Álamo-Negro
Capítulo 13 – Alámo-Negro
"Coragem"
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Sentada no que seria o fogo da pira recriada pelas lavandas, observo a Matricis. Preciso tirá-la dali, mas nessa forma não será possível, são necessárias mãos humanas. Levanto-me e pulo para o chão, de frente para Whisper, o impacto faz meu corpo se abaixar e subir novamente, um leve incômodo atinge as almofadas de minhas patas. A altura não é tanta, não devia machucar, “sou uma péssima loba”, penso suspirando.
— Whisper, — digo olhando para ele. — Preciso de mãos humanas para pegar a Matricis e se voltar a forma humana estarei sem roupa. Pode procurar alguma coisa para eu vestir? Pode ir ao vilarejo ou procurar alguma roupa usável nos escombros para mim? — peço.
Ele não responde, acena com a cabeça e some na escuridão das ruínas. Subo novamente na pira voltando a encarar a misteriosa planta. Laima surge dos céus, planando levemente sob minha cabeça e então pousando na mesma. Seu corpo é tão leve que nem me incomodo.
— Não trouxe meu punhal dessa vez. — comento. — Vou precisar.
— A mãe de Louis...ou Whisper? — soa totalmente confuso, pensando por um tempo antes de voltar a falar. — Whilo...ou Louwhi...? Louper...? Hmm. Isso, Louper soa mais legal.
— Louper? — pergunto sem entender.
— Whisper mais Louis, Louper. — diz orgulhoso de si mesmo. — Assim não temos que escolher qual nome usar.
— Mas se parar para reparar, em alguns momentos percebe-se o lado humano e o lobo de Louper. — ainda sim simpatizo com a escolha do apelido.
— De toda forma fica mais fácil. Agora,— continua. — voltando ao assunto do punhal. A mãe de Louper com certeza foi uma grande bruxa, só encontrou seu fim por um erro de seu filho. Se procurarmos nos escombros de sua casa podemos encontrar seu punhal.
— Você não se importaria se usássemos seu punhal ritualístico se encontrarmos, não é, Willa? — peço seu consentimento, nada pode ser retirado sem pedir o consentimento antes.
Levanto-me, Laima sai de minha cabeça, novamente pulo no chão sentindo as patas doerem, chacoalho os pelos e sigo Laima até a casa destruída pela metade. Dentro da casa, uma pequena metade de todo o pó voa contra um raio de luz da lua que passa pelo teto ainda erguido, o que deveria ser o quarto, encontra-se caído no chão.
Utensílios de cozinha, a lareira que servia de fogão, palhas que deviam ser da cama, roupas de uma mulher adulta e de criança, sapatos, folhas secas, uma mesa totalmente quebrada, tudo isso agora decora o ambiente do que antes parecia ser uma casa muito confortável.
Passo a pata em alguns restos de utensílios para ver se encontro o punhal em algum lugar, mas nada. Mudo para alguns tecidos, passando o focinho e as vezes tirando-os da frente com a boca.
Adentro um pouco mais, sempre prestando atenção no chão e ao redor. Willa com certeza teria vivido muito, os resquícios de sua força ainda vibram no ambiente ao redor. O som de um pequeno animal atravessou minhas orelhas, fazendo-as se agitarem.
Sigo na direção do som, um amontoado de pelos escuros se agita e pequenos olhos vermelho-brilhantes me encaram.
— Procura o punhal de Willa, sim? — do animal saiu a voz em pergunta.
— Você era o familiar dela, não? — Laima pousa próximo ao animal.
— Sim, sim, de Willa, sim. — vejo os pelos de seu focinho de agitarem no ar. — O punhal de Willa está aqui, sim.
Do local escuro que se encontrava, a marta zibelina macho se aproximou, arrastando o punhal em sua boca até deixá-lo de frente a mim.
— Willa não se importaria de você usar, não, não. — levanta seu focinho para mim, olhando-me.
O familiar de Willa, Newes, já parece mais velho, pelos brancos se sobressaem aos escuros, seu olhar é cansado e, de certa forma, triste.
— Newes sempre observou os passos do filho de Willa. — o animalzinho diz. — Newes não concorda com o que faz, Willa parece triste. — olha a imagem da bruxa esculpida pela lavanda. — Mas você ser bruxa forte que mudou Louis. Louis não ser ele me mesmo sempre. O lado fera domina maior parte do tempo, por isso anda ao lado do caçador. Newes e Willa entendem isso, por isso não tão bravos com Louis. Willa nunca esteve brava com Louis, acho que poder materno.
— Você devia dizer isso diretamente a Louis. — comento.
— Não. Willa pediu “salvar Louis!” — aumentou sua voz ligeiramente e suavizou novamente. — Newes salvou Louis, nenhuma outra missão.
— Você sabe o que pretendemos fazer, não é? — pergunto.
— Sim, sim, sim. — remexe sua cauda levemente e passa as patinhas em seus olhos cansados. — Mas feitiço exige mais do que pensa.
— O que quer dizer? — deito-me com as patas dianteiras esticadas, encarando-o. Pensei que seria simples, será que pulei alguma parte? Faz anos que li sobre esse feitiço, talvez me esqueci de algo.
— Feitiço fazer caçador virar caçadora, sim? — concordei com a cabeça. — Precisar da planta no corpo de Willa, sim? — concordei novamente. — Pode fazer do pior jeito, cortar barriga do caçador e colocar planta e costurar, pode fazer chá, mas efeito não imediato. — isso não sabia, estava considerando o segundo passo. — Mas para caçador virar caçadora, independente do método, precisa de um sacrifício, precisa de humanidade. Quem costurar ou servir chá precisa deixar humanidade para trás.
O som das patas de Louper se aproximando me passou despercebido. Não vimos sua chegada e pela sua expressão, está nos ouvindo faz tempo, realmente sou péssima nessa forma. Em sua boca carrega um vestido verde e uma touca branca, daquelas que as mulheres usam nessa época, ambos manchados de saliva.
Se aproxima de nós, deixando a roupa ao meu lado e foi até Newes. Os dois tocaram os focinhos, Louper da uma lambida gigantesca na cara do animal e abaixa-se nas patas dianteiras, deixando a traseira para cima, abanando a cauda alegremente.
Newes, mesmo velho e cansado aceita o convite de Louper e ambos saem correndo e brincam, se perseguindo. Aproveito a distração dos dois e me deixo voltar a forma humana.
As dores de sempre enchem meu corpo, os pelos caem, patas e cauda encolhem, meus olhos ardem e tão subitamente quanto começou, as dores somem, me deixando caída na poeira do chão.
Respiro fundo e levanto-me, vestindo o horrível vestido verde que me é grande demais, sou “cheiinha” mas a largura ainda é maior que o necessário. Prendo meus cabelos em coque, usando os próprios fios como prendedor e enfio a touca, amarrando-a do pescoço.
— Amarrada ou solta? — viro-me para Laima, perguntando.
— Solta, amarrada fica mais esquisito que já é. — opina e sigo sua opinião.
— Com licença. — peço pegando o punhal abandonado.
É um simples punhal de um gume com cabo de madeira, nenhum adorno. Em minhas mãos a lâmina fria dá leves choques e então se aquieta, deixando que o manipule sem problemas. Laima pousa em meu ombro.
Saímos da casa voltando as imagens de lavanda. Louper e Newes se aproximam de mim, ficamos os quatro olhando Willa em sua pira. As flores de lavanda imitam o fogo, enquanto os caules e as folhas pontudas fazem as outras partes, as flores também fazem o cabelo de Willa e o cabelo de todas as outras pessoas aqui esculpidas.
Escalo a pira, ajoelhando-me de frente a Matricis, a humanidade de quem eu sacrifico? A minha? Aqui? Se eu me sacrificar, como Clara se sentiria? Me criaria como animal de estimação? Eu saberia voltar para ela?
— Alma, eu o farei. — a voz que surgiu atrás de mim era de um adolescente determinado. Olho para trás e apesar de um lobo me encarar, seus olhos exibem mais humanidade que jamais vira nele desde que o conheci uma noite atrás.
— Quer o modo fácil ou o difícil? — pergunto a ele.
— O mais fácil, se possível. — pede. Atrás do lobo posso ver a sombra do rapaz, filho de Willa.
— Muito bem. — volto minha atenção a planta no ventre da imagem de lavanda. — Com licença. — Um vento forte me atinge, arrancando a touca de minha cabeça, deixando meus cabelos caírem livres e soltos sobre meus ombros.
Encaixo o punhal na parte de trás e corto as vinhas que o sustentam.
Fim do capítulo
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