foi até a bibliotecária, fiquei vagando por entre os corredores de estantes, até que cheguei na parte em que estavam as pessoas nas mesas, lendo. Tentei passar da forma mais silenciosa possível, mas, distraída, acabei batendo em uma das mesas, e logo levantei os óculos.
— Desculpe, eu...
A pessoa levantou o olhar. Era a garota do outro dia.
Ela me olhou, ajeitando os óculos. Estava envolta em uma pilha de livros e anotando alguma coisa.
— Tudo bem, sem problemas.
E voltou as anotações. Ela estava usando um casaco de lã que vinha até as mãos, e mordia a tampa da caneta.
Sentei ao seu lado, sem dizer nada. Ela também não fez menção à nada.
— Estou atrapalhando?
— Não, só estou passando algumas coisas a limpo – ela respondeu, sem levantar o olhar.
— Você cursa o quê? – perguntei, olhando os livros dela.
— Psicologia, e você?
— Filosofia.
— Interessante – ela continuava a anotar – E no curso, vocês precisam estar sob efeito de psicotrópicos?
— O que você está falando?
Ela levantou o olhar, dando um sorriso presunçoso.
— Suas pupilas estão dilatadas, o que explica o uso de óculos escuro, suas mãos estão pálidas e sua boca também, o que indica queda de pressão, e pelo seu agito, concluo que tomou ecstasy antes de vir para cá, mas não uma quantidade grande a ponto do barulho te deixar incomodada, metade talvez?
Abaixei o óculos para encará-la, e ela deu um largo sorriso.
— Você é algum tipo de feiticeira?
— Minha tese de mestrado é nessa área.
Dei um sorriso de canto, com as sobrancelhas levantadas, surpresa.
— Então você já está aprovada.
— Ei, vamos? – Matheus disse atrás de mim.
— Oi – ela diz para Matheus, acenando enquanto me levanto.
— Oi – ele dá um sorriso tímido, acenando de volta.
Mas, antes que eu fosse embora, parei a meia-volta que estava fazendo e voltei a olhar para ela.
— Qual é seu nome? – perguntei a ela.
— Catarina – e deu um sorriso amigável para mim – E o seu?
— Prazer, Catarina – estendi o braço para ela, cumprimentando-a – Eu sou a Alana, e esse é meu amigo, Matheus.
— Um prazer conhece-los também.
— Até a próxima.
Dei meia-volta, e Matheus sussurrou para mim:
— Quem é essa?
— Não sei, conheci agora.
— Ela é bem bonitinha – ele deu uma olhada para trás.
— Lá vai você e seus amores platônicos... – revirei os olhos, colocando os óculos de volta – Vamos lá pro bar do tio Miguel.
— Alana, hoje ainda é quarta.
— E o que tem?
*
Cheguei em casa tropejando. Tentei ligar a luz, mas acabei escorregando pela parede, e vejo que a luz da cozinha está ligada.
— Alan? – disse em palavras atravessadas.
Mas ninguém respondeu, então continuo caminhando a passos lentos, já que meus pés se cruzam enquanto eu caminho.
— Alan, caralh*?
Tateei meu bolso, procurando a carteira de cigarro, e acendi um cigarro no fogão.
— Mas que merd*... – puxei uma cadeira e sentei, tragando o cigarro.
Coloquei a cabeça para trás no apoio da cadeira, e senti a fumaça da nicotina subindo.
— Vamos fugir então, eu e você?
— Quando?
— Agora, vamos agora.
— E para onde iremos?
— Qualquer lugar que seja com você.
— Você falou isso para mim e para quantas?
— Só para você.
— Inferno, caralh*!
Levantei-me e fui abrir a geladeira, pegando o resto do vinho que tinha, entornando no gargalo mesmo o líquido em minha boca. Voltei a me sentar na cadeira, tragando o cigarro em minha boca.
— Alana, cheguei! – ouvi a voz de Alan passando pela porta da frente – Mas que porr* de cheiro de cigarro é esse...Alana?
Alan veio até a cozinha, segurava algumas sacolas de compras. Olhou-me de forma repreensiva, mas logo colocou as coisas em cima da mesa.
— O que conversamos sobre fumar dentro de casa? – ele disse, pegando o cigarro da minha mão, amassando na parede e jogando pela janela – O cheiro fica empesteado na casa toda.
— Desculpe – virei o resto do vinho em minha boca, limpando meus lábios com a manga da camisa.
— Você está bem? – Alan perguntou enquanto tirava as compras da sacola, me olhando de relance.
— Estou de boa.
— Alana – ele olhava sério para mim, parando de mexer nas compras – Sabe que pode conversar comigo.
— Não quero falar sobre as mesmas coisas sempre.
— Então vem me ajudar aqui com as compras.
Levantei, me apoiando na cadeira e coloquei a garrafa em cima da mesa. Alan me olhou de soslaio, abrindo a geladeira.
— Você tá bêbada como um gambá.
— Eu sei – respondi, rindo – Pega, coloca isso na geladeira.
— Deveria maneirar de vez em quando, sabe?
— Sei – peguei a garrafa de vinho e tomei mais uma vez.
— Me dá logo isso – Alan pegou a garrafa da minha mão e deu um gole – Agora, me passa aquela outra sacola.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Sem comentários
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook: