O relógio no estilo Art deco da estação central marcava exatamente 17:15h quando o olhar ansioso de Júlia o capturou antes de sair pela calçada encharcada da Avenida Dom Gaspar. O vento gelado não conseguia secar o suor de suas mãos e têmporas enquanto caminhava receosa contando os quarteirões debaixo da garoa fina. Vez ou outra espreitava sobre os ombros e logo escondia a cabeça sob o capuz do casaco enquanto se questionava se não tinha enlouquecido! Ainda dava para desistir, era só dar meia volta e pegar o próximo trem, chegaria em casa antes das 20h sem causar estranhamento na vizinhança, pois era o horário em que fechava sua pequena mercearia diariamente. Mas todo a insegurança não diminuiu seus passos nem as batidas nervosas do seu coração que parecia que ia saltar pela boca. Não podia chegar assim receosa, transpirando e quase sem fôlego.

Estava dentro do horário e pelas anotações não estava longe, poderia parar brevemente em algum lugar para se acalmar. Do outro lado da rua viu a placa de um bar café bem pitoresco com duas mesinhas na calçada. Atravessou a porta amadeirada e se aproximou do balcão pedindo um café, mas apressada chamou o atendente – Por favor, em vez do café eu gostaria de uma dose desse whisky atrás de você! O belo rapaz acenou sorrindo de forma maliciosa lhe servindo no copo largo – Se fosse um pouquinho mais tarde eu lhe acompanharia, você é nova por aqui! Escorou o corpo no balcão e lhe encarou. Julia abaixou a cabeça envergonhada e concluiu que não foi uma boa ideia ter entrado, o que menos queria era chamar a atenção e o rapaz lhe avaliava descaradamente – Engano seu moço, moro na rua de trás, quanto é? Virou o copo inteiro de uma vez com as mãos trêmulas e mais nervosa do que quando entrou. – É por conta da casa, mulheres bonitas aqui não pagam as primeiras doses! – Obrigada! Pegou sua bolsa e saiu apressada se arrependendo de ter entrado.

 A noite já tinha caído e a garoa cessado, pelo menos para isso serviu a parada. Voltou a caminhar mais apressada ao ver que já se aproximava do horário marcado. Seu receio diminui um pouco pelo efeito da bebida, mas ainda estava ali lhe corroendo as entranhas, pois a medida que se aproximava do endereço as ruas ficavam menores e o movimento diminuía. Enquanto se questionava se estava no lugar certo precisou saltar rapidamente colando-se na parede para se desviar de uma bicicleta veloz que apareceu do nada lhe espirrando água suja nos sapatos. Assustada pôs a mão no coração e respirou fundo olhando para cima quase se arrependendo de ter saído de casa para seguir com aquela insensatez. Parecia um sinal para que retornasse à sua vida pacata e segura e desistisse dessa loucura. Fechou os olhos e lembrou do semblante sério e distante do marido, da voz perseverante da sogra lhe enumerando todas as qualidades do filho, da vida abastada que ele lhe proporcionava à qual deveria agradecer de joelhos – Droga, o que estou fazendo? Falou para o nada e reticente concluiu que não poderia desistir agora, estava tão perto do que vinha lhe fazendo suspirar pelos cantos, da causa de noites delirantes e insones cada vez mais frequentes.

Voltou a caminhar virando na primeira esquina olhando para a frente e conferindo o papel em mãos. Será que era aqui mesmo? Vislumbrou uma ruela estreita e mal iluminada por onde seguiu receosa, só agora percebendo que não cruzava com ninguém a tempos. Parou antes do toldo vermelho sob a placa reluzente e constatou que tinha chegado. Engoliu em seco e viu que não tinha mais como recuar, encostada na parede de pedras do outro lado da ruela enxugou o rosto e as mãos num lenço tirado da bolsa. Devia estar horrível toda suada e espirrada de chuva, como chegaria assim, será que ela notaria? Deu dois passos adentrando a porta de vidro, o cheiro e calor do ambiente lhe aquecendo um pouco. Olhou em volta sem enxergar antes de se dirigir ao balcão – Boa noite! Eu vim encontrar uma amiga, ela está hospedada no quarto 205, você pode avisar que cheguei por favor? – Boa noite, pois não, a quem devo anunciar? – Julia Medeiros. Um minuto depois a recepcionista lhe indicava a escada já que não possuíam elevadores.

Quanto mais se aproximava do destino mais suas mãos suavam, foi preciso seca-las na perna da calça justa. Quando terminou o segundo lance e virou para a esquerda seus olhos capturaram a mulher morena parada em frente a porta aguardando ansiosa. Percebeu seu olhar vislumbrando o intenso brilho que antecedia o sorriso lindo, largo e ela respirava tão ansiosa que seu peito subia e marcava a blusa de seda verde. O impacto daquela visão a fez parar no meio do corredor iluminado tentando corresponder ao sorriso apesar do nervoso, não conseguia sair mais do lugar e ali percebeu que também estava com a respiração alterada. Sem desgrudar o olhar nem dizer nada a mulher se aproximou e lhe buscou a mão esquerda segurando delicadamente. Seu coração galopou quando as mãos se tocaram e a única coisa que conseguiu fazer foi se deixar conduzir, só percebendo que estava dentro do quarto quando ouviu o barulho da porta fechando.

- Eu só acreditei mesmo que você vinha quando o interfone tocou, foi aí que eu me dei conta de que por medo ou por uma dúvida dilacerante não preparei nada de especial para te receber e isso não tem desculpa, você veio, está aqui na minha frente, depois de tanto tempo mais linda do que eu poderia me lembrar e eu sem nada para te oferecer! Me desculpa, eu posso descer e providenciar umas coisas para a gente e....A interrompi tocando-lhe os lábios sem conseguir mais me conter com o seu perfume me invadindo.

- Não preciso de nada... só me abraça para eu ter certeza de que não é mais um sonho!

Fim do capítulo