Sinto muito, mas não posso explicar
— Alana, você pode fazer o favor de tirar os pés de cima da mesa?
— Claro, professor. Sem problemas.
Olhei para o telefone mais uma vez. As horas não passavam, e a aula se arrastava. Revirei os olhos e olhei para o lado, Matheus estava escrevendo de forma paciente as anotações do quadro. Estava completamente entediada, batendo com a caneta entre os dentes, até que o alarme finalmente soa.
— Não vão esquecer do seminário da próxima aula! – diz o professor enquanto nos levantamos.
— Não aguento mais essas aulas de Lógica! – disse para Matheus, que arrumava suas coisas.
— Não são minhas preferidas também, mas o que podemos fazer? – ele pegou sua mochila e saímos pelos corredores, andando entre os alunos.
— Mas e aí, vamos sair mais tarde?
— Com certeza – ele deu um sorriso sugestivo – Vamos naquele lugar no qual te falei.
— Tem certeza? – levantei uma das sobrancelhas, encarando-o.
— Está com medo? – Matheus disse, tentando conter o sorriso, então o empurro devagar, olhando diretamente para ele.
— Mais fácil você estar com medo, seu...
Até que senti um impacto contra mim, e acabei dando alguns passos para trás. Quando olhei para frente, vi que alguém se chocou comigo, caindo no chão.
— Me desculpe, você está bem? – disse para ela, enquanto ajudava a pegar seus livros, olhando para o chão.
Quando levanto o olhar, vejo que é uma garota. Ela usa roupas formais e uma camisa longa, e assim que junto suas coisas, vejo seu óculos no chão.
— Eu que peço desculpas, estava distraída.
— Aqui está seu óculos – estiquei minha mão, que segurava seu óculos. Ela os colocou, e pelo peso que ele tinha, vi que eram grossos.
Ela usava o cabelo preso no alto, com as mangas da camisa longa enrolada. Ao se levantar, vi que segurava um jaleco em um saco.
— Desculpe, mais uma vez – disse, entregando suas coisas.
— Não tem o que se preocupar, obrigada – e de cabeça baixa, ela se retirou do local, a passos rápidos.
Mantive o cenho franzido enquanto a via ir embora. Matheus me deu uma cutucada, seguida de um pigarreio.
— Que cena de comédia romântica foi essa? – ele disse, levantando as sobrancelhas rápido.
— Deixa de bobagem – dei um soco leve em seu ombro, e assim seguimos nosso caminho para fora da universidade.
*
— Para onde está indo?
— Vou sair com o Matheus, está a fim de ir? – disse a Alan enquanto colocava minha camisa xadrez. Ele estava sentado na minha cama, jogando uma bolinha na parede e pegando de volta.
— Melhor não – ele perguntou sem tirar os olhos da bola.
— Qual é, vocês vão ter que se resolver uma hora ou outra – continuei falando sem tirar os olhos do espelho, arrumando o cabelo.
— Alguma hora, mas essa não é a melhor – ele pegou a bolinha, virando para me olhar – Você está até arrumada hoje.
— Valeu – joguei uma das minhas camisetas nele – Então vai fazer o quê daqui?
— Vou sair pra jogar um pouco com os caras, quer uma carona?
— Claro.
Ele me deixou em frente à casa do Matheus, que já estava na frente. Eles não se olharam, desci da moto dele e fui até ele.
— Não gosto desse clima estranho entre vocês – disse, puxando seu gorro.
— Eu não quero papo com teu irmão tão cedo – ele respondeu bufante – Vamos?
Pegamos uma condução até o lugar onde Matheus tinha dito e, após uma caminhada, vimos que o lugar estava lotado. A música tocava em uma batida marcante, com o grave marcado, e a fumaça se concentrava em frente ao local, assim como as risadas e a conversa.
Depois de ter cortado a multidão que ficava em frente, visualizamos o local. Era uma das mais requisitadas da cidade. Já éramos maiores de idade, mas nunca tinha ido a um lugar como aquele.
Haviam dançarinas no pole dance, por todo o lugar. Umas dançavam em vitrines e a luz do lugar era de um roxo neon, com detalhes azuis e vermelhos. Pessoas se concentravam em mesas, enquanto garotas dançavam em cima deles, e eles bebiam e conversavam, ou só apreciavam o show.
— E aí? – Matheus perguntou ao me ver analisando o local.
— Vamos aproveitar, cara – disse a ele, puxando pela jaqueta dele.
Pedimos um drinque, e Matheus puxou da jaqueta seu vape, logo dando duas tragadas. Ele passou para mim, que logo puxei também, deixando a fumaça subir alto. Brindamos e eu virei o drinque, uma mistura de vodka com água, de uma vez.
— Ei, vamos ficar de boa, esqueceu? – ele me alertou, puxando minha orelha.
— E vamos – puxei da carteira uma pequena balinha – Não tá a fim?
Ele olhou sério para mim, mas deu os ombros.
— Não, hoje quero ficar tranquilo.
Dividi com o cartão da faculdade a balinha, colocando metade da bala em minha língua e engoli com o resto de seu drinque, guardando o resto na carteira.
— Agora sim a noite começou – disse para ele, enquanto sinto o amargor descer em minha língua.
— Nana, você é maluca – Matheus disse, rindo.
*
Estávamos no meio da noite, totalmente ligados. Minhas pupilas estavam dilatadas, e eu ria de tudo, assim como ele ria do meu estado. Ficamos sentado em algum dos sofás que tinham no local, conversando sobre coisas sem sentido. As luzes piscavam em meus olhos, e eu me sentia etérea. Matheus estava com a cabeça encostada no sofá, encarando o teto.
— E então? – perguntei para ele.
— O quê?
— Você falou que veio ver alguém.
— Daqui a pouco ela vai aparecer.
— Você marcou com ela aqui?
— Ela trabalha aqui.
Matheus deu um sorriso largo, enquanto o olhava curiosa.
— E vai encontrar com ela assim?
— Não vamos nos encontrar – ele continuava sorrindo – Vamos vê-la.
— Boa noite, senhoras e senhoras. Chegou o momento mais esperado da noite – dizia uma voz de interfone, nos alto-falantes do local.
— É agora – ele me puxou pelo braço, enquanto a multidão se reunia em frente ao palco grande que tinha no local.
Começou a tocar uma música como um cântico de igreja, e a fumaça saía do palco enquanto as luzes começavam a se reduzir. Ficamos bem em frente, encarando as cortinas vermelhas fechadas.
— Há muito tempo – continuava a falar a voz – Uma garotinha dizia aos seus pais que queria ser freira, e sonhava com o paraíso. No entanto, depois de anos, ao entrar no noviciado, ela viu que a vida tinha uma coisa a mais para mostrar...
As vozes começaram a urrar, clamando pelo seu nome, que não conseguia distinguir no meio da multidão, que se aglomerava na frente. Matheus estava com os olhos acesos para as cortinas, e meus olhos ficavam sensíveis pelos jogos intensos de luz, até que tudo ficou escuro.
Os gritos ainda eram presentes, e a música continuava sendo entoada. No escuro, pude ver alguém chegando, e um foco de luz apareceu, focando nela.
Era uma garota vestida de freira, usando uma máscara carnavalesca preta, que cobria quase que a totalidade do seu rosto. A multidão estava eufórica, e ela ficou ali parada, sem dizer nada, e a música parou.
Olhava para aquela cena e olhava para Matheus e para as pessoas que se espremiam atrás de mim, até que a música mudou e ela abriu a roupa, dando vista à lingerie de couro vinil bastante explícito.
A plateia foi ao delírio, gritando seu nome.
— Com vocês, a Devassa no Paraíso.
Ela puxou a cadeira que tinha ao lado, e começou a performar em cima dela. Ela balançava a cabeça de um lado para o outro, no ritmo da música[1]. Continuei com os olhos arregalados olhando aquilo, e ela batia com o chicote no chão, fazendo os homens do local gritarem.
Ela balançava os quadris e a cintura, enquanto ia e voltava em cima da cadeira, com a boca entreaberta, passando o chicote no pescoço. Comecei a suar por conta da multidão contra mim, até que ela puxou a cadeira e girou para a frente da plateia, abrindo as pernas, mostrando suas botas de bico fino que vinham até o joelho. Ela passava as mãos pela boca, e eu não conseguia deixar de olhar para aquilo.
O suor descia do meu rosto, enquanto ela continuava fazendo aquilo em frente a todos. Em um certo momento, ela colocou a cadeira de lado e veio até a plateia. Olhou para todos nós e, depois de olhar novamente, olhou diretamente para mim, apontando e gesticulando para mim.
— O quê, eu?
A plateia começou a gritar, enquanto Matheus me empurrava para cima do palco.
— Vai logo, Nana.
A luz era forte vindo do palco, mas assim que subi, ela me empurrou com força para a cadeira, requebrando a cintura em minha direção.
Comecei a ofegar, enquanto estava hipnotizada pela garota de máscara. Nem conseguia ouvir direito mais a plateia, e só conseguia ter olho para seus lábios, que eram mordidos devagar enquanto ela ia e voltava no chão, no meio das minhas pernas abertas.
Após isso, ela sentou em meu colo, balançando em cima dele, alisando minhas pernas e vindo até meus ombros, tirando minha camisa.
Ela virou e ficou de costas para mim, requebrando sua cintura em meio a minhas pernas, enquanto descia passando as mãos em minhas pernas, até que ela virou para mim de novo e, ao ver que estava ainda mais ofegante, tirou a parte de cima de sua lingerie, deixando seus seios desnudos.
A plateia gritava e urrava, batendo no chão e no palco. Estavam indo ao delírio ao ver aqueles seios em minha direção, e eu não conseguia fazer nada ao ver que ela descia com a boca até a minha calça, dando um sorriso de canto, e logo voltando a sentar em meu colo, com os braços em meu pescoço.
A música acabou, e as luzes se apagaram.
Senti ela indo embora, e as luzes voltando. Estava tentando recobrar os passos, mas assim que comecei a andar, me senti enjoada.
— Caralh*, como você é sortuda – disse um estranho, batendo em meus ombros enquanto voltei a Matheus.
— E aí? – ele me perguntou, animado.
— Acho que vou vomitar – disse a ele, apontando para o banheiro.
— Falei pra você ir devagar, quer ajuda?
— Não, vou ficar de boa – e corri até lá.
*
De manhã, quando estava chegando em casa, vi que Alan estava acordado. Deveria ter acabado de chegar em casa também, e estava fazendo o café da manhã.
— Como foi a noite? – ele perguntou para mim, enquanto sentei na mesa de jantar.
— Recebi um lap dance de uma dançarina e tive uma puta bad de MD.
— Sério? – disse ele, coando o café – Mas está melhor?
— Da bad? Sim – gesticulei – Da dança ainda não.
— Ela era gostosa? – Alan serviu o café preto para nós, me dando uma das xícaras.
— Ela tinha belas pernas, mas não sei, não vi o rosto dela.
— E aí? E o Matheus? – ele soprava a fumaça que saía da xícara.
— Está apaixonado por ela, mas ela nem sabe da existência dele.
— Nenhuma novidade, até então – ele deu os ombros.
— Deixa de ser cruel, Alan.
— Não sou cruel, apenas atesto fatos.
Terminamos de tomar o café, e ele virou para mim.
— Tenta dormir um pouco.
— Bem que eu queria mesmo.
Cada um de nós foi até seu quarto, e assim que entrei no meu, fechei as cortinas e troquei de roupa. Quando me joguei na cama, o efeito da bala ainda estava presente, mas fechei os olhos mesmo assim.
Com os olhos fechados, lembrei daquela garota dançando em cima de mim, e a forma que ela me olhava me fez lembrar alguém que não devia.
— Você é maluca, e se nos pegam aqui?
— Se ficar em silêncio, ninguém nos pega.
— Como você vai me fazer ficar em silêncio?
— Vou te mostrar como...
— Mas que merd*! – enfiei minha cabeça no travesseiro, tentando me forçar a dormir, até que, pelo cansaço, acabei dormindo.
[1] Me Against the Music, Britney Spears (feat. Madonna).
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Marta Andrade dos Santos
Em: 31/08/2021
Sim com certeza gostei muito de lê obrigada por compartilhar sua escrita e sucesso.
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