De um jeito ou de outro
Eu já usava camisas mais longas que o habitual, mas depois do que aconteceu, a pedidos da minha mãe para que eu chocasse menos as pessoas, comecei a usar camisetas de mangas longas quando não usava uma camisa por cima.
Devia fazer em torno de uma semana desde que não ia, e para mim o tempo havia passado muito rápido enquanto estava longe daquele lugar. Quando cheguei na sala, vi o olhar curioso de Amanda pelos arredores da sala, como se procurasse por alguém. Quando sentei ao seu lado, ela abriu sua mochila e tirou meu livro, colocando em cima da minha carteira.
— Aqui, eu terminei o livro.
A animação de Amanda ao falar me contagiou para que eu acabasse dando um sorriso de canto ao guardar o livro.
— Você gostou?
— Sim, bastante – ela respondia com um largo sorriso – A história me prendeu. Teve um dia que dormi tarde para saber o que ia acontecer depois.
— Imaginei que fosse gostar.
— Você sumiu esses dias... – ela deixava o sorriso aberto para olhar com tenra seriedade – Está tudo bem?
— Sim, eu só... – balancei a cabeça, tentando disfarçar – Tive que resolver algumas coisas.
— Entendo – ela sorriu novamente.
Amanda quase sempre estava com um sorriso no rosto ao falar, isso quando não estava séria concentrada na aula ou resolvendo algum cálculo ou explicando algum deles para as pessoas que sentavam ao seu lado, admiradas pela notável destreza que ela tinha com números.
Minha cabeça ali que já não era a mais presente, não estava nem a ponto de eu conseguir desenhar ou rabiscar alguma coisa para poder passar o tempo. Nem uma música completa eu conseguia ouvir. Minha inquietação era notável, já que quando me pegava olhando para os lados, para meu lado direito, via Amanda olhando de relance em uma tentativa pessoal de checar para saber se estava tudo bem.
Eu não sabia muitas coisas sobre minha colega de turma que sentava todo dia à minha direita além do que eu ocasionalmente ouvia dela comentar com Luiza. Sabia que ela trabalhava em uma obra, não sei exatamente em que função, que adorava matemática, que gostava de estudar ouvindo a música da rádio porque a ajudava se concentrar e que era calorosamente católica.
Nunca conversamos a respeito, mas Amanda não precisava falar para saber da sua inabalável fé demonstrada sobre seu terço preso à sua mochila, assim como as imagens de santo de devoção que carregava no pescoço envoltos da pequena, mas presente cruz que entornava-a.
Questionei-me se era isso que fazia com que ela trouxesse esse senso de caridade para com os outros, mas seja o que fosse ou o que seguisse, uma coisa era inegável em Amanda no instante em que você tivesse contato com ela: sua espirituosidade latente no modo vivaz de se portar, que em muitas vezes se traduzia no afável sorriso em que ela dava quando conversávamos.
Amanda quando queria dizer alguma coisa, puxava os lábios para o canto, para em seguida comentar sobre e quando falamos sobre alguma coisa, ela inevitavelmente acabava dando um largo sorriso, daqueles que você vê aquela sensação que a pessoa sente passando pra você a ponto de que você se vê sorrindo de volta só de vê-la fazer isso.
Absorta em pensamentos, vi que estava olhando para ela por mais tempo que deveria, e vi que ela, mesmo no meio da sua resolução de contas, olhava do mesmo jeito, desviando o olhar.
E quando vi, tinha pensado nela por mais tempo do que esperava.
Quando segui o trajeto que fazia para casa, senti que alguém vinha atrás de mim, mas, sem coragem de olhar, segui o caminho caminhando ao mesmo passo. Ouvia o ranger de bicicleta, como se alguém a arrastasse, aproximando-se até que a pessoa chegou ao meu lado.
— Desculpe se isso for meio estranho – a voz dizia com latente receio – Mas é que eu vejo você indo embora sozinha e esse lugar é meio perigoso e...
Levantei o olhar, já que tinha reconhecido a voz grave da Amanda ao meu lado.
— Você tem razão, mas nada que eu já não tenha me acostumado.
Andamos um trajeto em silêncio e Amanda, dando uma leve tossida, voltou a falar.
— Eu posso te fazer uma pergunta?
— Sim, claro – dizia, olhando de soslaio, já esperando o pior vindo de qualquer comentário inoportuno da Luiza.
— O que você tanto anota em seu caderno? Quero dizer, não é da minha conta, claro – ela voltava a falar com receio – Mas é que até na hora do intervalo você está escrevendo nele...
— Nada – respondia, rindo baixo – Só desenho.
— Sério? – ela dizia com notável surpresa – E o que você gosta de desenhar?
— Muitas coisas – gesticulei com as mãos – Mas mais pessoas.
— Aprendeu tudo sozinha?
— Sim, fui procurando algumas coisas na Internet, mas aprendi mais praticando... – dei os ombros, percebendo que começara a me empolgar com o assunto – Não é nada demais.
— Posso ver? Quer dizer, se você quiser me mostrar um dia, claro, eu adoraria ver.
Ela se enrolava com as palavras, e pressionava os lábios devagar.
— Sim, sem problemas, posso levar amanhã mesmo.
— Sério? – ela deu o largo sorriso novamente – Seria ótimo.
Caminhamos novamente em silêncio, e foi nesse momento que me vi com a vontade de falar.
— E eu posso te fazer uma pergunta?
— Claro – ela disse balançando a cabeça, olhando para mim – O que seria?
— Ouvi você falando uma vez com a Luiza que trabalha em uma obra, é verdade?
Amanda levantou as sobrancelhas, surpresa.
— É verdade – ela concordou com a cabeça – Inclusive eu trabalho junto com o meu pai.
— Mas você diz obra na parte de assessoria de construção?
Ela olhou para mim e riu de forma tímida.
— Não, trabalhamos literalmente na obra como pedreiros – ela balançou os ombros – Sei que isso não é muito comum de ver, mas...
— Eu achei interessante – olhei em sua direção.
— Não, eu não faço nada demais – Amanda negou com a cabeça – Só o meu serviço...
— Pra você fazer o que faz não precisou da parte teórica e prática?
— Sim – ela balançou a cabeça positivamente, olhando para mim.
— Para fazer uma obra, certo? – olhei para ela de volta, e voltei a olhar para a frente.
Amanda ficou séria, empurrando sua bicicleta, mas logo levantou a cabeça, olhando em minha direção novamente.
— Você tem razão.
E voltamos a caminhar em silêncio. Estava a poucas esquinas de casa, e não queria mais atrapalhar minha nova companhia.
— Fico por aqui.
— Então, até amanhã? – ela perguntou, com seu sorriso tímido nos lábios.
— Até amanhã – acenei para ela, que acenou de volta.
Ouvi o ranger da bicicleta ir se afastando na medida em que caminhava e, provavelmente envolta por conta daquela animosa companhia, virei para olhar para trás, falando um pouco mais alto que o costume.
— Ei, Amanda?
Ela virou para olhar e ficou me encarando de onde estava.
— Obrigada.
Virei e continuei o caminho que estava fazendo antes, e de longe ouvi sua voz novamente.
— Não tem de quê!
O sorriso involuntário veio ao meu rosto novamente, mas desapareceu assim que cheguei em casa, me vendo sozinha mais uma vez. Liguei para minha mãe, que não atendeu. Falar com meu pai estava fora de cogitação e não queria incomodar Jude mais do que já fazia.
Preparei meu jantar e, após terminar de comer assistindo televisão, fui para o computador ficar passando o tempo até dormir.
Fim do capítulo
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