Capitulo 4
- Bom dia senhorita Vause. O helicóptero já está à sua disposição.
- Obrigada, Hermes. Não irei demorar a sair. - Ela respondeu o motorista em tom de dispensa. Ele fez um sinal positivo e se retirou para fora da residência. Alex fechou os punhos e os jogou dentro dos bolsos de seu sobretudo, caminhando até a cozinha principal.
- Bom dia querida sobrinha. Como está se sentindo? - Amy apressou-se em questioná-la lá da cabeceira da mesa, levando os demais a olhá-la. Alex não imaginou que estivessem todos à mesa. Era bem cedo.
- Vim avisá-los de que estou de saída. - Foi breve. Sorte que não puderam olhar em seus olhos. Usava óculos escuros, cabelos presos e roupas de grife.
- Aonde vai tão cedo? - A mãe dela investigou enquanto raspava o fundo de um mamão, curiosa.
- Preciso resolver algumas coisas.
- Por isso o helicóptero? - Larry alisou o rosto. Estava preocupado com a prima.
- Alex... Alex, filha. - Diane se viu levantando da cadeira. - Você não está pensando em ir atrás de... - Calou-se diante a mão arrebitada da filha.
- Eu sei bem o que estou fazendo. Você não precisa se preocupar! - Foi muito ignorante sim. Todos ficaram em silêncio. Vause deu a última olhada na mesa. Piper, ao lado de Daya, a olhava com seus olhos intensos. Ela estava com uma roupa horrível, por sinal, no mínimo havia pegado com alguma das empregadas. Alex virou-se e saiu em destino ao heliporto da residência. Ela iria se encontrar com seus dois advogados no departamento de homicídios da cidade. Estava pronta para desvendar o quê de fato acontecera na noite do acidente de sua noiva.
- Come mais um pouco. - Aquele já era o terceiro donuts que Piper oferecia à Daya. A moça estava muito abalada pela morte da irmã, mal conseguindo engolir meio copo d'agua. Mesmo assim Piper insistia docemente, levando-a a dar uma chance ao alimento. Enquanto os outros presentes à mesa tomavam um desjejum saudável, Piper descobriu que poderia pedir o que quer que fosse, e seu desejo para o café da manhã seria atendido. Apesar do clima ainda cheio, a loira levou um pouco de alegria à mesa.
- Neste ritmo eu vejo que engordarei antes de entrar no vestido de noiva.
Eles riram de Daya, confortáveis por sua primeira piada após o fatídico ocorrido.
- Mas não vai mesmo. - Piper sem cortesia nenhuma enfiou a metade de um donuts na boca. Ela adorava comer de modo despojado... Outro motivo que seria desaprovado por Carol.
- O quê? Você está triste?
- Hã?
Daya segurou no braço dela.
- Você... Ficou triste de repente.
- Ah, não foi nada importante. - Terminou de mastigar e lambeu os dedos, limpando o chocolate das pontas. - Larry! O que faremos de agora em diante?
Quando o próprio responderia, o pai dele tomou a frente.
- Você eu não sei, mas Larry irá nos acompanhar até a empresa.
- Eu o quê? - Larry soltou o guardanapo em cima do prato vago. - Pai! Nós perdemos um ente querido. Precisamos de uma pausa.
Howard riu.
- Você a conheceu há pouco tempo. Não têm laços familiares nem conosco, imagine com a noiva de sua prima. - Larry arrepiou os cabelos usando os dedos. Fazia algo do tipo quando estava nervoso. Howard continuou. - Sentimos muito pela perda, mas os negócios não entram em luto. Não quero ser indiferente, querida Daya.
Ela o entendia. Os negócios da família não tiravam férias, muito menos pausa para o luto.
- Se me permitem dizer, Larry não precisará participar de nossa reunião, irmão. - Diane disse, bebericando seu chá de cerejas.
Larry deu um sorriso à tia. Ele estava preocupado com as ameaças de Mendez. O safado ainda lhe mandava diversos tipos de mensagens bizarras, insinuando que seu tempo estava acabando. Mesmo tendo a família bilionária, Larry não teria a capacidade de contar a verdade e pedir o dinheiro emprestado. Ele optara por mentir e fazer o empréstimo com seu pai; seria fácil e nada humilhante. Ele não ligava para isso, não em relação às pessoas lá fora... Com o pai era diferente. Tratava-se de fatuidade. Não queria desapontar o grande Howard.
Piper levantou o dedo dando a entender que queria falar algo.
- Pois não, querida. - Amy a observava.
- Tenho uma curiosidade aqui, tia Amy... - Ela hesitou um pouco, mas perguntou. - Do que se trata a empresa do senhor Howard?
Amy sorriu. Todos sorriram.
- Larry não disse a você?
- Ele disse mais ou menos senhor. Eu não estou lembrada, sabe... - Piper deu um gole em seu copão de iogurte cheio de pedaços de morangos, estreitando os olhos até o pai de Larry. Howard deu um nó no cordão de seu luxuoso robe, sorrindo para a jovem.
- A BLGrant Vause & Co., é a ereç*o líder mundial em ofícios financeiros e a segunda maior empresa do mundo, querida. - Ele parecia orgulhoso... Piper um pouco confusa. - A empresa dessa família possui 4.3 trilhões de USD em ativos, fruto, claro, de declives de ganhos obtidos a partir dos investimentos dos acionistas.
- Eu não entendi nada. - Ela suspirou.
- Traduzindo... - Diane a segurou pelos ombros, virando-a para si. - Somos donos do segundo maior banco do mundo, querida. - Ajeitou os cabelos dela atrás da orelha. - Atualmente, a firma opera em mais de 100 países.
Piper começou a entender... Deus! Eles tinham tanto, tanto, tanto dinheiro. Imaginou-se com tudo aquilo, certa de que sairia procurando por necessitados, pronta para ajudá-los.
- Se esqueceram de dizer a ela de que o banco também é conhecido por financiar o milionário torneio de tênis US Open. - Nicky, a tenista, disse. - Aliás, bom dia a todos.
- Bom dia. - Responderam.
- Alex já pulou para fora da cama?
- Ela saiu toda bem vestida. Precisava vê-la, Nicky. Ela não chorava mais. Estou feliz por isso, e e-
Piper percebeu que era a única a falar, enfiou a boca em um donuts, sujando a ponta do nariz com o creme de morango.
- Por que é que eu não estou surpresa? - A amiga de Alex suspirou.
- Sente-se. Tome café conosco. - Amy a convidou.
Nicky se sentou ao lado de Larry.
- Com a vossa licença, eu preciso me aprontar. Diane, irmã, não se atrase. Teremos uma reunião com o presidente.
- Mas que saco! - Ela soltou a colher da sobremesa. - Eu havia esquecido completamente da ilustre visita do presidente dos estados unidos.
- Puxa! Vocês conhecem o presidente? - Piper era a única perplexa. - Eu o vi pela televisão. É tão carismático.
- Ele é. Acredite docinho. - Diane se ergueu, mas não se afastou da mesa. Olhava para Piper, rindo. - Só é um pouco exigente.
- Também convenhamos... - John ironizou. - O banco teve uma perda bilionária por causa de uma operação malsucedida!
- Não iremos tratar dos negócios aqui, meu filho. - O pai dele o aconselhou, passando por de trás de seu assento. - Algumas informações são secretas.
- São tão estressantes tais perdas. Agora entendo o porquê de Alex e Larry optarem por ficarem de fora da empresa.
Larry concordou com o irmão.
- Se você achar ruim, o demito. - Diane distribuiu um sorriso simpático ao sobrinho mais novo.
- Eis a presidente de conselho, pessoal. - John revidou com bom humor.
- Tenham um bom dia, queridos.
Depois que Diane e Howard saíram, a mesa ficou livre de assuntos profissionais. Piper tagarelava e encantava a todos. Larry se via gostando daquela moça especial. Ela deixava qualquer situação amena... Era o dom dela. Não fazia com escopo. Ela era assim e ponto.
- Daya e eu sairemos. Ela precisa de um pouquinho de distração, não é querida?
Daya tentou sorrir à sogra.
- John irá para a empresa, Larry irá dormir, no mínimo... - Ele se fez de ofendido, encarando a mãe. - Só resta Nicky.
- Resto a quê?
- Leve Piper para montar. Assistam algo no cinema, ou-
- Vocês têm um cinema em casa? - Piper quase gritou àquela pergunta.
- Exatamente, amor. Você pode ficar à vontade. Nicky lhe mostrará os outros deslocamentos da residência.
- Eu irei adorar. - Ela deu um olhar cheio de brilho à Nicky.
- Você precisa de roupas novas. - Observava Daya. - Lhe comprarei algo.
- Não precisa se incomodar, Daya. As moças da boate me emprestaram as que estão no closet.
- Piper... - Larry se levantou de pressa, indo até a moça da língua solta. - Acho que você ingeriu açúcar demais. Vá trocar de roupa. Nicky irá lhe aguardar aqui.
Os demais trocavam olhares confusos.
- Não use roupas curtas, Piper. - Nicky brincou com ela.
- Eu tentarei esticar algumas. - Ela desviou do corpo de Larry e olhou Nicky.
- Muito bem! - Amy fez um sinal para Red. Logo os empregados entraram e retiraram a mesa.
- Eu achei que você ficou ótima! - Nicky caminhava a passos alterados até os estábulos.
- Aquela mocinha ficou sem jeito para me emprestar essas roupas de montaria. - Piper precisava se acostumar com aquela bota em seus pés. Ela odiava calçados, sapatos, tênis... Tudo que lhe cobrisse os pés.
- Ela é quem treina os cavalos, Piper. Não a chame de mocinha.
- Qual é mesmo o nome dela? Ai... Me espera, Nicky.
Nicky parou e aguardou ela se aproximar. Piper estava muito bonita naquela roupa. Os cabelos foram presos em um coque alto, as bochechas estavam começando a ficar tingidas por conta do sol fortíssimo.
- Você é bem lerda para uma enfermeira.
- Ah! Mas isso não tem nada a ver. - Piper fez uma careta. - A propriedade é muito grande. Imagino que tenha mais coisas por aqui.
- Eles têm uma montanha russa... - Nicky refez os passos.
- O QUÊ? É SERIO?
- Não grite. - Ela ria. - É claro que não tem uma montanha russa aqui, Piper. Existem outros mimos da família, nada que se iguale a uma montanha russa.
- Eu pensei que fosse verdade. - Apontou a cerca. - Vamos pular?
- Você consegue?
- Sim!
Elas pularam a cerca e andaram mais um pouco.
- Ficou chateada? Nunca viu uma montanha russa de perto?
- Nunca vi algumas coisas de perto, Nicky. - Ela foi sincera, e triste. - Olha lá! - Apontou para o campo onde um rebanho de ovelhas corria. - Que lindas.
- Odeio ovelhas... - Nicky usava uma roupa simples. Jeans e camisa polo. Ela chegara até a mansão com a intenção de convidar Vause para um passeio a cavalo... Mas, parece que caíra de um. Vause havia sido rápida e se metido na investigação do acidente da noiva. - Enfim... Um dia eu a convido para dar um passeio de Montanha russa.
- Eu tenho medo de altura. Gosto apenas de acompanhar a trajetória delas.
- Penso quê, parques de diversão, é dinheiro jogado no lixo.
- Gosto de carrossel. Eu teria um... Se eu fosse rica.
As duas riram.
Enquanto caminhavam ao lado de um belo celeiro, o administrador do rancho, Kane Heart Harper, as cumprimentou com um sorriso acolhedor.
- Que bom que veio e trouxe companhia, Nicky.
Nicky acendeu um cigarro, respirando o ar límpido das redondezas.
- Sabe, eu não tive muita opção, tio Kane.
O homem sorriu, exibindo seus olhos azuis a Piper. Ela retribuiu, prestando atenção nos fios de cabelos brancos que o mais velho não ousava esconder.
- Eu sou Piper! - Ela apertou a mão, um tanto áspera, dele. Lembrou-se de algo importante, adicionando. - Sou enfermeira.
- Oh! Então temos uma enfermeira aqui? Maravilha.
Piper uniu as mãos, sorrindo e olhando os pés que estavam escondidos dentro daquele par de botas. Kane apresentou Piper aos bichos com alegria genuína. A loirinha faltava rodopiar, de tanta alegria que sentia. Ela via aqueles animais, de perto, emocionada. Nicky notou que Piper era mais do que demonstrava ser.
Kane estava terrivelmente atarefado com as demandas do rancho, precisando se ausentar. Nicky seguiu como guia turista, entretendo Piper. Elas viram outros animais, comeram algumas frutas frescas e seguiram até o centro equestre, onde estavam localizadas as cocheiras dos cavalos usados pelos donos da propriedade. Ao entrar pela porta do pavilhão de cocheiras, Piper parou e arregalou os olhos.
- Lindo, não? Alex quem ajudou na arquitetura. - Nicky cruzou os braços e aguardou o espanto inicial de Piper passar. O cafofo dos cavalos era muito luxuoso, semelhando uma sala de jantar comprida, com divisórias e lustres enormes, tendo no final, aberturas zenitais, sistema tecnológico para sugar a poeira e eliminar as bactérias, entre outros. Parecia um ótimo lugar para os cavalos ficarem. Era maravilhoso.
- Nicky! É tão lindo aqui! Você não acha que daria para alguém morar aqui? - Rodopiou risonha. - Nossa! - apontou para cima, descobrindo ali, uma passarela de madeira e blocos ingleses. - O que é que tem ali em cima?
- Bem, querida, você estava certa quando disse que daria para alguém morar aqui, com os cavalos. - Nicky escorregou o braço pela cinturinha dela, levando-a a caminhar.
- Tem uma pessoa que mora aqui?
- Não, não exatamente. - Sorriu. - Alex possui uma cama lá em cima.
- Alex? - Ela arregalou os olhos. - Deve ser por isso que aqui se parece com uma casa. - Olhou o rosto de Nicky. - Ei! Por que é que ela tem um quarto aqui, hein?
- Alex e suas resistências... - Foi só o que ela disse.
- Não entendi não, Nicky. Como assim?
- Não cabe a mim, contar, Piper.
- Oh! Entendi. Desculpe-me. É segredo?
- Quase isso, garota... Cuidado. - Ela disse. Tarde demais. Piper trombou com o pescoço longo de um cavalo marrom. Ele assustou-se com o grito que ela deu, balançando a cabeça.
- Ai! - Ela se pendurou no corpo de Nicky. - Ele quer me pegar.
Nicky dava risada.
- Pode me largar, Piper. Os cavalos são curiosos. Escutaram as nossas vozes e ficaram atentos.
- E se ele for querer me morder? - Ela estava quase montando em Nicky, apertando os braços nos ombros dela, olhando o cavalo desconfiado.
- Peter Pan é um cavalo gentil, ele seria o último a lhe atacar... Solte. - Retirou os braços dela de seus ombros.
Piper sorriu do nome.
- Peter Pan?
- Peter Pum! - Familiarizada, Nicky se aproximou da baia do cavalo, sorriu e alisou a crina dele. - Ele pertence a Alex.
- É tão bonito. Oiiiiii, lindooooo! - Ela falava alto, mas, como qualquer outra pessoa que nunca mantivera contato com aquele bicho, Piper se manteve afastada, pulando e balançando as mãos. - Aiii! Ele é tão lindo.
- Passe a mão nele. - Nicky mostrou a ela como o fazer. Piper ficou ansiosa, acompanhando.
- Ele não vai ficar bravo comigo?
- Não... - Revirou os olhos. - Peter é muito bonzinho. Alex ganhou de presente do pai, quando adolescente. Ele é um potro sem raça, de quase vinte anos. - Ia explicando a história de vida do cavalinho. Piper criou coragem... Um tempo depois ela já estava abraçando o pescoço do animal.
- Ele é muito fofo. Eu estou amandooooo!
- Percebi... Está gritando.
- Oi cavalinho! Eu sou a...
- Ah, eu não acredito!
Piper afastou o rosto e olhou para trás. Ela viu uma moça se aproximando. Ela tinha os cabelos presos, usava jeans e regata branca; parecia um pouco furiosa, com uma prancheta entre os braços. E atrás dela, apareceu um garoto rechonchudo, cabelos enroladinhos, sorridente, parecia ter uns dezessete anos.
- Porque é que estão gritando? - Ela perguntou. - Nicky?
- Você já me ouviu gritar, Polly, sabe que não se trata de mim. - Ela deu de ombros, rindo da veterinária.
- A culpa é minha, senhora. - Piper se mostrou arrependida. - Você viu os cavalos? - Ela se iluminou de repente, agitando os braços. - Eles são bonitos. Nicky me fez perder o medo.
A mulher olhou Nicky.
- Quem é essa maluca?
- Namorada de Larry.
- Sim! Eu me chamo Piper Chapman. Sou enfermeira.
- Hã... Ah tá. - Ela mordeu o canto da boca, cerrando os olhos, analisando o estilo de Piper. - Tanto faz. - Jogou a mão para cima derrubando a prancheta no chão. - Cacete! - Abaixou-se. - Eu me chamo Polly... - Tocou na mão de Piper de qualquer jeito.
- Polly. Oi. - Ela pareceu gostar da mulher. Polly era impaciente, bruta, mas tinha o olhar acolhedor e carinhoso.
- Este aqui - apresentou o menino - é Georgino.
- Georgino! - Piper ofereceu um abraço a ele. - Você é muito bonito.
- Você é mais! - ele devolveu energético.
- Polly... Eu preciso dar um telefonema para Alex, você aguenta a euforia da enfermeira? Não demoro.
- Vocês sempre deixam o serviço sujo para mim. - Levantou a mão. - Vá.
Nicky se afastou agradecendo.
- Vamos andando. - Polly fez o caminho oposto.
- Aonde vamos? - Piper perguntou, os seguindo.
- Georg e eu estávamos fazendo algumas anotações importantes, e aí... - virou à direita. - Escutamos sua gritaria.
- É! - O menino disse. - Polly odeia gritaria. - Ele cochichou para Piper. Ela sorriu. - É neurótica. - Falou mais baixo. - Quase doida.
A veterinária se virou. Os dois fecharam a boca, prenderam a respiração e pararam de andar.
Piper segurou na mão do menino. Ele a apertou.
- Hummm! Vocês... - Polly refez o caminho, dando às costas aos dois.
- Maluca. Eu disse.
- Georg eu estou te escutando. Quer que eu volte aí e arranque o teu saco?
Ele quase cruzou as pernas.
- Com licença, Polly... - Piper se apressou até ela e a tocou em um braço, desconfiada. - O quê é um saco?
- Ai, porr*... - Ela desabafou em uma voz entediada, entrando em uma baia aberta. - Você não é enfermeira e muito menos namorada de Larry. Onde paramos Georg?
- Um segundo... - Ele analisava as folhas em sua prancheta.
- Eu... - Piper mordeu os lábios olhando para os cantos. Ela os desprendeu dos dentes e olhou um cavalo, amuado, deitado. Ele parecia um caramelo... Era musculoso. Perfeito demais. Iria tocá-lo. Polly deu um tapa em seus dedos. - Ai, ai, ai. Ui. Eu fiz algo de errado?
- Mulher, você pirou? Não toque em Iara. Viu isso, Georg?
Ele fez um balançar de cabeça, apressado.
- Me desculpe. - Ela não conseguia afastar os olhos do animal. A tal Iara mudou de posição, virando o rosto para o lado da parede. - Ela não deve ser tocada?
- A não ser que você queira perder os dedos. - Suspirou. - Iara não é amigável. Ela finalmente vai ser sacrificada. Está com algumas complicações. - afundava a ponta da caneta na folha, escrevendo rapidamente, enquanto dialogava.
- Como assim?
- Vão matá-la. - Georgino explicou de vez. Piper sentou em cima de um bloco de feno, tristonha.
- Oh senhor... Que coisa. A pobrezinha não precisa morrer. Ela só aparenta estar triste e desanimadinha.
- Ela está na mesma tem mais de sete anos. E outra, ela não pertence a nós, empregados.
- A quem ela pertence? - Piper tinha uma piscina de lágrimas nos olhos.
Polly e Georg se olharam, conversaram através de expressões...
- Não importa. - Polly terminou as anotações. - O destino dela já está decidido. Vamos indo?
Piper desprendeu as lágrimas e retirou as botas, ficando apenas de meias.
- É que eu odeio usar sapatos. Posso ficar assim?
- Claro! - Polly sorriu para ela. - Você precisa de alguma coisa? Está chorando.
- Fiquei emocionada.
- Vou buscar alguns lenços para ela.
- Certo. Sim. - Polly foi até Piper e segurou as botas dela. - É difícil decretar a morte de alguns animais. Depois você supera. - A levou para longe de Iara. - Namorada de Larry, huh?
Piper iria parar de andar, mas Polly a incentivou continuar até saírem da cocheira. Lá fora, sob a sombra da área de descanso, elas sentaram no piso frio, ignorando os inúmeros assentos. Georgino havia conseguido alguns lanches e sucos. Os três conversaram bastante. Polly adorou, de verdade, Piper. Toda aquela inocência, carisma e simpatia conquistaram a veterinária e seu ajudante, Georg. Eles não pressionaram a moça com perguntas invasivas, permitiram que ela fosse quem se dizia ser. Estava ótimo. A conversa. A companhia.
- Minha única família era a minha mãe. Ela veio a falecer, então... conheci Larry. Ele me trouxe para cá. Estamos trabalhando em uma coisa. - Deu meio sorriso. - Ah, eu não posso contar sobre isso. - Piper relutou um pouco, mas se abriu com os novos amigos. Ela precisava arriscar e ter a quem contar sua verdadeira identidade.
- Sobre vocês estarem trabalhando em uma coisa?
- Uhum!
- Um! Bem, você não é enfermeira... Não tem família...
- Não diga a ninguém. - Ela suplicou tanto. Polly sentiu o desespero no timbre de sua voz. - Eles vão punir Larry e a mim. Por favor, eu...
- Prometemos a você que não diríamos nada, então, sem dizer nada. - Sentou mais perto dela, agora de frente.
- Eles estão de luto pela morte da Maritza.
- Queira me desculpar, mas aquela ali não fará um pingo de falta.
- Ela era bonita... Ei.
Polly bateu na cabeça de Georgino, com a palma da mão, brava.
- Alex estava muito triste. Até chorou. Vocês acreditam?
- Era de se esperar, Piper. - Polly revirou os olhos. - Se você precisar de alguma coisa, ou de alguém, pode procurar a mim.
- Entendi. - Ela sorriu de coração. Era bom ter amigos... - Você mora aqui no rancho?
- Moro! Meu pai é o responsável por tudo isso aqui. Cresci aqui, tenho raízes aqui, mas... Não me pertence. Trabalho para a família de Larry há anos. - Piper tomou ar, lhe perguntaria alguma coisa. - Não lhe direi a minha idade. - Deu risada. - Enfim. Meu sonho é ter a minha própria clínica, minha própria moradia. Embora eu ganhe muito bem para cuidar de uma porcentagem dos animais do rancho, ainda assim não seria o suficiente para arcar com as minhas despesas.
- Eu queria poder te ajudar, mas não tenho nada.
- Bah. Não esquente... É apenas um desabafo. E você, Piper... O que gostaria de fazer?
- Eu?
- Sim.
- Eu gostaria de ser uma grande artista plástica.
- Você é talentosa, suponho.
- Um pouco! - Ela abraçou os ombros de Georgino. - Nicky está demorando.
- Não se preocupe amor, ela não volta.
- NÃO?
- De jeito nenhum! - Polly deitou as costas no chão, movendo os braços para trás da cabeça, usando-os como travesseiro. - Não fique desesperada, eu a levo à mansão.
- Por que Nicky foi embora?
- Ela deve ter ido atrás de Alex.
- Pobrezinha de Alex. - Piper apoiou o rosto no ombro de Georgino, reparando na arena a céu aberto, à frente. - Ontem nós tocamos piano.
- Quê? Vocês duas? - Polly virou de lado. - Não creio.
- Ela é um pouco brava, né? Mas ontem ela estava um pouco cabisbaixa, e aí eu dei a ela a ideia de tocar piano. Foi muito divertido.
- Ela é muito bonita.
- Você acha tudo quanto é mulher bonita, Georg. - Polly, impaciente, levantou. - Que bom que ela não tenha te devorado, Piper. Alex é muito esquisita.
- Não achei, não, Polly. Ela é muito, muito brava.
- Esqueça. - Ajoelhou-se e deu um impulso. - Está com fome? - Piper assentiu. - Vamos almoçar.
- Eu posso?
- Meu Deus! É óbvio que sim, amor. Aqui, no rancho, não servimos um banquete de elite referente ao da mansão, mas...
- Não me importo. - Piper bateu nas costas do garoto, devagar, pedindo para ele levantar. - Eu fiquei feliz com o seu convite.
- Hm!
- Estou com muita fome.
- Meu pai irá adorar a companhia.
- Seu pai? Ele é o senhor.... Hummm... Kane?
- Você já o conheceu?
- Sim, sim, ele é muito gentil.
- Senhoritas, vamos deixar de conversa e seguir? Eu estou amarelo de fome.
Piper concordou com Georgino.
- Piper... Não é preciso lavar nada. - Polly a puxava pela mão, mas a moça não queria se afastar da pia. - Nós possuímos auxiliares que cuidam da limpeza e organização do casarão.
- Eu gosto de lavar louças, mexer na água. - Ela juntou os olhos. - Por favorzinho.
- Você não existe! - Polly suspirou e a deixou lavar aquele mundaréu de louças. - Escute, eu tenho trabalho a fazer; cuidar das vacinações dos equinos... - Ela dizia aquilo regada à preguiça. - Você pode se divertir aí. Pedirei a alguém para que a leve até nós, depois, ok?
- Colocando a moça para lavar os pratos, querida?
- Não senhor. Eu adoro lavar, passar e cozinhar, senhor Kane. - Ela dizia e ariava o fundo de uma panela, sem precisão.
- Deixe isso de lado, Piper, e vá conhecer a beleza do rancho.
- É... Eu...
- Ela gosta papai. Não há problema algum.
- Sendo assim... - Ele sorriu para Georgino. O garoto estava com os olhos enterrados na tela do celular. - Vou indo. Tenho que assinar alguns recibos. Até mais tarde.
- Até mais! Bom, Piper, eu também estou de saída. Não alise tanto essas louças.
Piper apenas sorriu.
- Nós já estamos indo? - Georgino coçou os olhos.
- Já. - Polly agarrou uma maçã.
- O que seria de você sem o seu melhor ajudante? - O rapaz deu uma passada de mão nos cabelos, fazendo uma pose de galã.
- Você só está cobrindo as férias de Luke. - Abriu os braços.
- Sou melhor do que ele! Tchau por enquanto, Piper. - Ele se mudou de cômodo.
- Não demore aí, mocinha. - Polly deu um beijo na bochecha dela.
- Eu posso ir procurá-la depois? Não quero ficar sozinha. - Ela extraiu o sabão da panela, olhar baixo...
- Pode, pode sim, amor. Quando terminar aí, coma alguma fruta, tome suco, refrigerante, pegue biscoitos, é tudo seu.
Piper deu uma risada.
- Eu estou satisfeita! Ah, e obrigada por me emprestar esta calça. A outra estava me apertando.
- Roupas de Shane... Nicky tem cada ideia excelente. - Disse. - Não fique aceitando as roupas daquela sem vergonha, colecionadora de mulheres.
- A mocinha que me emprestou as roupas de montaria?
- Mocinha, Piper? Mocinha? - Polly queria bater nela... De brincadeira. - Ela não é uma mocinha.
- É uma mocinha diferente! - Piper enfileirou alguns copos e foi lavando um por um.
- Lord... Ok! Só não fique de conversa com ela. Adora mocinhas, como você, inocente.
- Não devo ser amiga de Shane?
- Amiga, não... Só seja formal.
- POOOOLLY! - Georg gritou.
- Eu já estou indo... Merd*! Preciso de férias... Piper, amor, ande logo aí. - Ia saindo.
- Pol, alguém me levará até você? - Ela teve de gritar.
- Sim! Deixarei o capataz avisado, amor!
- Está bem!
Piper estava distraída, lavando aquelas peças de louças, pensando em Carol. Ela sempre tocava alguma música para que, Piper, pudesse fazer as tarefas, sempre bem animada. Cantarolando uma canção, Piper sentiu uma energia atrás de seus ombros. Antes de se virar, ela terminou de enxaguar as últimas louças. Finalmente, virou-se. Seus olhos ficaram esbugalhados.
- Alex?
- O que faz aqui? - Alex, que estava sentada confortavelmente em uma cadeira composta à mesa, se ergueu.
- Eu gosto de lavar louças. - Piper não sabia o que falar. Alex mirava os botões de sua camisa branca, arqueando a sobrancelha. Ela tinha o rosto incompreensível. Mudara de veste; usava roupas modernas de montaria, cabelos soltos, botas longas... Bonita demais.
- Os responsáveis pela casa, onde estão?
- O senhor Kane saiu quase agora. A filha dele, Polly, também. - Ela retorcia o pano de secar, nas mãos, nervosa.
- Quero entender o porquê de você estar lavando as louças. Não é de sua obrigação.
- Não fique brava! Eu pedi para poder lavar as louças. É que eu gosto muito, sabe.
Alex fez uma cara não muito boa, e deu de ombros.
- Eu tenho uma novidade!
Vause esperou, apoiando o braço no alto da cadeira.
- Conheci Peter Pan. - Contou Piper, inocentemente, com brilho no olhar.
A morena parecia travar uma luta interna para acreditar nas palavras da moça.
- Perdão?
Piper se intimidou!
Silêncio.
Os olhos azuis estudavam o olhar perigoso de Vause. O pano em suas mãos ainda era retorcido, puxado, amassado. Pobre Piper.
- Eu...
- Você esteve no estábulo principal? - Vause arrastou os cabelos para o lado, respirando fundo. - Quem a deu permissão para ir até lá? É um lugar privado. Não gosto e nem permito a visita de estranhos!
- Eu apenas olhei os cavalinhos. Não mexi em nada, não fiz bagunça.
- Quem a levou até lá, Piper? - Forçou a pergunta e olhar, intimidando Piper mais ainda.
- Nicky. Ei, não brigue com ela. - Deu um passo aflito até a mesa. - Me desculpe por eu ter entrado lá.
Percebendo a tempo seu exagero, Vause respirou mais devagar.
- Não precisa pedir desse jeito. Esquece...
- Você não gosta muito de mim, não é?
Alex mudou de expressão e sorriu, adorando o olhar dela.
- Eu teria motivos para não gostar, Piper? - Perguntou de modo suave, porém, não menos cordial.
- Acho que sim. - Piper deu um passo para trás, fitando os pés. Suas meias estavam tão sujas. - Você sempre fica muito brava comigo. Dá uma coisa ruim. Eu fico querendo concertar tudo. Me desculpe.
- Não é verdade! - Ela deu a volta na mesa, invadindo o espaço pessoal da outra. - Você... - Alex perdeu a fala. O olhar de Piper tinha algo... Algo fora do comum, do clichê. Era real, expressava os sentimentos dela. - Eu... - Sentindo ódio de seu momento confuso, Alex coçou a ponta da orelha. - Eu sou temperamental. - Limpou a garganta. - Ainda mais depois do que aconteceu.
Piper fez beicinho. Alex acompanhou o gesto.
- Sinto muito.
- Terminou seu serviço?
Ela olhou para trás.
- Sim. - Voltou-se a Alex. - Pode me levar até Polly?
- Polly e você são amigas? Desde quando?
- Eu fiz amizade com ela. - Contou meio sem jeito, soltando os cabelos para poder prendê-los direito. Alex Vause escoltava todos os seus gestos. Piper sentia a pele de seu rosto esquentar. - Ela é muito boa. Emprestou-me estas roupas.
- Daya lhe comprou roupas novas. - Assinalou para fora da cozinha. - Você não prefere ir para casa? Larry deve estar à sua procura.
- Larry foi ver alguns amigos. - Antes de sair, Piper deu a última olhada na cozinha. - Acha que está tudo organizado?
Vause achou a pergunta dela um tanto curiosa.
- Quem liga para isto?
- Bem...
- Está tudo ajeitado, Piper. Você só não secou as louças.
- Eu vou secar!
- Nada disso, vamos... - Agarrou no braço dela. Piper mostrou-se tensa. Vause deu um sorriso. - Está tudo bem. Pronto... Soltei você. Melhor?
Ela não respondeu. Ajeitou os cabelos e esperou Vause tomar à frente.
- Você está andando de meias pelo rancho?
- As botas estavam machucando os meus pés. - Piper acompanhava o caminhar de Alex, sem saber ao certo aonde ela iria. Elas passaram pelo celeiro, pegaram um caminho até os estábulos, cortaram por detrás da arena e adentraram, finalmente, um galpão. No alto, um letreiro indicava: Central de reprodução. O galpão de 500 m2, o qual incluía sala de colheita de embriões, laboratório, sala de colheita de sêmen, farmácia e boxes para retraimento e recuperação de animais doentes, estava bem movimentado. Piper reconheceu Polly, e andou até ela. Alex, ao fundo, mantinha os olhos em si.
- Chegou bem acompanhada, huh? - Polly usava uma roupa diferente; um macacão azulado, luvas e touca. Georgino, do lado dela, também. - Tudo bem com você?
- Sim. Eu não sei o que fazer agora. Não poderei atrapalhar o trabalho de vocês.
Polly sorriu e tocou o rosto dela.
- Ei... Se eu for voltar à mansão, vocês ainda serão os meus amigos?
- Amor, é claro. Por que a pergunta?
- É porque eu não sei se poderei voltar aqui. Vocês podem me visitar?
- Por mim tudo bem. - Georg fez uma pose, apertando as mãos na cintura avantajada. - Você pode nos passar o seu número.
- O gorducho tem razão.
Ele desfez a pose, e olhou para Polly, ofendido.
- Número? De quê?
- Celular. - O menino respondeu. - Você não tem um?
- Não. Eu nunca tive um. - Ela cochichou. - Estou falando assim porque tenho medo de alguém nos ouvir, vocês entenderam?
- Ela é uma graça! - Polly abraçou-a, riu e devolveu o cochicho. - Comprarei um celular para você.
- Eu não sei utilizar um. Sei me virar com telefones... Aqueles - Tentou mostrar com as mãos - de gancho. Posso ter um assim?
- Não! - A veterinária se desfazia em sorrisos. Polly observou que Piper tinha um sotaque muito forte, mas ela o alterava de vez em quando. Não era sempre que ele era exibido. - Aceite o presente, depois ensinamos a você, a usar, Piper.
- Vai te custar caro. Eu posso usar o de Larry. Pedirei a ele que me ensine. - Ela se juntou aos dois, em um círculo, cuidadosa. - Falei alto demais?
- Não! - Disseram os dois.
- Sinto muito por incomodar a conversinha de vocês, - Alex se apresentou, os assustando. Ela encarava os olhos de Polly. A veterinária sentiu que era por um motivo pessoal, talvez... - Mas eu preciso que se adiantem com a reprodução dos garanhões.
- E há quem diga que você só vive na bolha do mundo da moda. - Polly deu um sorriso mordaz. Ela já fora bem amiga de Alex, na adolescência, mas, com o passar do tempo elas romperam a amizade, trilhando caminhos diferentes. Polly morava no rancho, Alex aparecia por lá quando lhe dava vontade, ou seja, raramente. Quando o fazia, era apenas para saber sobre a reprodução de seus equinos.
- Vejo que te sobra tempo de sobra, Harper.
- Perco o amigo mas não perco a piada. - Polly assumiu uma postura mais profissional, agora. - Estou indo acompanhar o exame físico dos animais antes de fazermos a coleta.
- Parece perfeito. - Ela ainda forçava-se a olhar no rosto dela.
Polly perguntaria se Vause sentia raiva de si. Não havia feito nada demais. Aquele olharzinho... Hunf. Parecia alguém com... Não. Ela sorriu. Nem ousaria pensar bobagem. Encontrando os olhos quase infantis de Piper, sorriu de coração para ela.
- Amor, eu preciso trabalhar.
Alex acompanhava a despedida, em silêncio.
- Está tudo bem para mim, Polly. Obrigada por ter se tornado a minha amiga, você também, Georgino. Além de Larry, agora eu tenho vocês dois. - Ela deu um pulo e abraçou os dois, enganchando os braços em seus pescoços. - Deus abençoe vocês.
- Linda! - Polly deu mais abraços nela. - Se me sobrar um tempo eu a visitarei amanhã, certo? E, se eu conseguir, coisa que não prometo, eu levarei aquilo...
- Aquilo? - Piper havia esquecido brevemente, mas a memória foi voltando. - Ahhhhhh! - Deu uma olhadela em Alex. Ela estava tão enfadada, calada... - Estou recordando. - Nasceu um sorriso em seus lábios. - Vou rezar para que vocês consigam me fazer companhia. Pedirei a Larry para me deixar te telefonar.
- Estarei esperando a tua ligação, amor. Agora vá.
- Nunca vi algo do tipo...
- O quê? - Piper corria, acompanhando os passos de Vause. Queria entender o porquê de aquelas pessoas andarem tão apressadamente.
- Nada... Nada. - Estava zangada.
- Você quer ficar sozinha, Alex? Acho que está brava. Posso pedir a alguém para me acompanhar até a mansão. Você acredita que eu já esqueci o caminho? Nicky e eu viemos conversando. Adoro conversar com ela. Mas não entendo muita coisa do que ela diz. - Assim que a notou entrando no estábulo, aquele proibido, parou na entrada.
- Boa tarde, Alex, você por aqui?
Piper viu um homem cumprimentando Alex. Ele, que guiava um cavalo, sorria e aguardava ela terminar de conversar com o animal. Piper achou fofo. Alex parecia até outra pessoa. Sentindo sua ausência, ela olhou para trás, revirando os olhos.
- Vai ficar aí parada, Piper?
- Eu posso entrar? Você não havia ficado contente.
- Quem é ela?
- Namorada de Larry. Você pode acreditar nisso? Porque eu não! - Vause sorriu para Major, o mais velho treinador dos cavalos. O homem mulato de meia idade sorriu.
- Venha! Você tem a minha permissão...
Chapman mordeu os lábios, driblando a ansiedade. Major ainda lhe encorajou, ao passar por si. Quando ela finalmente decidiu adentrar a cocheira, tudo aconteceu rapidamente. A direita de Alex, um cavalo saiu em disparada, procurando por liberdade. A morena conseguiu se encolher para não ser atropelada pelo animal. Piper, travada, pernas bambas e olhos arregalados, não teve muita sorte. Ela identificou o animal pela cor. Era Iara. Ela corria tão rapidamente em sua direção. Os olhos bem ressaltados.
- Piper, saia!
Ela não conseguiu obedecer ao comando de Alex, e, quando deu por si, já era tarde demais. Chapman recebeu uma pancada muito violenta.
A égua a empurrou, não intencionalmente, fazendo-a bater a lateral do rosto na parede de pedra; para finalizar, sua pata traseira ainda pisou no antebraço da loira. Iara conseguiu escapar e deixar o caos no corpo de Piper.
Alex estava vibrando demais. Era como reviver o passado. Maldito seja! Mil vezes. Com as pernas semelhantes à gelatina, ela se aproximou de Piper. A loira estava se arrastando para o canto da parede respingando sangue pela roupa e chão. Havia ganhado arranhões e um corte profundo entre a testa e o couro cabeludo. O braço estava inchando e ganhando hematomas.
- Estou machucada? Ela me machucou? - Piper perguntava de modo confuso, entre gemid*s. - Você está... Bem... Alex?
- Pare de se mexer. - Alex se ajoelhou e sanou as lágrimas, colocando uma pedra em cima do passado, que estava nítido no momento presente. Precisava ajudar Piper. Ela estava muito machucada. Tentava lhe abraçar, tremia... - Fique quietinha. Eu buscarei por ajuda.
- Alex! - Era Major. - Iara saiu daqui correndo em disparada... Oh! Ela atacou a moça?
- Vá chamar alguém, Major. Rápido. Ela está ferida. Rápido!
Ele saiu rapidamente, ainda comovido e em estado de choque.
- Meu braço. - Piper começou a delirar de dor. Ela não conseguia chorar, mas tentava. Os dedos de Alex lhe alisavam o rosto. Ela sujava as mãos com o seu sangue. Não dizia muito, tremia e chorava. Piper imaginou que estivesse na pior. Parecia ter sido atropelada por um muro gigante, pesado... Deus. Ela sentia muita dor. Não estava aguentando mais manter os olhos abertos.
***
- Pelo seu desespero eu pensei que tivesse acontecido algo mais sério, Vause. - Nicky entregou uma garrafinha de água a Alex, se sentando ao lado dela. - Ela sofreu uma luxação no braço direito, ganhou seis pontos na cabeça... Rosto arranhado. Ela vai ficar bem.
- Por que este tipo de tragédia só acontece comigo? Eu estou muito afetada. Iara quase a matou!
- Ok, amiga, vamos esquecer. Passou e estão todos muito bem.
- Vou pedir novamente para que a sacrifiquem.
- Iara?
Alex assentiu.
- Ela só traz desgraça a minha volta.
- Acho melhor irmos. Você precisa tomar um banho. - apontou as vestes dela. - Meus pais estão cuidando de Piper. Larry está á caminho.
- Piper terá alta?
- Até o fim da noite. - Sorriu. - Você pode ir vê-la se desejar, Alex.
- Obrigada! - Ela abraçaria Nicky, mas um aviso a deteve.
- Nem pense! Você está horrível.
- Bem lembrado. - Suspirou. - Qual o quarto?
- 212, no final do corredor. Não demore!
Alex deu duas batidas na porta e uma enfermeira simpática abriu, permitindo seu acesso ao quarto. Piper levantou a cabeça que estava apoiada no travesseiro, na gana de olhá-la.
- Deseja mais alguma coisa, Chapman?
- Não, dona Dolores. Obrigada. - Ela estava com a voz amassada. A enfermeira a sorriu e depois saiu.
- Está melhor?
- Um pouco! Veja - apontou o braço engessado. - você já teve um desses?
- Muitas vezes. - Alex chegou aos pés da cama mantendo uma distância higiênica. Estava completamente suja, e Piper já estava limpinha, usando roupas hospitalares. - Coça um pouco.
- Eu pensei em usar um cabide. - a moça de rosto quebrado sorriu. - Ei...
- Você e os "eis".
- Estou na clinica? Larry está aqui?
Alex ficou um pouco desapontada. Piper perguntou pelo primo de modo tão desesperador. Enrolando os cabelos em um coque improvisado, Alex ficou séria.
- Ainda no rancho, você desmaiou Piper. E sim, você está em um hospital, mais precisamente no hospital dos pais de Nicky. A trouxemos para cá por ser mais confiável.
- Eu desmaiei? Uau! Perdi isso...
Alex perdeu as rédeas, e sorriu. Que maluca!
- Você está com a roupa suja. Meu sangue?
- Não se preocupe. Posso resolver isso. - Atou as mãos. - Seu rosto.
- Eu vi no espelho. Estou engraçada. Você sabia que eu nunca tinha passado por isso?
- Está querendo dizer que você ficou feliz com a experiência?
- Não, não é isso. Foi emocionante. Meu corpo está doendo. Se eu me mexo dói, se respiro com muita força, dói. Vou me curar de forma rápida?
- Esperamos que sim, Piper. Você é enfermeira, certo? Sabe bem dos procedimentos...
Ela ficou corada. Fugindo dos olhos avaliativos de Alex, ela brincou com as pontinhas de seus longos cabelos, usando a mão esquerda.
O silêncio se instalou. Alex curiava os hematomas no rosto dela. A cena do acidente voltou em sua mente. Seu estômago derreteu feito um vasilhame de plástico em contato com o fogo.
- Posso perguntar uma coisa? - Piper a encontrou com os olhos avermelhados. Ficou sentida. - Alex?
- Hm... Oi! - Ela piscou, buscou ar e depois sorriu como se quisesse despistá-la.
- Você está bem? Não vai chorar por minha culpa, vai? - Piper demonstrou um semblante abatido, de repente. Suas emoções eram tão notórias... - Eu sinto muito por tudo. Eu posso fazer alguma coisa? Perdoe-me por tudo... Ann... - ela não sabia mais o quê dizer.
- Nada disso foi culpa tua meu anjo, nada. - De repente, Alex segurou na mão dela, apertando-a. - Você só me assustou.
De novo a expressão do rosto de Piper havia mudado... Ela relaxou os músculos dos ombros e rosto. - Mas posso dizer que você me assustou de verdade.
- Me desculpe. Eu não consegui correr. Você também reparou na rapidez dos fatos? Pobrezinha da égua. - Com a ponta da unha, ela fazia cócegas nos dedos de Vause, olhando-os de um jeitinho engraçado. - Ela está segura?
- Concordo com você, porém, quando lhe mandarem correr o faça, certo? - Ela sorriu. - Iara será sacrificada. Ela é a pior equina do rancho. Já destruiu muito por lá.
- Como assim? Sacrificá-la? É o que estou aqui pensando? - Quase que brutalmente, Piper recusou os dedos e a mão de Alex.
- Iara está com os dias contados, não é uma decisão inusitada. Amanhã mesmo eu darei a ordem para o sacrifício ser realizado.
- Você não pode permitir isso! Ela é um animalzinho. Animaizinhos não têm maldade. - Piper chorava e imaginava o ato.
- É uma decisão pessoal. - Alex não discutiria, porém não queria vê-la chorar.
- Eu a vi, hoje, e ela estava deitadinha naquele lugar chique, bem quietinha. Não a mate. Eu estou triste com você, Alex.
- Está triste comigo? Ora essa! - Alex queria secar o rosto dela... Só queria. Não o fez, retendo as mãos. - Polly a apresentou à Iara?
- Mais ou menos. Iara é muito triste.
- Ela não nos serve para mais nada! - Disse cheia de rancor. - Está depressiva, descartável!
- Eu posso comprá-la? Vou trabalhar, juntar dinheiro, e aí eu cuidarei dela. Não a mate. Ela é inocente, não sabe se defender, não sabe pedir, muito menos dizer o que sente.
Alex passou a andar pelo pequeno quarto, rindo e passando as duas mãos nos cabelos. Nada daquilo parecia ser real.
- Eu posso ser burra para algumas coisas...
- Você não é burra, Piper. Você é muito ingênua!
- Não estou nem aí. - Ela deu uma pausa no choro. - Por favor, Alex, por favor...
- Piper? - Larry atravessou a porta do quarto e seguiu feito um raio até a cama, beijando a namorada nos lábios. Piper se chocou. Ela abriu e fechou a boca, depois se lembrou de que um beijo sem precedentes não era pior do que os planos de Alex.
- Alex quer sacrificar a Iara!
- É o certo. Ela te machucou. Olhe só para você... Se Joe a visse... - Percebendo o deslize, Larry contornou a situação. Alex não havia notado que mencionara o nome do médico da clínica psiquiátrica.
A estilista encarava Piper...
- Eu estou bem! - A loira ficou irritada. - Ah como eu queria bater em vocês, mas... Eu não bato e nunca baterei em alguém. - Bufou. - Eu estou ficando muito triste.
- Meu amor. - Larry beijava a mão dela.
Alex apertou o próprio queixo, entediada, pensando em fazer as despedidas.
- Por que você está pegando em mim e me beijando? - Piper limpou as lágrimas de forma infantil. Gostava de Larry, não daquele jeito estranho. Ficava enjoada.
Ele deu uma risada nervosa levando-a na direção de Alex que lhe deu uma erguida de sobrancelha, desinteressada.
- Bateu com a cabeça e se esqueceu de mim, Larry, o seu namorado?
- Não, eu só não gosto que me beijem...
Piper não sabia mentir por muito tempo, sua lealdade e honestidade lhe colocavam na observação de Alex Vause.
- Eu estou indo embora. Espero vê-la em casa, Piper. Não se preocupe; por eu ser dona do animal que lhe causou tais ferimentos, irei deixar à sua disposição uma equipe de enfermeiros, na mansão. Vai ser de boa ajuda. - Alex ficou cheia, de repente, ansiando sair logo dali. - Fique bem.
- Alex, vem aqui... - Piper chamou-a melosamente.
Ela não se aproximou mais, porém ficou parada diante da porta, mão na maçaneta.
- Por favor...
- Não se martirize com isto, Piper. Você deve se focar em sua recuperação. - Apontou o primo. - Este traste irá te ajudar, eu tenho certeza. E como tenho!
Larry fez uma cara surpresa. Ele não havia feito nada... Talvez fosse isso que ela estava se referindo?
- Quer dizer que a culpa é minha? Pelo acidente com Piper?
- Você tem sua parcela de culpa, querido primo. Se não tivesse a largado no rancho, para sair, ela estaria intacta.
- Acidentes acontecem porque tem que acontecer. É assim. Você precisa superar e parar de culpar tudo, Alex.
Ela sabia exatamente do que ele estava falando. Sua vontade era de partir para cima dele e quebrá-lo todinho.
- Não briguem.
- Não estamos brigando, querida. - Larry respondeu. - Descanse antes de irmos para casa.
- Espere Larry, eu já lhe respondo... Alex, você promete que vai pensar?
- Não. - Ela simplesmente se retirou.
- Larry! Ela vai permitir de matarem o cavalinho.
- Iara? Ah, Piper, Iara é um problema para Alex. Não se preocupe. Ouvi dizer que ela já estava planejando pôr fim na vida da égua, faz tempo, linda. Depois de hoje, ela só vai adiantar o inevitável.
- A pobrezinha só quis sair daquele lugar que eu já esqueci o nome. - Fungou, bolando novas lágrimas. - Por que ela tem tanto ranço da égua?
- Iara derrubou a ex-namorada dela, a primeira, quero dizer, antes de Maritza.
Piper respirou mais devagar, escutando e digerindo lentamente.
- Só por isso?
- É um pouco mais complicado. Não é uma conversa sadia.
- Me conte. Você sabe que eu guardarei segredo. Eu só não consigo entender como alguém pode conseguir odiar animaizinhos. Ei, me ajude a sentar?
Larry a ajudou.
- Confortável?
- Uhum. Conte-me, Larry. Então, Alex é-
- Ok! Você deve guardar segredo. Alex não fica confortável quando se toca neste assunto.
- Eu juro!
- M'kay. Iara não só derrubou Pietra, a ex-namorada de Alex, como também a matou. Pietra praticava hipismo no rancho, e ela era acostumada com diversos tipos de cavalos. - Ele notou o interesse da namorada. Ela ia balançando a cabeça, ao entender os fatos, concentrada. - Iara é uma égua puro-sangue árabe. Não entendo nada de cavalos. - Coçou a cabeça. - Sei que é uma raça bem cara.
- Continue.
- No fatídico dia, Pietra não usava o capacete de hipismo. Eu não sei querida, os trabalhadores do rancho afirmaram que, antes de ser montada, Iara estava agitada, assustada com algo; Pietra não se importou, a levou para treinar e acabou caindo... Quebrando o pescoço. Alex não estava presente. E, antes que você com essa tua carinha me pergunte como elas se conheceram, foi no rancho, ainda na infância. Os pais de Pietra são amigos de minha família. Nas férias, ela vinha praticar hipismo em Nova Orleans.
- Quanta tristeza, não é? Eu estou muito triste, Larry. - Ela manteve o olhar no gesso, expressão arrasada. - Acho que entendo o porquê de Alex ser muito brava com Iara.
- Alex nunca superou a morte do pai, e aí depois foi Pietra a morrer. Que carma. Por ironia do destino, Alex perdeu Maritza. Sinto que há algo muito estranho envolvendo a morte de Pietra e Maritza... - Pensava alto.
- Como Pietra era?
- Muito bonita.
- De aspecto e de coração? Você sabe que, ser bonito de coração, é mais importante, hum?
- Claro que eu sei. Você é bonita de todas as formas.
Ela sorriu... não de felicidade.
- Preciso imaginar Pietra. Quero rezar pela alma dela. Você reza comigo?
- Qualquer coisa para que você fique tranquila. - Sorriram. - Pietra era mais alta do que Alex, consegue imaginar isto? Alguém maior do que minha prima?
- Maior? Não!
- Ela era negra, tinha os olhos da cor de café, cabelos enroladinhos...
- Como os teus cabelos?
- Os cabelos dela eram melhores, acredite. Ela tinha porte de modelo, mas a verdade é que Pietra era profissional de hipismo.
- Ela faz falta a Alex, não?
- Alex é obscura. Não sei te dizer. Você a olha e não vê muita coisa, apenas um mistério.
- Eu gosto dela.
- Gosta? - Larry perguntou.
- Sim. Acho-a... Hm... Misteriosa? Ah, sei lá, Larry. Ela não me incomoda. Têm um pouco da individualidade da minha mãe.
- Cuidado com ela, huh?
- Acha que ela me machucaria?
- Não enquanto ela estiver ferida. Alex é assim... Deprimida. Mesmo com Maritza, ela não era feliz. Parecia sempre entediada, por falta de opção. Ela não está tão abalada assim, como pude notar. Alguma coisa amenizou o luto dela... Não sei o que é. - Deu de ombros. - Dane-se. - Segurou o rosto dela sentando-se em uma ponta do leito. - Agora o assunto é sério. Joe está feito louco atrás de nós dois.
Piper alterou-se. Larry a acalmou.
- Ele a quer de volta, Piper.
- Eu não quero ir. Quero ficar por aqui. Eu ganhei dois amigos. Eles se importam comigo.
- Polly e o garoto gordo?
- Não o ofenda! Ele tem um nome!
Larry riu da zanga dela.
- Eles lhe compraram flores e um aparelho celular. Depois eu lhe entrego.
- Era para eu ficar contente, mas estou muito triste. Muito. Meu coração está assim: tum... Para. Tum-tum-tum. Para-para-para-para.
- O que é isso? - Riu.
- Não acho graça. É como meu coração está batendo diante de tanta agitação. Larry... Você me acha louca?
- Louca? Não, querida. Você é uma pessoa incomum, uma doce mulher. Não merecemos sua pureza, Piper. Eu principalmente. Você está me ajudando em algo perigoso e importante, e eu juro que irei lhe compensar.
- Amigos se ajudam.
Fim do capítulo
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